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Filha de Durval Marcondes mostra carta de Freud a seu pai
Um Freud confidencial
Única filha de Durval Marcondes, precursor da Psicanálise no Brasil, abre as portas de sua casa pela primeira vez para mostrar uma carta de Freud a seu pai
Paula Marcondes mostra livro com a foto do pai e Adelheid Koch, analista didata que chegou ao Brasil em 1936
Pela primeira vez, Paula Marcondes abriu as portas de sua casa para mostrar uma relíquia familiar: uma das cartas que Sigmund Freud enviou a seu pai, o psiquiatra Durval Marcondes. Ele foi um dos mais importantes introdutores das idéias de Freud no Brasil, principalmente em São Paulo, além de fundador da Sociedade Brasileira de Psicanálise, em 1927 – a primeira da América Latina. Durval, Franco da Rocha e Osório César eram os três grandes psiquiatras da capital paulista no início do século XX – Osório também trocou correspondência com Freud –, decisivos na introdução da psicanálise no país. Durval foi mentor da Seção de Higiene Mental do Serviço de Saúde Escolar do Estado de São Paulo, criada em 1938, dando origem às primeiras clínicas de atendimento psicológico e orientação infantil.
Foi por influência de Freud que surgiu o conceito de “Arte Bruta”, pintura de reclusos em instituições psiquiátricas. Substituto de Franco da Rocha na direção do Hospital do Juquery, Osório César foi o responsável pela introdução da arte como método terapêutico na instituição e pela criação da Escola Livre de Artes Plásticas do Hospital do Juquery. O Museu de Arte de São Paulo possui um dos mais importantes acervos da Arte Bruta do Brasil.
Duas das cartas de Freud recebidas por Durval hoje pertencem à Divisão de Documentação e Pesquisa da História da Psicanálise/Instituto Durval Marcondes, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBP-SP). A terceira é a que está exposta como um quadro no apartamento de Paula, única filha de Durval, fruto de seu segundo casamento com a psicóloga e professora da PUC, Lidia Marcondes. Paula nasceu em 1974, quando Durval tinha 75 anos e Lídia, 44. Ela, que estudou até o terceiro ano de Psicologia, vendeu as outras cartas, mas quis ficar com uma como lembrança do pai, falecido em 1991, aos 92 anos. Durval era metódico, organizado, escrevia sempre com cópia em carbono e tinha uma biblioteca riquíssima.
Carta de Freud a Durval, de 27 de junho de 1928
Praticamente toda a biblioteca de Durval Marcondes e suas anotações foram doadas à SBP-SP. “Ao juntar essas peças da história da Psicanálise, estamos documentando a história de uma época de São Paulo”, afirma Maria Ângela Moretzosohn, diretora da Divisão de Documentação da SBP-SP. Boa parte desse acervo ajudou na montagem das exposições Freud: Conflito e Cultura e Brasil: Psicanálise e Modernismo, realizadas paralelamente no Museu de Arte de São Paulo, na Capital paulista, em setembro de 2000. Paula Marcondes autorizou a exposição da carta que tem em casa na mostra sobre Psicanálise e Modernismo. Foi a única vez que o documento saiu de seu apartamento na ocasião, a outra foi publicada no livro Brasil Psicanálise e Modernismo, especial sobre a exposição feito pelo Masp.
As relações entre a Psicanálise e a proposta modernista foram objeto de pesquisa das professoras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP Gilda de Mello e Souza e Telê Porto Ancona Lopez, e um grupo de psicanalistas coordenado por Maria Ângela Moretzsohn. O trabalho revelou que a influência freudiana na cultura brasileira foi anterior ao Manifesto Surrealista, lançado na França em 1924, pelo poeta André Breton. O manifesto propunha a restauração dos sentimentos e dos instintos humanos como ponto de partida para uma nova linguagem artística. Nascia o surrealismo, filho das teorias de Freud, que explorava as possibilidades de representação do inconsciente. Essa corrente reunia pintores como o espanhol Salvador Dalí, o russo Marc Chagall e os belgas René Magritte e Paul Delvaux.
A Psicanálise influenciou artistas como indivíduos, mas também seus processos de criação. As três grandes obras de Freud – “Interpretação dos Sonhos”, de 1900; “Psicopatologia da Vida Cotidiana”, de 1901; e “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, de 1905 – eram leitura corrente nas rodas intelectuais de Paris nas primeiras décadas do século XX. O círculo de modernistas de São Paulo também bebeu fartamente nessa fonte.
Durval e Osório freqüentavam as rodas dos artistas modernistas. Durval chegou a publicar o poema “Symphonia em preto e branco” na revista modernista Klaxon, ao lado de autores como Mário de Andrade. A própria Sociedade de Psicanálise tinha como membros modernistas importantes, como o escritor Menotti Del Picchia.
“O Manifesto Antropofágico”, de Oswald de Andrade, cita três vezes o médico vienense. Ele considerava Freud, Nietzsche e Marx os grandes expoentes do pensamento moderno do século XX. Mas também contestava alguns conceitos freudianos, além de considerar a prática da psicanálise um privilégio de classe. Mário de Andrade aprofundou-se mais do que os outros no estudo da Psicanálise, chegando a ser criticado pelo excesso de freudianismo no livro “Amar, verbo intransitivo”.
Nas artes plásticas, os modernistas Ismael Nery, Tarsila do Amaral, Cícero Dias e Flávio de Carvalho procuravam pincelar formas do inconsciente em determinadas criações. Nenhum deles pode ser cunhado de surrealista, mas estavam ligados à psicanálise de forma intuitiva e espontânea. Tarsila do Amaral retrata um ambiente surrealista em obras como O Sono, O Urutu e Figura Só. Cícero Dias pintou quadros que sugerem as teorias de Freud, como Mulher Nadando, Banho de Rio e Sonho da Prostituta. Flávio de Carvalho, que lia Freud todas as manhãs, tem como obra de maior impacto a série de nove esboços intitulada Minha Mãe Morrendo. Ismael Nery é talvez o mais freudiano dos modernistas. Algumas de suas obras parecem ilustrações de conceitos psicanalíticos. Recolhido ainda jovem em um sanatório por causa da tuberculose, Ismael Nery também pintou sua história sofrida.
Freud segundo Oswald
Somente a captação do pensamento desses três gênios, Marx, Nietzsche e Freud, poderá indicar o verdadeiro caminho do homem moderno na direção de sua autenticidade e no derrocamento inflexível das velhas formas absurdas da exploração patriarcal. (Oswald de Andrade, Estética e Política, 1929)
Só vejo um remédio para me moralizar – cortar a incômoda mandioca que Deus me deu!
(O.A, Serafim Ponte Grande, 1933)