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Edição 182 - 10/2002

ATUALIZAÇÃO

Envelhecimento populacional


O Desafio do Século

Luiz Roberto Ramos*

O Brasil, desde a década de 70 do último século, vive um processo de envelhecimento populacional rápido e intenso que, nas primeiras décadas deste século, terá completado o ciclo da transição de uma população jovem para uma envelhecida, à semelhança do que hoje se verifica nos países mais desenvolvidos. O desafio do século será cuidar de uma população de mais de 32 milhões de idosos, a maioria com baixo nível socioeconômico e educacional, e experimentando uma alta prevalência de doenças crônicas e incapacitantes.

A principal fonte de suporte para essa população de idosos no Brasil ainda é a família, principalmente aquela que coabita com o idoso em domicílios multigeracionais, e que cumpre o papel social de cuidar de uma parcela da população de idosos que tende a ser mais pobre, com mais problemas de saúde, e mais dependente no dia-a-dia, do que a média dos idosos.

Infelizmente, no entanto, o número crescente de pessoas atingindo idades avançadas e requerendo cuidados, a redução verificada no tamanho da família brasileira, e a progressiva incorporação da mulher – principal cuidadora – à força de trabalho fora do domicílio, fazem prever que a disponibilidade de cuidados familiares e informais ao idoso deverá diminuir bastante nas próximas décadas. O desafio será desonerar a família e ao mesmo tempo otimizar o controle de saúde dos idosos.

Em geral, menos de 10% dos idosos deixa de referir ao menos uma doença crônica, potencialmente incapacitante, e quase 15% refere pelo menos cinco. Exemplos desses idosos com polimorbidade e diferentes graus de incapacidade podem ser imaginados com facilidade – nas mulheres a concomitância de hipertensão e diabetes com o advento de osteoporose é bastante comum, a catarata surge quase inevitavelmente, e uma quinta doença pode vir no plano psíquico, na forma de depressão.

No homem, o exemplo pode ser o mesmo, trocando-se a osteoporose pela hiperplasia de próstata. Por outro lado, esse homem ou essa mulher podem, dependendo do tipo de cuidado que tiverem com todos os seus problemas de saúde, evoluir com plena capacidade funcional, mantendo suas condições de cidadãos independentes e autônomos, ou evoluir com perdas funcionais graves. No primeiro caso, podemos falar de envelhecimento bem sucedido e, no segundo, de envelhecimento mau sucedido, no qual prevalecem a dependência física e perda de autonomia.

Tomando como base estudos epidemiológicos na cidade de São Paulo, cerca de 2/3 dos idosos residentes na comunidade teriam, por exemplo, que receber tratamento higieno-dietético e/ou medicamentoso adequados para hipertensão arterial. No entanto, mais de 1/3 desses idosos hipertensos desconhecem que têm a doença, e menos de 20% a tratam com sucesso, mantendo níveis de pressão arterial controlados. Quase 40% medicam-se de alguma forma mas continuam hipertensos e, portanto, sujeitos a um alto risco de ocorrência de eventos cardiovasculares, potencialmente letais ou incapacitantes, como o infarto do miocárdio e o acidente vascular cerebral.

No plano cognitivo, mais de 1/3 dos idosos residentes na comunidade apresenta sinais de declínio funcional com perdas leves de memória, e podem ou não evoluir para quadros mais graves, sendo que mais de 5% já apresentam quadros demenciais, que além de progressivos e irreversíveis, levam à perda completa da autonomia e da independência. Estima-se que após um ano de diagnóstico de demência, cerca de 80% dos pacientes são institucionalizados.

Em termos de capacidade funcional, pouco mais de 50% dos idosos na comunidade têm completa independência física e mental para realizar suas atividades diárias. O restante já requer algum tipo de ajuda para poder manter sua vida doméstica e pessoal, sendo que mais de 10% referem precisar de ajuda para pelo menos sete atividades da vida diária. São idosos que já não podem viver sós, sem um cuidado em tempo integral, seja de um familiar ou cuidador formal.

Nesse contexto, cabe ao profissional de saúde avaliar, não só todas as morbidades coexistentes, como também o grau de comprometimento funcional que pode estar presente, analisando, em particular, a adeqüação dos tratamentos em curso e potenciais interações e efeitos adversos peculiares dos idosos que possam somar ao quadro mórbido-funcional, problemas iatrogênicos. Ao final, a conduta quase sempre extrapola o que é essencialmente médico, adentrando as áreas de educação em saúde, nutrição, fisioterapia, fonoaudiologia e outras que, juntas, permitem prevenir agravos, manter as funções existentes e recuperar algo das funções perdidas. O médico geriatra, além de ser clínico generalista, tem que ser um bom gerenciador de uma equipe interdisciplinar.

O sistema de saúde, por sua vez, terá que fazer frente a uma crescente demanda por procedimentos que visem o diagnóstico precoce e controle das doenças crônicas não- transmissíveis, principalmente as cardiovasculares e neurodegenerativas, procedimentos estes cada vez mais caros e sofisticados, e necessários por um período cada vez mais longo de tempo. Para uma parcela expressiva desta população, além dos cuidados ambulatoriais, serão necessários cuidados hospitalares e institucionais. Estatísticas do SUS mostram que a proporção de internações de idosos no total de internações (16%) e a proporção dos custos dessas internações de idosos no total de custos de todas as internações (24%), representam, respectivamente, o dobro e o triplo da proporção de idosos na população total (8%).

Poucos são os profissionais de saúde capacitados para dar assistência efetiva às necessidades multifacetadas dos idosos, menos ainda, os capazes de fazê-lo de forma a otimizar a eqüação de custos e benefícios. Para que esse descompasso entre a realidade demográfico-epidemiológica e o sistema de saúde possa ser corrigido a médio prazo, será preciso estabelecer indicadores de saúde capazes de identificar idosos de alto risco e orientar ações concentradas de promoção de saúde e manutenção da capacidade funcional, numa ótica de gerenciamento interdisciplinar de doenças crônicas no idoso.

Ações que tenham um significado prático para os profissionais atuando no nível primário de atenção à saúde e que tenham uma relação de custo-benefício aceitável para os administradores dos recursos destinados a Saúde. Finalmente, para que a atenção ao idoso possa se realizar em bases interprofissionais, é fundamental que se estimule a formação de profissionais especializados, através da abertura de disciplinas nas universidades, de residências clínicas nos serviços de saúde, e de linhas de financiamento à pesquisa que identifiquem a área da Geriatria e Gerontologia.

* Ramos é professor Livre-Docente de Geriatria e diretor do Centro de Estudos do Envelhecimento da EPM/Unifesp

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