CAPA
PONTO DE PARTIDA (pág.1)
Renato Azevedo Júnior - Presidente do Cremesp
ENTREVISTA (págs.4 a 8)
James Drane
EM FOCO (págs.9 a 11)
Dormiu bem?
CRÔNICA (págs.12 a 13)
Tufik Bauab*
MÉDICOS NO MUNDO (págs.14 a 17)
Irène Frachon
DEBATE (págs.18 a 23)
Emergência e Regulação: novos desafios dos cursos de Medicina
SINTONIA (págs.24 a 27)
Novas práticas educativas no setor da Saúde
GIRAMUNDO (pág.28 a 29)
Curiosidades de ciência e tecnologia, história e atualidades
PONTO COM (págs.30 a 31)
Informações do mundo digital
HOBBY (págs.32 a 35)
Pediatra escala os maiores picos do mundo
HISTÓRIA DA MEDICINA (págs.36 a 38)
Especialidades médicas
LIVRO DE CABECEIRA (pág.39)
Por Bráulio Luna Filho*
CULTURA (págs.40 a 43)
Moacyr Scliar e Yann Martel
GOURMET (págs. 44 a 47)
Moqueca de camarão
FOTOPOESIA (pág.48)
Poesia anônima na capital paulista
GALERIA DE FOTOS
EM FOCO (págs.9 a 11)
Dormiu bem?
Os distúrbios do sono estão presentes em praticamente todas as especialidades médicas e podem alterar o prognóstico de doenças clínicas
O sono é essencial para a manutenção da saúde física e mental, bem como para a sobrevivência. Ratos privados de sono morrem em cerca de duas a três semanas. Ainda assim, milhões de pessoas no Brasil e nos Estados Unidos afirmam não dormirem o suficiente, seja por privação voluntária ou devido a um distúrbio do sono. Um estudo epidemiológico realizado pelo Instituto do Sono, da Universidade Federal Paulista (Unifesp), na cidade de São Paulo, mostra que cerca de 70% da população tem alguma queixa de sono, número similar àquele relatado pela National Sleep Foundation, nos Estados Unidos. Muitos desses distúrbios permanecem subdiagnosticados, apesar do interesse crescente pela Medicina do Sono, nova área de atuação médica no Brasil – em alguns países é classificada como especialidade –, dedicada a diagnosticá-los e a tratá-los. Essa é uma área relativamente recente. Os primeiros laboratórios de sono surgiram a partir da década de 70.
Os sintomas que mais frequentemente levam o paciente ao médico são sonolência excessiva, queixas de insônia (dificuldade para iniciar e/ou manter o sono) e roncos. Eles precisam ser investigados, uma vez que existem mais de 70 distúrbios do sono nas classificações internacionais (ICSD, 2005). Sonolência excessiva ou insônia podem estar associadas a déficits cognitivos, humor, irritabilidade, fadiga, letargia e diminuição de produtividade de modo geral, provocando elevados custos à sociedade. Em muitos países, políticas relacionadas à ocorrência de sonolência no trânsito têm sido postas em prática, como é o caso de alguns Estados norte-americanos. Além da privação do sono, distúrbios comuns como apneia obstrutiva do sono, insônia, síndrome das pernas inquietas e narcolepsia podem levar à sonolência excessiva e têm sido causa frequente de queixas clínicas e procura de serviços médicos.
Apesar do crescimento dessa área de atuação, a falta de acesso a serviços especializados é um problema que atinge vários países. Estima-se que cerca de 30% da população ocidental apresenta algum grau de apneia obstrutiva do sono. Desses, por volta de 7% tem apneia acentuada, que requer tratamento prioritário. São números elevados.
Os distúrbios do sono têm sido, cada vez mais, vinculados a consequências cardiovasculares, com evidências de que tanto a doença cardíaca pode afetar negativamente o sono, como o distúrbio do sono grave pode ter impacto significativo no sistema cardiovascular. Na realidade, os fatores de risco se sobrepõem. Por exemplo, apneia do sono, obesidade, diabetes e hipertensão, todos, por si só, adicionam risco cardiovascular ao paciente com distúrbio respiratório do sono.
Restrição do sono
A literatura tem, incessantemente, mostrado que quem dorme menos de seis horas por noite apresenta risco cardiovascular aumentado, além de alterações metabólicas e cognitivas. Por exemplo, um estudo amplo com enfermeiras (Nurses’ Health Study), realizado nos Estados Unidos, mostrou que aqueles que dormiam menos de cinco horas por noite apresentaram risco elevado de infarto do miocárdio comparados aos que dormiam adequadamente. A restrição de sono pode alterar o metabolismo e o sistema cardiovascular por vários mecanismos (Tabela 1).
Tabela 1
Possíveis mecanismos pelos quais a restrição do sono pode alterar o metabolismo e o sistema cardiovascular
1. Alteração do metabolismo da glicose e aumento da resistência à insulina (Capuccio et al. 2008)
a. Aumento do tônus simpático;
b. Aumento do cortisol noturno;
c. Ativação de vias inflamatórias;
2. Efeito nos hormônios relacionados à fome (leptina, ghrelina) (Marshall et al. 2008);
3. Redução da energia durante o dia;
4. Prejuízo na secreção dos hormônios tireoidianos. (Najib, T., 2010)
Apneia do sono
Definida, de maneira geral, por pausas respiratórias durante o sono, a apneia divide-se em três tipos: a obstrutiva, que ocorre na presença de esforço respiratório (comando ventilatório) e é mais comum; a de origem central e a respiração de Cheyne-Stokes, estas duas são mais frequentes em pacientes com insuficiência cardíaca, nos quais têm sido associadas a pior risco. Ambos os distúrbios – obstrutivo ou central – podem levar à hipóxia intermitente, seguida de reoxigenação, durante o sono, o que leva a estresse oxidativo, despertares recorrentes e aumento da atividade simpática.
A apneia obstrutiva é mais comum em homens, obesos, em mulheres após a menopausa e com sonolência excessiva. Hipertensão arterial é o risco cardiovascular mais bem documentado, porém insuficiência coronariana, acidente vascular cerebral, arritmias cardíacas, insuficiência cardíaca e diabetes também estão entre eles.
A restrição do sono pode alterar o metabolismo e o sistema cardiovascular
Insônia
Por fim, um dos desafios comuns a diversas especialidades médicas é a insônia, com cerca de 50 causas listadas ou fatores associados. O distúrbio tem sido exaustivamente revisado nos últimos dois anos. As novas classificações DSMV (Manual Diagnóstico e Estatístico em Transtornos Mentais) da Academia Americana de Psiquiatria, bem como a nova Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono da Academia Americana de Medicina do Sono, com lançamento para 2013, relatam a insônia por si só, e não mais a insônia primária, ou distúrbio de insônia agregado a uma determinada comorbidade, que pode variar desde ansiedade até doença do refluxo gastroesofágico, entre outros. O tratamento apropriado da insônia, com os novos medicamentos associados às terapias cognitivo-comportamentais, podem melhorar o prognóstico das comorbidades associadas ou melhorar seus sintomas.
Um artigo interessante sobre um amplo estudo foi publicado, recentemente, no European Heart Journal, mostrando que a insônia também se associou ao aumento do risco cardiovascular, no caso, à insuficiência cardíaca. Porém, claro, não é possível estabelecer nenhuma relação causal.
Especialidades médicas
Levantamentos mostram que as especialidades médicas que mais frequentemente referem pacientes para avaliação especializada ou se formam mais na área da Medicina do Sono são: Otorrinolaringologia, Neurologia, Pneumologia, Cardiologia, Anestesiologia, Endocrinologia, Psiquiatria, entre outras.
Em resumo, os distúrbios do sono estão presentes em praticamente todas as especialidades médicas e, atualmente, em nosso país, cada vez mais, nós, médicos, estamos conscientes de que eles, associados, podem alterar o prognóstico das doenças clínicas.
*Dalva Poyares é médica neurologista do Instituto do Sono de São Paulo e professora livre docente da Disciplina de Medicina e Biologia do Sono, do Departamento de Psicobiologia da Unifesp
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