CAPA
EDITORIAL
Destaque desta Edição: debate sobre a pós-graduação em Medicina no Brasil
ENTREVISTA
Dom Eduardo Uchôa, reitor do Colégio e da Faculdade de São Bento, é o convidado especial desta edição
CRÔNICA
José Feliciano Delfino Filho - Zezo - escreveu especialmente para esta edição
CONJUNTURA
Quanto custa a violência urbana para a Saúde?
ESPECIAL
Um RX de Roraima, Estado rico em biodiversidade e... conflitos
DEBATE
Em discussão, a missão da pós-graduação no Brasil
MÉDICO EM FOCO
Sady Ribeiro conta sua jornada nos Estados Unidos
LIVRO DE CABECEIRA
A guerra contra os fracos - Edwin Black
HOBBY DE MÉDICO
Roberto Caffaro apresenta sua invejável coleção de canetas raras
GOURMET
A arte de inventar receitas - Roberto Franco Morgulis
CULTURA
A arte de Belmiro de Almeida nas telas, desenhos e caricaturas
HISTÓRIA DA MEDICINA
120 anos do Serviço de Oftalmologia da Sta. Casa de Misericórdia de São Paulo
ACONTECE
Cow Parade: maior exposição de arte de rua do mundo
CARTAS & NOTAS
Elogios ao novo projeto gráfico da Revista
GALERIA DE FOTOS
MÉDICO EM FOCO
Sady Ribeiro conta sua jornada nos Estados Unidos
Um Mineiro no Texas
A história de um médico brasileiro que imigrou para os Estados Unidos
Para atuar no Brasil, o médico estrangeiro precisa solicitar registro junto ao CRM que, para concedê-lo, exige diploma revalidado por universidade pública, visto ou protocolo de pedido de permanência no país e certificado de proficiência na língua portuguesa – nível avançado. Para exercer a profissão nos EUA, o médico estrangeiro tem que prestar concurso de conhecimento médico e da língua inglesa. Uma vez aprovado, se candidata a um programa de Residência.
“Não importa o quanto seja bem treinado no país de origem. Não importa se é um gênio. Se o médico tem planos de ficar nos Estados Unidos no futuro terá de fazer nova Residência”, afirma o médico brasileiro Sady Ribeiro (foto) que na década de 80 decidiu buscar uma vida melhor nos EUA. “Para isso, tem de mandar o currículo para um grande número de hospitais, na esperança de que alguns o chamem para uma entrevista”. Em depoimentos feitos em vários contatos por e-mail, Sady contou um pouco de sua vida nos EUA e os motivos que o levaram a dar esse passo.
Na época, ele deixava uma filha adolescente num Brasil em transição política pela retomada da democracia. Desembarcou em Nova York para começar a Residência em Clínica em 1988. “Como em terra de cego quem tem um olho é rei, virei também professor de lambada em um clube nas horas de lazer. O ritmo
estava no auge, todas as quintas das 21 às 2 horas eu enganava o público ensinando umas americanas balzaquianas. Vivi dias de glória. Dei entrevista para o canal Cultura de NY, teorizei sobre os aspectos antropológicos e socioculturais da lambada e acertei - quem não acertaria? - que a dança estava condenada a desaparecer”.
Sandy formou-se em Medicina no Brasil na Universidade Federal de Juiz de Fora, em 1974. Fez Residência em Clínica Médica e Reumatologia no Hospital do Servidor Público Estadual em São Paulo. “Como residente participei de uma das primeiras greves depois de 1964”. No final dos anos 70, o médico engajado decidiu sair do Brasil. “Dividido entre a política e a Medicina, resolvi dar um tempo na primeira e segui para a Inglaterra, para um treinamento extra em Reumatologia”. Nos dois anos em que ficou na Inglaterra teve o primeiro contato com Clínica de Dor, especialidade que faria mais tarde. Ele casou-se por correspondência com a namorada brasileira. A abertura política começava a se esboçar no Brasil, quando Sady voltou ao Servidor em 1982. Lá dava expediente como médico e representante de categoria. “Mineiro, bom de conversa e algumas vezes de palanque, virei presidente da Associação Médica do Hospital do Servidor Público”. Ele diz que na época comia e bebia política. “Campanha das diretas, eleição e morte de Tancredo Neves, Plano Cruzado e eu, como muitos outros, querendo fazer a história. Tempos bons. Quanta esperança e emoções. E o Lula tão diferente.”
O sonho durou pouco. “Quando o Jânio Quadros ganhou as eleições para prefeito, com bem menos votos que o Eduardo Suplicy e o Fernando Henrique juntos, comecei a me entristecer. Percebi que o José Sarney iria, de novo, caminhar para a direita. Conta que se apaixonou pela cidade assim que chegou. “Quem não gosta de NY? Lá, com muito orgulho, organizei uma greve de residentes, aderindo a uma greve de preceptores. Vencemos!”
Em Nova York também passou por uma experiência desagradável: foi vítima de um assalto violento. “Fui assaltado por três portorriquenhos, que me abordaram no metrô na madrugada. Eles pediram dinheiro, tentei negociar o preço do prejuízo, fui tirar uma de malandro ... Dois me seguraram e um bateu até cansar”.
Residência nos Estados Unidos
Conseguir uma vaga para Residência Médica depende de alguns fatores, entre eles o interesse – ou o desinteresse – do mercado. “Obviamente, para o estrangeiro sobram os programas menos procurados e as especialidades que não interessam ao médico americano naquele momento. Dificilmente um médico estrangeiro consegue um hospital de ponta no seu primeiro ano de States”. Segundo Sady, no passado alguns hospitais ofereciam vaga sem necessidade de entrevista. “Mas hoje isso é impossível”. Para médico residente, o governo norte-americano concede o Visto J1, para estrangeiros em treinamento, com validade de até oito anos.
Durante três anos, Sady trabalhou e estudou Medicina interna. Mudou-se para Houston, no Texas, iniciando treinamento de dois anos no MD Anderson Cancer Center. Depois trabalhou como preceptor no Methodist Hospital por mais um ano. “Resolvi aprender cefaléia e voltei a NY”. Ele especializou-se em dor, que nos EUA funciona como uma pós-residência. Neurocirurgiões, neurologistas, anestesistas, fisiatras, reumatologistas e clínicos podem fazê-lo, após a Residência.
“Especialista em Medicina Interna e em dor, relativamente bem treinado, tinha agora duas opções: voltar ao Brasil ou trabalhar numa underserved area”. Todo médico que termina os oito anos de visto J1, o máximo que se pode ficar em treinamento, tem que voltar ao país de origem ou trabalhar numa underserved área – localizações nas quais há dificuldades para preencher as vagas de médicos, que “pode ser tanto no Alaska como na periferia de Chicago”. Caso trabalhe por dois a quatro anos numa área assim, o médico estrangeiro recebe o green card, que garante a residência definitiva nos EUA. Caso volte ao país de origem, só poderá retornar aos EUA dois anos depois – “eles contam até os minutos”, diz Sady –, com o visto H1, que permite o trabalho em qualquer lugar do país, e não mais, necessariamente, numa underserved area. Com o tempo, o visto H1 ajuda na solicitação do green card, explica Sady. “Com o green card você pode ficar para o resto da vida, abrir consultório, comprar hospital, empregar colega. Mas se você quer mais segurança e votar nas eleições americanas, depois de cinco anos de green card pode solicitar a cidadania. Aí você esquece o futebol, passa a gostar de beisebol, troca palavras em português e... se torna um americano”, brinca.
Ele retornou a Houston, inicialmente para a Baylor College of Medicine e depois para uma clínica privada. “A dor foi se dividindo em sub-especialidades, como tudo neste país, e hoje não sei se posso me chamar de médico da dor. Passo a maior parte do tempo no centro cirúrgico realizando discografias, disquectomias percutâneas, bloqueios facetários e, muitas vezes, fico semanas sem prescrever um analgésico”. O médico tem uma jornada de trabalho de 5 a 8 horas diárias, com alguns fins de semana de plantão. Ao ser questionado sobre a renda mensal, Sady responde que certamente ganha “mais que um médico brasileiro, mas não dá para ficar rico.”
Saudades do Brasil? “Sonho com padarias, pingados, conversa de balcão, banca de jornal, meus companheiros de luta do Hospital do Servidor, minha filha....” Até hoje ele mantém vínculos com o Brasil. No começo visitava o Brasil pelo menos uma vez ao ano para rever a família e os amigos. “Agora que arrumei namorada no Brasil, tento aparecer a cada três meses, antes que o chifre fique muito grande”, brinca. “Quando o Lula ganhou, imaginei que iria voltar. Ingenuamente acreditei em mudanças. Quixotescamente escrevi a ele uma carta exigindo tolerância zero à corrupção”, desabafa.
Estudioso compulsivo, Sady começou a se dedicar a uma nova especialidade. “Medicina do anti-envelhecimento está virando uma mania por aqui e estou no processo de aprender alguma coisa”.
A última troca de e-mail com Sady aconteceu antes que a cidade de Houston fosse evacuada por causa do furacão Rita no final de setembro, quando esta edição da Ser Médico estava sendo fechada.
Para mais informações sobre treinamento médico nos EUA acesse os sites: http://www.usmle.org e http://www.ecfm.org
Você sabia que...
- os registros do Cremesp apontam que 11 médicos norte-americanos atuam no Estado de São Paulo. Destes, apenas um formou-se em Medicina fora do Brasil
- cerca de 58 médicos com nacionalidade norte-americana exercem a profissão no Brasil, segundo dados do Conselho Federal de Medicina.
Médicos Estrangeiros
Dos 87.231 médicos ativos no Estado de São Paulo, 1.799 têm nacionalidade estrangeira, segundo os registros do Cremesp. Destes, 1.129 estudaram Medicina em faculdades brasileiras e 670 formaram-se em faculdades estrangeiras. Veja a seguir a nacionalidade dos médicos estrangeiros formados fora do Brasil – computados apenas os casos que somam mais de 10 profissionais.
264 bolivianos - 42%
92 peruanos - 15%
90 colombianos - 14%
42 portugueses - 7%
42 equatorianos - 7%
34 argentinos - 5%
22 cubanos - 3%