CAPA
EDITORIAL (pág.1)
Ponto de Partida - Novo Código de Ética Médica reafirma o respeito ao ser humano
ENTREVISTA (pág. 4)
Uma conversa com o introdutor do ensino de Nutrologia nas escolas médicas do país
EM DEBATE (pág. 9)
Abortamento espontâneo: entender porque ocorre reduz o estresse associado à perda
CRÔNICA (pág. 12)
Ruy Castro e a biografia que escreveu sobre a "pequena notável"...
SAÚDE NO MUNDO (pág. 14)
O sistema de saúde português garante a melhoria significativa de saúde da população
AMBIENTE (pág. 18)
Conheça a rede mundial Saúde Sem Dano: mais de 50 países participam
SINTONIA (pág. 21)
Indústria de alimentos deve estimular o consumo de produtos saudáveis
EM FOCO (pág. 23)
Forças Armadas do Brasil e Força Expedicionária Brasileira
GIRAMUNDO (pág. 26)
Curiosidades da ciência e da história
PONTO COM (pág. 28)
Canal de atualização com as novidades do mundo digital
HISTÓRIA (pág.30)
A assepsia das mãos na prática médica
GOURMET (pág. 33)
Acompanhe a preparação de uma receita especial para a macarronada do domingo...
CULTURA (pág. 36)
Tide Hellmeister: artista de técnicas variadas, deixou obras expostas no Cremesp
TURISMO (pág. 40)
Registro de um passeio inesquecível pelos vilarejos franceses
CABECEIRA (pág. 46)
Confira as sugestões de leitura do médico cardiologista Adib Jatene
CARTAS (pág. 47)
Versões digitais do JC e da SM facilitam acesso e leitura
POESIA(pág. 48)
Explicación, de Pablo Neruda, no livro Barcarola (1967)
GALERIA DE FOTOS
EM DEBATE (pág. 9)
Abortamento espontâneo: entender porque ocorre reduz o estresse associado à perda
Perda gestacional, uma doença negligenciada
Sérgio D. J. Pena*
Uma explicação científica para a causa da perda fetal ajuda o casal a lidar com as emoções e ilumina a conduta médica
O abortamento espontâneo, que acomete 15% das gravidezes, é um dos problemas médicos mais frequentes. Considerando os cerca de 3 milhões de nascimentos anuais no Brasil, estimam-se as gestações em 3,45 milhões e mais de 500 mil perdas gestacionais. A grande maioria desses abortamentos não tem sua etiologia investigada pela classe médica, constituindo, assim, uma doença negligenciada.
Embora sejam comumente tratados como problemas relativamente menores pela obstetrícia, os abortamentos podem ser emocionalmente devastadores. Um casal que viu o sonho de uma gravidez perfeita se dissolver em sangramento sente-se incompetente e inadequado, especialmente a mãe, que é geralmente vista como “a culpada”.
Uma explicação científica da causa da perda fetal ajuda o casal a lidar com essas emoções. Além disso, ilumina a conduta médica e é instrumental no planejamento de gestações futuras, pela capacidade de definir as chances de sucesso, os riscos de novas perdas e de nativivos acometidos por doenças genéticas.
No passado, por falta de informações genéticas sobre os fetos, os abortamentos espontâneos eram erroneamente atribuídos a problemas anatômicos, endocrinológicos ou infecciosos maternos. Hoje, sabemos que, de fato, a vasta maioria ocorre devido a alterações genéticas fetais e, mais especificamente, a anomalias cromossômicas, que são observadas em 60% a 70% dos abortamentos de primeiro trimestre estudados.
As categorias mais comuns de cromossomopatias diagnosticadas em restos ovulares/placentários são as trissomias, em 60%-70%, a triploidia (isto é, 69 cromossomos), em 15%-20%, e a monossomia X (45,X), também em 15%-20%. A trissomia mais comum é do cromossomo 16, seguida pela trissomia 22, sendo que nenhuma das duas é vista em gravidezes a termo.
Aparentemente, a elevada frequência de perdas espontâneas no início da gravidez deve-se a um mecanismo de “seleção natural” que age sobre conceptos anormais. Uma consequência lógica dessa conscientização é a de que o obstetra deve refrear-se de tratar ameaças de aborto nesse período, pelo risco de permitir o nascimento de uma criança anormal, que teria sido perdida espontaneamente.
Indicações
A maior indicação para o estudo cromossômico dos tecidos fetais (restos ovulares e placentários) é o abortamento de repetição, quando é essencial distinguir se ele apresenta causa fetal ou materna. Sem dúvida, o estudo dos cromossomos fetais constitui a melhor maneira de determinar se a causa de um abortamento foi fetal. Na presença de cromossomopatia, a causa da perda fetal pode ser considerada como estabelecida e não há necessidade de fazer nenhuma investigação sobre a mãe. Por outro lado, na ausência de uma alteração do cariótipo fetal, há indicação para propedêutica materna.
Entretanto, mesmo no primeiro abortamento, acredita-se que há justificativa para o estudo cromossômico fetal. O processo de luto após uma perda fetal é associado à ansiedade e à depressão. Nos casos em que a perda fica sem explicação, geralmente a paciente apresenta sentimentos de culpa e questiona se o motivo foi algo que ela fez ou deixou de fazer.
Pelo exposto, fica claro que, sempre que possível, o material fetal de todas as perdas reprodutivas deve ser investigado citogeneticamente. Essa é a opinião de experts, na literatura médica, e a recomendação de vários órgãos, incluindo o Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia. É também a nossa experiência pessoal após 25 anos de prática laboratorial em genética fetal.
Investigação molecular
O melhor custo-benefício para o diagnóstico cromossômico no estudo de abortamentos espontâneos é o teste em DNA dos restos ovulares e placentários, que utiliza uma técnica laboratorial chamada QF-PCR (Reação em Cadeia da Polimerase com Fluorescência). Essa metodologia é simples, tem custo acessível, o seu processamento é rápido, necessita de pouco DNA fetal e é capaz de produzir resultados, mesmo quando o material genético está degradado por causa de tratamento com formol.
A QF-PCR, então, apresenta muitas vantagens: é aplicável a qualquer tecido fetal, seja ele fresco, congelado, fixado em álcool ou formol ou mesmo infectado; é aplicável inclusive a tecidos em blocos de parafina, viabilizando o diagnóstico citogenético após os estudos de anatomia patológica recentes ou até mesmo antigos; o material fetal pode ser fixado em etanol, facilitando a logística do transporte até o laboratório de genética médica; e o custo é acessível.
Atualmente, já temos técnicas moleculares para o diagnóstico da triploidia, da monossomia X e das trissomias de todos os autossomos e dos cromossomos sexuais X e Y. Assim, a sensibilidade para alterações cromossômicas de número é de virtualmente 100%.
O desenvolvimento e aprimoramento constante das técnicas de citogenética molecular, especialmente os testes em DNA por QF-PCR, transformaram a investigação genética de perdas fetais em um procedimento fácil, simples, rápido, de preço acessível e com resultados garantidos, que pode e deve ser incorporado à rotina médica.
*Sérgio Danilo J. Pena, médico geneticista, doutor em Genética Humana pela Universidade de Manitoba (Canadá), presidente do Laboratório Gene – Núcleo de Genética Médica e professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais, escreve na coluna Deriva Genética, do site Ciência Hoje Online.