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Entrevista


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Crônica


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Dossiê Acupuntura: uma breve história


PÁGINA 18
Dossiê acupuntura relato de caso


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Dossiê acupuntura em foco


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Edição 88 - Julho/Agosto/Setembro de 2019

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Dossiê acupuntura em foco

Os riscos da prática por não médicos 

Por Ricardo Morad Bassetto*

              

Existem versões contraditórias sobre a prática da especialidade médica chamada, no mundo ocidental, de Acupuntura, com justificativas diversas para diferentes intentos. Em sua origem, na China, a prática recebe o nome ZhenJiu, cujo significado é “agulha e moxa”, descrevendo a área da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) que usa estímulos, introdução de agulhas ou aquecimento de pontos em regiões do corpo para tratamento de doentes, controle de doenças ou alívio de sintomas.

Esse sistema clínico/terapêutico desenvolveu-se, e vem se desenvolvendo, na China e, posteriormente, em todo o mundo, por meio de escolas. Inicialmente, a bem da verdade, por relação direta mestre-discípulo. O objetivo foi, e continua sendo, desenvolver o entendimento das enfermidades e dos doentes – conhecimento e descrição das doenças e do estado dos doentes, fisiopatologia e diagnóstico –, além, obviamente, da expertise na forma de usar os métodos de estímulo (agulhas, moxa, ventosas etc), evoluindo continuamente até hoje, com o objetivo de criar competências específicas para o exercício da especialidade.

"A CIÊNCIA MÉDICA ATUAL APROFUNDA O ENTENDIMENTO DA ACUPUNTURA"

Podemos inferir que as competências que condicionam diretamente a eficácia e a segurança do método são resultado da soma dos conhecimentos originais – todos gerados pela observação, estudo e pesquisa, ao longo de mais de 2.500 anos de história da prática na Medicina.

Mas, afinal, quais controvérsias podem decorrer da análise de risco na prática da Acupuntura por profissionais sem formação médica? O tema é bastante sensível, sobretudo para aqueles que buscam ou recebem indicação de tratamento por essa especialidade, mas também para todos que, porventura, tenham necessidade de atendimento médico.

O senso comum enxerga facilmente os riscos na prática de um método invasivo, como a introdução de agulhas em várias regiões do corpo, por profissionais que não desenvolveram as competências para fazê-lo. Entende a possibilidade de lesão em alguma estrutura importante do organismo humano, com potencial de gerar dor, sequelas ou até mesmo a morte. O medo, que não é infundado, é superado, muitas vezes, com informações e alguma lógica, que consideram profissionais da área de saúde – não médicos, com conhecimento de anatomia e treinamento no manuseio terapêutico de instrumentos perfurocortantes –, competentes para a aplicação da Acupuntura.

Em outras circunstâncias, o medo pode nem existir, por absoluto desconhecimento dos riscos, dirimido por teorias com bem menos lógica, segundo as quais a acupuntura é um método que lida com “energias” e que esse "saber" é suficiente para usar as tais agulhas, ou, ainda, que a anatomia e expertise necessárias para aplicação da acupuntura aprende-se facilmente em cursos notoriamente limitados em extensão e profundidade desses conteúdos.

Estão no cerne dessa discussão as questões envolvidas no reconhecimento das competências específicas necessárias para o exercício de cada atividade profissional. No âmbito das profissões pertencentes à área de saúde, mas não só nelas, essas competências são definidas, na formação, pelos conteúdos e treinamentos desenvolvidos, com carga horária suficiente para o aprendizado e domínio técnico do saber imprescindível para eficácia e segurança. Estes são os parâmetros principais que norteiam as leis que regem as práticas permitidas por cada área profissional. Dessa forma, por não terem a formação específica, já na origem, é vetado a algumas profissões da área de saúde o uso de métodos invasivos, com agulhas ou outros instrumentos, para tratamento.

Em outro segmento, encontram-se aqueles que não possuem qualquer formação relacionada à área de saúde. Alguns até desenvolveram, ao longo de suas vidas, competências para os mais diversos ofícios, mas nenhuma que os prepare para tratar doentes e abordar doenças, excetuando, talvez, alguma informação em cursos com base curricular incompleta, que desprezam os conhecimentos mínimos obrigatórios para a prática de qualquer ato médico, seja oriundo das medicinas chamadas tradicionais, como é o caso da Acupuntura, seja no contexto da Medicina contemporânea, fundamentada pela ciência reconhecida e testada em todo o planeta.

Na China, essa é uma especialidade que faz parte da chamada Medicina Tradicional Chinesa (MTC), que forma médicos especialistas com competência para tratar doentes e compreender as doenças, incorporando os fundamentos da ciência médica contemporânea aos sólidos conhecimentos tradicionais, garantindo segurança, diminuição de riscos e aumento da eficiência do método. Não se formam médicos em cursos com programas restritos, sem garantias de desenvolvimento das tais competências necessárias para o exercício da medicina.

Quais os riscos?

Se existem profissões da área de saúde, não médicas, que desenvolvem competências relativas ao conhecimento do corpo humano e seu funcionamento (anatomia e fisiologia), assim como do uso e manuseio de instrumentos perfurocortantes, qual o risco que pode decorrer da prática da acupuntura por esses profissionais?

A Medicina é a área de conhecimento, portanto Ciência, que se ocupa dos doentes, das doenças e suas interrelações. A origem, desenvolvimento e evolução das doenças, bem como os estados possíveis na relação humana com a condição de patologia (patologia, fisiopatologia, diagnóstico, prognóstico e formas possíveis de tratamento) são saberes obrigatórios exigidos exclusivamente na formação e exercício profissional em apenas três áreas de saúde: Medicina humana, Medicina veterinária e Odontologia, cada qual relacionada a sua área específica de atuação.

Apenas a formação nessas três áreas da saúde garante as competências para diagnosticar e tratar doentes e/ou doenças utilizando agulhas ou outros instrumentos. Conhecimentos extensos da anatomia, fisiologia, fisiopatologia, patologia, propedêutica, diagnóstico e terapêutica são quesitos obrigatórios que, se ignorados, podem transformar a arte e a ciência de tratar doentes e doenças em crime. Ou seja, precisamos conhecer possibilidades, limites e riscos em cada prática.

Todavia, não seria completa esta discussão se deixássemos de abordar o necessário aprendizado, pelo especialista em Acupuntura, dos conceitos originais da MTC, cujo arcabouço fundamental data, aproximadamente, do século 6 a.C., contextualizando e contemporizando-os.

A MTC é ciência empírica, nascida e desenvolvida pela observação dos fatos. Observação do meio em que vivemos e suas relações intrínsecas, do ser humano em estado de saúde ou enfermo (diagnóstico dos “padrões de adoecimento” ou “síndromes da MTC”) e das doenças que, por suas características peculiares, recebiam nomes (diagnóstico das doenças– diagnóstico nosológico). A peculiaridade dessa ciência tradicional se encontra na forma de descrever o que foi e continua sendo observado, utilizando linguagem simbólica e analógica, condicionada por conceitos filosóficos oriundos do confucionismo e do taoismo.

Contudo, é importante salientar que a MTC não se desenvolveu fundamentada na observação de fatos e objetos misteriosos ou místicos relacionados a questões sobrenaturais.

Os objetos de observação, o homem no meio ambiente e suas relações intrínsecas, a saúde e a doença são os fatos objetivos que continuamos a observar, estudando e testando em nossas pesquisas, ainda hoje. Portanto, a ciência médica atual não se contrapõe, mas acrescenta e aprofunda o entendimento original, estabelecendo balizas seguras para a eficácia, gerenciamento de riscos e evolução do saber.

Historicamente, os textos antigos consideravam pouco mais de 200 nomes de doenças conhecidas parcialmente. Atualmente, o conhecimento das doenças é extenso e complexo, além de continuar avançando, diariamente, nos centros de pesquisa e universidades. A MTC desenvolveu-se, principalmente, na compreensão peculiar dos modos de adoecer de cada paciente, mas incorpora progressivamente a compreensão das doenças de forma mais profunda.

Na prática atual de atos médicos, que necessariamente envolvem o estudo e a compreensão da doença e do doente, para posterior instituição de um procedimento ou orientação terapêutica – cujos resultados biológicos sejam minimamente previsíveis e compatíveis com o que está se tratando –, não cabem fundamentações baseadas em crença ou no desconhecimento do objeto de estudo, seja no que tange ao ser humano, seja no que se refere aos métodos de tratá-lo. Este rigor é fundamental para que possamos diferenciar e destacar riscos e possibilidades.

*Médico especialista em Clínica Médica e Acupuntura, com certificado de área de atuação em Dor, e mestre em Ciências da Saúde (Unifesp)

Acesse a versão digital da Ser Médico na íntegra.


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