CAPA
EDITORIAL (JC pág. 2)
Escolas médicas: é preciso suspender, temporariamente, a abertura de novas e estruturar as já existentes
ENTREVISTA (JC pág. 3)
Entrevista exclusiva com o ministro da Saúde sobre o PAC da Saúde e outros temas de interesse para a classe médica
ATIVIDADES (JC pág. 4)
Destaque especial para a realização do Seminário Periculosidade e Transtorno de Personalidade, dias 29/03 e 05/04
ATUALIZAÇÃO (JC pág. 5)
Programa de Educação Médica Continuada tem agenda movimentada na capital e no interior
ENSINO MÉDICO (JC pág. 6)
Cursos de Medicina: nova regulamentação deve passar por votação na Câmara dos Deputados
SALÁRIOS (JC pág. 7)
O levantamento do Cremesp sobre a (péssima) remuneração dos médicos no Estado continua...
ESPECIAL (JC pág. 8)
Acompanhe uma síntese das conclusões de pesquisa inédita do Cremesp sobre as especialidades médicas no Estado
ARTIGO (JC pág. 10)
A atenção ao portador de doença grave, aguda ou crônica, na visão de dois experts no tema
GERAL 1 (JC pág. 11)
Pesquisa realizada pela Uniad traz dados estarrecedores sobre embriaguez no trânsito das cidades e nas estradas
INDÚSTRIA (JC pág. 12)
Médicos e Indústria Farmacêutica discutem a relação, que passa por um período de amadurecimento...
GERAL 2 (JC pág. 13)
Conheça as novas resoluções do Conselho Federal de Medicina que beneficiam médicos e a população
ALERTA ÉTICO (JC pág. 14)
Laqueadura: acompanhe e esclareça algumas dúvidas, comuns aos médicos, sobre a realização do procedimento
GERAL 3 (JC pág. 15)
Entre as atividades realizadas pelo Cremesp neste mês, merece destaque a fiscalização do HSPE, em parceria com o Ministério Público Estadual
HISTÓRIA (JC pág. 16)
Hospital São Luiz Gonzaga e Hospital Padre Bento: a evolução histórica e marcante destes leprosários, hoje hospitais gerais
GALERIA DE FOTOS
INDÚSTRIA (JC pág. 12)
Médicos e Indústria Farmacêutica discutem a relação, que passa por um período de amadurecimento...
PRESCRIÇÃO: TRANSPARÊNCIA
“Atacada por todos os lados, a relação entre médicos e a indústria farmacêutica passa por uma fase de amadurecimento”
Jorge Safi Jr.*
As companhias farmacêuticas de pesquisa são indústrias de inovação e, quem se lembra do tratamento de hipertensão com bloqueadores ganglionares ou de doença péptica com cirurgia, sabe o que essa inovação significa. Mesmo os críticos mais agudos reconhecem o papel da indústria farmacêutica de pesquisa no estímulo à produção de conhecimento médico e desenvolvimento de medicamentos e vacinas que contribuem para a melhoria da qualidade e expectativa de vida. Segundo o relatório da PhRMA (Pharmaceutical Research and Manufacturers of America), atualmente existem mais de 200 novas substâncias em desenvolvimento apenas na área da cardiologia, a um custo médio de 800 milhões de dólares por molécula que chega ao mercado, gastos em 10 anos de trabalho, da química até a prateleira da farmácia.
Mas, diferentemente de outras indústrias de inovação, o progresso farmacêutico não pode ser apregoado àqueles que vão utilizar e pagar por ele. Assim, a indústria farmacêutica precisa manter um relacionamento cordial e profissional conosco, os médicos. Somos nós, que no exercício de nossa atividade e segundo nosso conhecimento e experiência, vamos indicar aos nossos pacientes os produtos resultantes desses anos de trabalho e milhões em investimento. Esse relacionamento entre médicos e a indústria tem múltiplas faces. A mais evidente delas é a visita do representante ou propagandista ao consultório, mas outras existem como a pesquisa clínica, o apoio a sociedades e seus congressos, e publicações médicas. Em 2007, o New England Journal of Medicine publicou pesquisa com mais de três mil médicos americanos, dos quais 94% relataram ter recebido recentemente ao menos um contato da indústria farmacêutica.
Atacada por todos os lados, a relação entre médicos e a indústria passa por uma fase de amadurecimento. Práticas condenáveis certamente existem e, se por um lado médicos generalizam a toda a indústria o proceder de algumas, por outro há companhias que encontram aqui e ali solo fértil para suas estratégias pouco éticas. Várias práticas da indústria para divulgar seus produtos são percebidas por alguns médicos como uma tentativa velada ou direta de influenciar a prescrição, por vezes até em detrimento do bem estar do paciente. Curiosamente, o risco de ser influenciado pela indústria farmacêutica parece ser sempre um mal alheio, como mostrou Steinman no American Journal of Medicine, em 2001. Enquanto 61% dos médicos entrevistados afirmaram não sofrer qualquer influência da indústria, 64% desses mesmos profissionais acreditam que seus colegas são influenciados, pelo menos em algum grau. O que poderia dar origem a esse desvio de percepção onde todos se deixam influenciar menos eu? Na minha opinião, o problema não reside na relação entre médicos e indústria farmacêutica em si, mas na transparência, ou eventual falta de transparência que reveste esta relação.
Um exemplo disso é a voz corrente entre os críticos, que diz que os investimentos em mar-keting da indústria farmacêutica consomem 30% do faturamento e, em alguns casos, chegariam a 60%. Donohue revelou em 2007, no New England Journal of Medicine, que algumas das classes terapêuticas mais promovidas nos EUA investem em marketing um percentual muito menor que 30%. Esse é apenas um exemplo no qual a maior transparência nas ações da indústria, ajudaria a se eliminar suspeitas infundadas.
Por nosso lado, o dos médicos, a transparência está em revelar abertamente toda e qualquer relação que mantemos com as companhias farmacêuticas, pois aquilo que é exposto, dificilmente será antiético. E, ao expor essas relações, precisamos fazê-lo de maneira consciente, entendendo o que significa revelar um potencial conflito de interesse. Num recente congresso científico, um colega iniciou sua apresentação com a seguinte sentença: “Tenho relações com muitos laboratórios, mas nenhuma delas influenciará nesta apresentação. Primeiro slide, por favor”. No meu entendimento, esta é a antítese da declaração de conflito de interesse. Na verdadeira declaração de conflito de interesses o autor ou palestrante fornece à sua audiência dados necessários e suficientes de suas relações com a indústria, para que ela, a audiência, decida se aquilo que é dito ou escrito pode estar contaminado por outros interesses.
O mesmo se passa com o recebimento de visitas de profissionais representantes ou propagandistas da indústria farmacêutica. É nossa prerrogativa recebê-los ou não, mas ao optarmos por recebê-los, ouçamos com atenção a primeira frase que ele ou ela nos dirá. Será algo parecido com “Bom dia, doutor. Eu sou o João (ou a Maria) do Laboratório X”. Pronto, eis aí a declaração de conflito de interesse. A partir daí cabe a nós, com nossa experiência e conhecimento médicos, ouvir e ponderar as informações trazidas. Ao final do encontro é também nossa escolha receber a caneta-brinde ou o convite para o congresso, sabendo que essas são sim armas para conquistar nossa atenção e manter as marcas vivas em nossas memórias, mas não têm a pretensão de “comprar” nossa prescrição, porque é contra-senso imaginar um médico com sólida formação prescrevendo medicamentos desnecessários por causa de uma caneta de plástico, um bloquinho de recados auto-adesivos, ou mesmo uma oferta de maior vulto. Eles não valem o bem estar de quem recebe e a consciência de quem faz esse tipo de prescrição.
Quanto às leis, portarias, normas e códigos, eles existem aos montes. São cumpridos à risca tantas vezes quanto contornados, flexibilizados ou simplesmente ignorados. Talvez seja necessário revisá-los, afrouxá-los ou endurecê-los, segundo a escolha da sociedade. Mas a esta altura, é hora de lembrarmos de um ilustre grego: Hipócrates! Desse não precisamos lembrar, pois não temos o direito de esquecer. Lembremos Platão, que disse “Boas pessoas não precisam de leis para obrigá-las a agir responsavelmente, enquanto as más pessoas encontrarão um modo de contornar a lei”.
* Médico graduado e pós-graduado pela Universidade de São Paulo; diretor de área terapêutica da Novartis Biociências S.A.