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Entrevista


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Crônica


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Conjuntura


PÁGINA 16 a 19
Vanguarda


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Debate


PÁGINA 27 A 29
Em foco


PÁGINA 30 E 31
Giramundo


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Ponto com


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Hobby


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Cultura


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Turismo


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Médicos que escrevem


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Fotopoesia


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Edição 84 - Julho/Agosto/Setembro de 2018

PÁGINA 20 a 26

Debate

Atividade sexual de menores de 14 anos

Guardar o sigilo médico ou não?

A quebra ou não do sigilo médico sobre relações sexuais de adolescentes menores de 14 anos suscita polêmicas acaloradas. Não foi diferente neste debate da Ser Médico, com a participação da ginecologista obstetra e conselheira do Conselho Federal de Medicina (CFM), Adriana Scavuzzi; e a pediatra e professora livre docente do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP, Maria Ignez Saito. O tema teve como pano de fundo o Parecer 55/2015, do CFM, e sua defesa do compartilhamento da informação com os pais ou responsáveis de adolescentes, em
decorrência da Lei 12.015, de 2009, que considera a atividade sexual abaixo de 14 anos como estupro de vulnerável, conduzindo à quebra de sigilo.

Maria Ignez, que defende a manutenção do sigilo, argumenta que sua quebra pode afastar as adolescentes dos cuidados médicos, além de expor o parceiro da paciente à
possibilidade de ser acusado de estupro, considerado crime hediondo e inafiançável,
mesmo se a relação tiver sido consentida. Adriana Scavuzzi discorda. Para ela, o médico deve compartilhar a informação com os pais ou responsáveis, da forma mais
delicada possível, para não se omitir perante a lei.

Adriana é também mestre e doutora em Saúde Materno Infantil pelo Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), em Recife, onde coordena
o Centro de Atenção à Mulher; Maria Ignez, que tem Título de Habilitação em Medicina de Adolescentes, é membro da Comissão Científica do Programa de Saúde do Adolescente da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e do Departamento de
Adolescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo.

O debate foi mediado por Krikor Boyaciyan, conselheiro, corregedor e coordenador da Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), mestre e doutor em Obstetrícia pela Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp) e titular da Academia de Medicina de São Paulo.


Krikor – Devo esclarecer que este não é um debate técnico e, sim, de mérito ético. O Parecer 55/2015 do CFM não tem força de lei nem de Resolução, mas é extremamente importante. Ele trata da questão do sigilo médico vinculado à relação sexual de menores de 14 anos, considerada crime de estupro pelo Código Penal Brasileiro. Em decorrência, o médico, ao atender menores nessa faixa etária, com vida sexual ativa,tem a obrigação ética de acolhê-los e orientá-los, porém, devendo obrigatoriamente comunicar o fato aos pais ou aos representantes legais. Qual a opinião das senhoras a esse respeito?

Adriana – É um tema muito especial para mim, pois sou ginecologista e acho extremamente pertinente a dúvida da colega que fez o questionamento que levou o CFM a emitir o Parecer em questão. São conflitos diários da especialidade. O Parecer é muito criterioso. Estamos tratando de um grupo amplo e heterogêneo, formado por adolescentes, que, segundo o Código Penal, abaixo de 14 anos são vulneráveis absolutos. Essa definição pode, inicialmente, parecer que está em contradição com o Código de Ética Médica em seu artigo 74, segundo o qual é vedado ao médico quebrar sigilo, inclusive de adolescente. Porém, há justificativa para essa orientação
do CFM. Ao analisar atentamente a pergunta da doutora, entendemos que, devido à vulnerabilidade absoluta, quando se trata de um adolescente abaixo de 14 anos, a quebra de sigilo é justificada em virtude dos grandes riscos que podem advir do início de vida sexual tão precoce. Por isso, concordo com o Parecer 55/CFM.

Maria Ignez – Discordo. Tenho um histórico no atendimento à saúde do adolescente, pois a primeira unidade de atenção integral a essa faixa etária surgiu no Instituto da Criança, da FMUSP. Sempre tivemos o maior cuidado em atendê-los dentro dos princípios éticos. Sem eles, incluindo a questão do sigilo, que é essencial, não é possível ter eficácia nos cuidados dos pacientes. O Estatuto da Criança e do Adolescente define que a adolescência começa aos 12 anos e a Organização Mundial de Saúde (OMS), a partir dos 10. O Estatuto quebrou a dicotomia que existia entre ética e lei. Antigamente, por lei, não se podia nem atender o adolescente sozinho. O sigilo é absolutamente imprescindível para conversarmos com os adolescentes sobre atividade
sexual, fazermos prevenção de drogas, abordarmos orientação sexual etc. E tem a questão dos direitos sexuais reprodutivos. A sexualidade é um direito e não uma contravenção, mas sempre foi motivo de grande questionamento dentro da área médica. Tem dois momentos claros em relação a este assunto: antes e depois da Lei 12.015, de 2009. Antes dela, em 2002, como a discussão era extrema, foi realizado o
Fórum Adolescência, Contracepção e Ética, com a participação de médicos, juízes, membros de comitês de ética etc. Foi uma ideia nossa. Discutiu- se o respeito à autonomia do adolescente, que implica o sigilo e a privacidade, para se tornarem sujeitos de direitos. Houve um apaziguamento da questão. Ficou claro que os médicos
poderiam receitar anticoncepcionais e que não haveria quebra de sigilo nem denúncia. Acatouse que os médicos teriam condições de avaliar se era presunção de violência – não se usava a palavra “estupro” – ou não. Logo depois, o CFM aprovou uma Resolução afirmando que o contraceptivo de emergência não é abortivo e pode ser usado em qualquer fase da vida reprodutiva. Precisamos lembrar também que a puberdade masculina é muito posterior à do sexo feminino. Uma menina de 13 anos geralmente não namonamora um menino de 12, ela quer um de 14, 15...

Muitos divergem de algumas questões da Lei 12.015, que é uma lei boa, como o artigo 213, que juntou o que era considerado “estupro” com “atentado violento ao pudor” e deu a mesma pena, de 6 a 10 anos, quando os meninos são vitimizados. As pessoas que abusavam do sexo masculino recebiam penas muito menores, o que era um absurdo, pois o trauma é igual. Porém, ela define que até 14 anos o adolescente é vulnerável, como os enfermos e os portadores de doenças mentais, em um mundo no qual uma
adolescente de 13 anos não tem essa vulnerabilidade. Muitas vezes, a proposta da relação sexual parte da menina, e os parceiros podem ser acusados de estupro, crime hediondo que não prescreve. Se tiver menos de 18 anos, ele pode não ser preso, mas será considerado um estuprador para sempre. Se servir ao Exército ou entrar, por
exemplo, em uma faculdade, terá em sua vida um rótulo de estuprador, mesmo que a relação tenha sido consentida. De 10 a 12 anos ainda se é criança, mas, infelizmente, a maioria das meninas começa, atualmente, a atividade sexual com 13 anos. Vivemos em uma sociedade absurdamente permissiva e erótica. Além de acusar os meninos de estupradores, os que têm acima de 18 anos serão presos. Prisão comum. Os juízes
começam a indagar: de onde vem essa definição de 14 anos? O adolescente de 12 ou 13 anos não pode ter relação sexual porque é considerado vulnerável, mas com essa idade pode ser considerado infrator e ir para uma instituição socioeducativa. Temos dois pesos e duas medidas para julgar a maturidade desses adolescentes.


Maria Ignez, Krikor e Adriana: divergência quanto ao compartilhamento de informação sobre atividade sexual de menores de 14 anos

Krikor – É dito que o desenvolvimento cerebral não atingiu sua complexidade final.

Maria Ignez – Há muito interesse na questão do desenvolvimento cerebral porque as pessoas querem imputar os jovens aos 16 anos. Depois vão querer imputá-los aos 15, 14... Minha preocupação é também em relação à gravidez. Temos queda de gravidez desde 2006, a duras penas, com todos os serviços – Pediatria, Ginecologia etc. – trabalhando em conjunto. E também porque os anticoncepcionais, inclusive contraceptivo de emergência, finalmente foram colocados nos postos de saúde. Sem o sigilo médico, a adolescente vai procurar espontaneamente receber o anticoncepcional? Isso pode complicar o acesso dos adolescentes à saúde. Além disso, se as relações sexuais com menores de 14 anos são consideradas estupros, as meninas têm direito ao aborto legal: Artigo 128.

Adriana – Entendo perfeitamente a questão pontual dos 14 anos, mas é difícil para o médico avaliar os diferentes graus de maturidade aos 12, 13 ou 14 anos. Muitas vezes, ele se depara, em apenas uma consulta, com a demanda de uma garota que está tendo relações sexuais. É preciso deixar claro que existe uma relação sutil entre quebra de sigilo e privacidade. O adolescente tem, claro, direito a toda privacidade e ao respeito da sua individualidade. A questão – e a coloco como um estado da arte do apoio do médico à criança, ao adolescente e à família – é conseguir envolver todos e convencer a adolescente a dividir a responsabilidade de uma eventual atividade sexual com seu responsável, geralmente alguém da família. Em relação à prescrição de contraceptivos, não tenho a menor dúvida de que o médico deve identificar a situação de susceptibilidade e fazer a prevenção da gravidez indesejada. Isso não se questiona. Mas o profissional precisa compartilhar essa informação com o responsável pelo menor de 14 anos. O ato sexual traz consigo várias possíveis repercussões, desde gravidez indesejada até doenças sexualmente transmissíveis. Porém, a quebra do sigilo deve
envolver, primeira e principalmente, a própria adolescente. Não se pode simplesmente chegar e quebrar o sigilo. Inicialmente, o médico precisa conversar com a paciente, expondo o quão delicado é a relação sexual no que diz respeito à gravidez. Atendo adolescentes e conheço a realidade que a senhora pontua em relação ao estímulo precoce. Muitas vezes, a mãe vem com a adolescente sabendo perfeitamente que
ela tem relação sexual, o que é até banalizado. Nós vivemos em uma sociedade na qual muitos adolescentes estão sem perspectivas, sem estudo, sem saúde... Para esses, a gravidez indesejada não tem o mesmo peso que tem para um adolescente que estuda e tem toda uma vida pela frente. A maioria, às vezes com 13 ou 14 anos, não tem sequer a dimensão da gravidade do risco que corre. No Instituto de Medicina
Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), em Recife, onde trabalho, apenas no mês de abril deste ano tivemos três óbitos maternos. Eram adolescentes de 13, 14 anos, com gravidez de risco. O médico pode se responsabilizar e não dividir com nenhum responsável o conhecimento da relação sexual? Pode assumir essa responsabilidade confiando na capacidade de discernimento de uma garota com menos de 14 anos? Acredito que não. Obviamente, sempre haverá o risco de o paciente não querer mais
voltar a esse médico. Mesmo assim, o médico deve quebrar o sigilo profissional e compartilhar a informação.

 

 

"Se não garantirmos o sigilo, não descobriremos os reais abusos, que em geral estão dentro de casa" (Maia Ignez)

 

 

 

 

 

 

 

Maria Ignez – A partir do momento que compartilhamos essa informação com os pais
ou responsáveis, acabou o contexto da conversa porque quebramos o sigilo. Outra coisa: o estupro você tem de denunciar ao Conselho Tutelar. Não existe a possibilidade de compartilhar só com os pais, é a lei. Então, o médico vai falar para os pais e vai fazer a denúncia? Os pais vão denunciar o namorado? Isso é muito diferente de apenas compartilhar. Os casos de meninas e meninos de 14 anos, ou até mais velhos, que
têm relações frequentes, de alto risco, sem preservativo, podemos compartilhar tranquilamente com a família, pois eles estão colocando a saúde em risco. Mas o que estamos discutindo é outra coisa: estamos falando de estupro de vulnerável, que é crime, sujeito a penalidades variáveis. Tem meninas de 12 ou 13 anos que tem mais conhecimento do que garotos de 14. Claro que abaixo de 12, ela não é adolescente, é
criança. Mas dizer que todas as relações de adolescentes menores de 14 anos são estupro? Que é isso? Não estou contra a lei. Gostaria, sim, que as entidades que nos representam discutissem essa questão com juristas, pois muitos deles não são a favor de que “todos esses meninos são estupradores”. Isso é muito grave.

Krikor – E se uma menina de 13 anos diz ao médico que está grávida?

Maria Ignez – Em caso de gravidez, tem de avisar os pais na hora. Estou me referindo à atividade sexual. Gravidez tem riscos se ela não fizer pré-natal. O que melhorou a gravidez na adolescência? O pré-natal precoce.

Adriana – Mas a senhora não acha que a adesão dela ao contraceptivo, para evitar a gravidez indesejada, não seria mais efetiva se tivéssemos a participação dos pais, ao invés de ela esconder a pílula na bolsa?

Maria Ignez – Sempre mantivemos o sigilo em nosso ambulatório, com as exceções que expliquei. E temos um baixíssimo índice de gravidez, apesar de ter um número idêntico ao de outros serviços em relação a meninas com atividade sexual. Elas aprenderam a se cuidar. Outras unidades de referência de atenção à saúde do adolescente também avançaram muito. Alguma menina engravidou? Sim, engravidou, mas se eu tivesse contado para os pais nenhuma teria engravidado?

Adriana – Essa relação não podemos garantir.

Maria Ignez – Outra coisa, se não garantimos o sigilo, muitas vezes não descobriremos os reais abusos, porque, em geral, eles estão dentro de casa.

Adriana – Com todas as ressalvas que o limite de 14 anos possa ter, acho temerário deixá-lo em aberto para o médico fazer a avaliação se a adolescente é madura ou não. Infelizmente, é preciso de alguma forma estipular um marco de idade, e 12 anos seria realmente um absurdo, pois caberia ao médico, então, avaliar essa eventual maturidade. Seria uma prerrogativa muito forte para um profissional que, muitas vezes,
atende a paciente uma única vez.

Maria Ignez – Faz parte da profissão do médico conseguir avaliar minimamente os riscos. Se não conseguir, não sei se ele pode continuar nesse tipo de atendimento. Muitas famílias não são retaguarda para nada, infelizmente. Minha premissa para atendimento de adolescentes é valorizar o Código de Ética Médica. Sem ele não conseguimos fazer prevenção. Isso é ponto pacífico.

Krikor – Mas é lei e nós não conseguimos mudar a lei.

 

 

"Os médicos nos estão pedindo para que não sejam resposabilizados pelo fato de não quebrarem o sigilo" (Krikor)

 

 

 

 

 

 

 

Maria Ignez – Não conseguimos não, nem tentamos. Uma coisa é não conseguir mudar, outra coisa é não ter exigido uma discussão da lei.

Krikor – Isso é uma falha.

Maria Ignez – Nós continuaremos com essa falha ou não? Acho que o papel da Saúde é de prevenção e de promoção de saúde. Não somos inquisidores, não temos essa cabeça.

Adriana – Não sou contra retomar a discussão sobre essas questões. É até louvável, pois a forma de os adolescentes se relacionarem também muda com o tempo. Mas, atualmente, estamos submetidos a uma Constituição, e é obrigação do médico, na situação que estamos abordando, colocá-la para os pais.

Maria Ignez – Não é colocar para os pais, é denunciar. É muito diferente.

Adriana – Quando informamos os pais, deixamos de ser omissos. Em relação à denúncia, quando uma paciente chega na maternidade grávida, com 12 anos, necessariamente chamamos o serviço social, e isso é reportado. É um caso notificado. Mas o médico não vai extrapolar o âmbito do responsável e ir diretamente à polícia. O trâmite habitual é chamar os pais e conversar com eles, até porque devemos querer
uma adesão da família no intuito de prevenir as demais repercussões. Não entendo que agindo assim o médico esteja agindo contra a adolescente. Está agindo a favor dela.

Krikor – Se consinto que a menor de 14 anos tenha relação, não quebro o sigilo, e ela engravida. Quem assume?

Maria Ignez – Primeiramente o médico não consente coisa alguma. Ao contrário, ele orienta, aponta todos os riscos e se coloca à disposição da paciente.

Krikor – Mas os médicos nos estão pedindo para que não sejam responsabilizados pelo fato de não quebrarem o sigilo.

Adriana – E para não serem responsabilizados por uma eventual gravidez, posteriormente. Além disso, a quebra do sigilo nessa situação visa também que os pais possam colaborar na adesão da adolescente ao método contraceptivo.

Maria Ignez – Sinceramente, não vejo dessa forma, inclusive não é o que eu estava imaginando discutir, porque quebra de sigilo até 14 anos é uma coisa e a lei é outra. O que precisamos discutir é estupro de vulnerável, mas estamos falando de um assunto anterior, o do direito do adolescente ao sigilo sobre a atividade sexual. Por que mudou? Porque existe uma nova lei e as pessoas estão receosas, não por causa do adolescente. Portanto, a grande questão é: somos favoráveis ou não a essa lei? Vamos solicitar uma discussão mais ampla a esse respeito ou não?

Adriana – A recomendação do Parecer é que se informe ao responsável.

Krikor – A senhora quer dizer que, ao saber do relacionamento sexual da adolescente,
o médico conversa com os pais, mas não faz a denúncia às autoridades policiais?

Adriana – Sim. O Parecer é muito bem fundamentado. Ele esclarece que uma vez que o médico faz a sua parte de chamar os responsáveis, está nas mãos deles a função de ir além. Se a própria família for omissa, a comunicação é feita ao Conselho Tutelar. Eu não entendo que a denúncia à polícia tem de partir do médico.

Maria Ignez – Se o médico sabe que existe uma lei, e sabe que foi estupro de vulnerável, deve denunciar, pois os médicos denunciam estupro sempre. Mesmo que seja o pai, que seja ameaçado de morte... Eu denunciei muitos estupros. Quando você pega um estupro no seu consultório, o que faz?

Adriana – É preciso denunciar.

 

 

"A quebra de sigilo é justificada em virtude dos grandes riscos que podem advir da vida sexual precoce" (Adriana)

 

 

 

 

 

 

 

Maria Ignez – E dessa vez, você não vai denunciar?

Krikor – Seria um caso especial.

Maria Ignez – Não é um caso especial. Lei é lei.

Krikor Acho que não chegaremos a um denominador comum. Gostaria que as senhoras fizessem suas considerações finais.

Adriana – O assunto é controverso. Sabemos que entre 12 e 14 anos existem diferentes graus de maturidade, mas estamos sob a égide da lei. Podemos questioná-la e debatê-la, mas o médico está relativamente confortável ao se sentir protegido pela lei, no que diz respeito à quebra do sigilo. Orientamos que isso seja feito da forma mais delicada possível, respeitando todas as outras nuances da privacidade do adolescente. A questão da anticoncepção e dos direitos reprodutivos são pontos pacíficos. Mas se há uma lei dizendo que estamos diante de estupro quando a relação sexual envolve uma adolescente abaixo de 14 anos, o médico não pode se omitir. É recomendado que seja com a anuência da adolescente, indagando qual seria a pessoa com quem ela gostaria que fosse compartilhada essa informação. O Parecer não diz que o médico deve extrapolar o âmbito da família e ir à delegacia.

Maria Ignez – Continuo tendo uma proposta baseada no histórico da atenção à saúde do adolescente, inclusive muito tranquila em relação aos resultados obtidos em minha própria trajetória profissional. Vendo-o como ser integral e imaginando a complexidade sobre falar ou não com os pais, continuo seguindo o Código de Ética Médica. Não havia, até 2009, nenhuma controvérsia entre ética e lei, nenhum risco profissional em manter o sigilo. Depois de 2009, a lei muda os caminhos e as reflexões das pessoas.
Reitero que acho extremamente perigoso acreditar que todos os adolescentes que estão tendo relações sexuais com suas namoradas de 12 ou 13 anos, independente de eles terem 13 ou 18 anos, sejam estupradores. Acredito firmemente que deve haver uma ampliação do debate entre as áreas da Justiça e a da saúde, uma vez que os próprios juristas não são unânimes em relação à manutenção dessa lei.


 


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