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CAPA

EDITORIAL
Uma história exemplar - Isac Jorge Filho


ENTREVISTA
Entrevista com Aldo Rebelo, presidente da Câmara dos Deputados


ATIVIDADES DO CONSELHO 1
Cremesp tem novo organograma funcional


ATIVIDADES DO CONSELHO 2
Segunda etapa da avaliação do Ensino Médico no Estado


PARCERIAS
Selado termo de cooperação com a Secretaria de Saúde


SAÚDE SUPLEMENTAR
Planos faturam cerca de R$ 31 bilhões por ano


PROPAGANDA SEM BEBIDA
Campanha terá um crescimento expressivo em 2006


ATUALIZAÇÃO 1
José Henrique Vila alerta sobre a combinação álcool e coração


ATUALIZAÇÃO 2
Câncer de Mama, por Fausto Farah Baracat


MOBILIZAÇÃO
Franca: a posse do diretor clínico eleito


ÉTICA MÉDICA
Cremesp promove debate sobre pedofilia e sigilo médico


GALERIA DE FOTOS



Edição 220 - 12/2005

ÉTICA MÉDICA

Cremesp promove debate sobre pedofilia e sigilo médico


As Câmaras Técnicas de Saúde Mental e Bioética do Cremesp promoveram, no dia 26 de novembro de 2005, em São Paulo, o Fórum "Pedofilia e Sigilo Médico". O objetivo foi debater dois pareceres sobre o tema, divulgados pela Comissão de Bioética da Faculdade de Medicina da USP (CoBi) e pelo Cremesp.

O primeiro considera dever legal do médico comunicar à autoridade judicial sempre que o paciente revelar a prática de pedofilia. Já o parecer do Cremesp propõe a quebra do sigilo apenas por justa causa, após análise de cada caso individualmente. Participaram do fórum Pilar Gutierrez, da Comissão de Bioética da FMUSP; Ericson G. Marques, da OAB; Mário Hirschheimer, da Sociedade de Pediatria de são Paulo; o juiz de Direito Rodrigo Enout. Também estiveram presentes Dalka Ferrari, do Conselho Regional de Psicologia; Manoel de Castro, da Sociedade de Psicanálise; e Luiz C. Aiex Alves, da Câmara Técnica de Saúde Mental do Cremesp.



O filósofo Franklin Leopoldo e Silva enviou texto que foi lido por Darcy Portolese, também membro da Câmara Técnica. Os trabalhos foram abertos pelo vice-presidente do Cremesp, Desiré Carlos Callegari. As palestras apresentadas serão publicadas pelo Centro de Bioética, em breve.

Nesta edição, o Jornal do Cremesp antecipa a síntese de duas intervenções: a de Rodrigo Enout (cujo artigo foi incluído, na íntegra, abaixo) e a de Luiz Carlos Aiex Alves.

O SIGILO MÉDICO E A PROTEÇÃO DEVIDA À CRIANÇA VITIMIZADA – DEVER LEGAL

Rodrigo Lobato Junqueira Enout*

1- INTRODUÇÃO – Problematização do tema – Objeto do estudo
Ao participar de diversos encontros de magistrados que atuam nas Varas da Infância e da Juventude de São Paulo, e de suas equipes técnicas com os profissionais da saúde, realizados no Instituto da Criança, no Hospital Menino Jesus, na Santa Casa, no Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, foram abordados vários temas a respeito das responsabilidades e atribuições da cada um desses grupos para com a proteção da criança vítima de maus tratos, negligência, abuso sexual, opressão psicológica, etc, ainda que haja meras suspeitas.

Sempre foi enfatizada a necessidade de ser acionada a rede de atendimento destinada à proteção da pessoa menor de 18 anos de idade, em peculiar estágio de desenvolvimento físico e emocional. Coloca-se, agora, a delicada posição em que se encontra o médico que atende a pessoa que pratica abuso sexual contra menor criança ou adolescente. A específica indagação é a seguinte:

É dever legal do médico que, ao atender paciente pedófilo, tem conhecimento da prática ou de fantasia pedofílica, dar ciência aos agentes da rede de proteção da infância e da juventude? Em face do que dispõe o Art. 102 do Código de Ética Médica, tem o médico, psiquiatra ou outro, o dever legal de tomar providências concretas para que a vítima do pedófilo seja atendida em suas necessidades ? Diz o mencionado artigo 102: É vedado ao médico: Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente. Muitas opiniões invocam a denominada "justa causa" para a quebra do sigilo, ou, na moderna terminologia dos juristas, transferência do sigilo a profissional a quem tem a competência legal de prestar proteção à vítima, ou vítimas, porque em geral o agressor age durante certo período de tempo contra mais de um menor indefeso. A justa causa existe, com certeza, nestes casos, a eximir o médico de responsabilidade civil e criminal se dá ciência a quem de direito da prática de pedofilia, afastando o crime previsto no artigo 154 do Código Penal.

Em se tratanto de criança ou adolescente vitimizados, a excludente da infração é ainda mais forte: comentaristas e doutrinadores consideram dever legal do médico aquele capitulado no artigo 245 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que tipifica como infração administrativa "Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente.

No caso de médico, existe a opinião de que é sujeito ativo da infração apenas o médico que assiste a criança ou o adolescente, embora não haja nenhuma especificação a esse respeito na letra da lei. Prevalece, todavia, o entendimento de que havendo justa causa não há crime, porque "não pode ser considerado injusto o que é obrigatório".

Embora surja explícito o dever legal estipulado no artigo 245 do ECA, àqueles profissionais ali designados, a obrigação legal dos demais médicos (e de todos, inclusive outros profissionais da saúde) decorre de todo um sistema legislativo que integra o ordenamento jurídico brasileiro desde principalmente a edição da Constituição de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, a determinar que é dever de todos, família, sociedade e Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, a defesa de seus direitos fundamentais e "colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão" (CF, art. 227 – ECA, arts. 3º, 4º, 5º, 15, 70, etc).

Em suma, a proteção integral da criança e do adolescente é uma obrigação prioritária da nação brasileira, que incumbe a todos nós, especialmente no exercício de nossas atividades profissionais e comunitárias. É o que será demonstrado, nos estreitos limites deste breve estudo.

2- DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA.
No dia 20 de novembro de 1959 a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas aprovou a Declaração dos Direitos da Criança, com 10 mandamentos, segundo os quais a toda criança, sem nenhuma discriminação de qualquer natureza, devem ser assegurados e garantidos os direitos ali previstos, dos quais destacamos, dentre muitos, o direito a especial proteção para seu desenvolvimento físico, mental e social.

Em seu preâmbulo está contida a doutrina que levou à edição da Declaração, em que os povos membros das Nações Unidas reafirmam sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano, lembrando que na Declaração Universal dos Direitos Humanos (Paris, 1948) proclamaram que todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades nela estabelecidos, sem distinção de nenhuma espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição.

Considerando que a "humanidade deve à criança o melhor de seus esforços", a Declaração dos Direitos da Criança deseja, em suma, que toda criança tenha uma infância feliz. Para tanto enuncia dez princípios e seus corolários dos quais destacamos que: A criança gozará de proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade.

Na instituição de leis visando esse objetivo levar-se-ão em conta, sobretudo, os melhores interesses da criança.

Fixa, assim, a Declaração de Direitos da Criança, os princípios que deverão nortear as ações dos agentes sociais e autoridades públicas, e de todos os que se dedicam à defesa das crianças e adolescentes: priorização dos superiores interesses da criança.

3- A CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA DE 1989 (ONU, 20 de novembro de 1989, ratificada pelo Brasil (Decreto 99.710/99).
Exatos trinta anos passados, desde Declaração de Direitos da Criança, os Estados Partes instituíram a denominada Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989, em cujos consideranda explicita-se mais uma vez que:

Reconhecendo que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão; Considerando que a criança deve estar plenamente preparada para uma vida independente na sociedade e deve ser educada de acordo com os ideais proclamados na Carta das Nações Unidas, especialmente com espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade;

Reconhecendo que em todos os países do mundo existem crianças vivendo sob condições excepcionalmente difíceis e que essas crianças necessitam consideração especial;

Artigo 1- Para efeitos da presente convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.

Na convenção, portanto, a vocábulo "criança", diversamente da legislação brasileira (artigo 2º do ECA), aplica-se a toda pessoa menor de dezoito anos de idade, ou seja, a crianças e a adolescentes. A convenção aplica-se a todas as pessoas consideradas não maiores de idade, segundo a legislação de cada país aderente.

Artigo 3
1 – Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar sociais, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.
É proclamada reiteradamente a primazia do interesse fundamental da criança como superior a qualquer outro que possa ser considerado, inserido como prioritário do artigo 227 de nossa Constituição Federal e que muitos de nós, operadores do direito e da doutrina dos direitos humanos denominamos como os superiores interesses da criança e do adolescente, de serem eles devidamente protegidos, mantidos e educados em ambiente que lhes proporcione a garantia aos direitos proclamados na Convenção e nas Declarações de Direitos, todos abarcados em conceitos muito claros e bem definidos do que seja a proteção integral da pessoa em peculiar situação de desenvolvimento: a manutenção ou a inserção em ambiente de felicidade, amor e compreensão.

4- A DOUTRINA DOS DIREITOS HUMANOS – breves considerações.
No estudo e na defesa dos direitos humanos não se pode deslembrar da integralidade, da indivisibilidade dos direitos de primeira, de segunda, de terceira ou de quarta geração, explicitados nas Declarações, Convenções e Tratados dos quais o Brasil é aderente, iniciando-se pela conjugação do valor liberdade com o valor igualdade, com que a Declaração de 48, na lição de Flávia Piovesan, "demarca a concepção contemporânea de direitos humanos, pela qual os direitos humanos passam a ser concebidos como uma unidade interdependente, inter-relacionada e indivisível.

Incorporados ao direito brasileiro por força dos princípios e normas da Constituição de 88, não pode o intérprete fugir do valor da dignidade humana e dos direitos fundamentais como valores "dotados de uma especial força expansiva, projetando-se por todo o universo constitucional e servindo como critério interpretativo de todas as normas do ordenamento jurídico nacional".

Importam, assim, a proteção e as garantias que possam assegurar a implementação dos direitos humanos na civilização, demanda sempre atual e cuja discussão não cessa. Em precioso escrito por homenagem ao cinqüentenário da Declaração Universal, J.A.Lindgren Alves cita o pensamento de Norberto Bobbio:

Como já assinalava Bobbio em 1964: "O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político.

A proteção de direitos fundamentais, com a efetiva garantia de seu exercício, é o objetivo do presente trabalho.

5- O DIREITO BRASILEIRO E A ATUAL LEGISLAÇÃO PROTETIVA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE.
A legislação brasileira protetiva dos Direitos da Criança e do Adolescente, fruto de evoluções legislativas desde o Código Mello Mattos, de 1927, resultou finalmente em regras inseridas na Constituição da República de outubro de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990.

Verifica-se, pois, que a atual lei brasileira é contemporânea à Convenção da ONU, e tem em seu texto todas as conquistas aprovadas na Convenção Internacional. Já em 1988, em Assembléia Constituinte, a sociedade brasileira discutiu com maturidade a necessidade de se dotar o país de uma moderna lei de proteção aos direitos das crianças e dos adolescentes, assim chamadas todas as pessoas menores de 18 anos de idade, inscrevendo no artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil a regra programática que se fez realidade com a promulgação, em julho de 1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente:

CF, Art. 227: É DEVER DA FAMÍLIA, DA SOCIEDADE E DO ESTADO ASSEGURAR À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE, COM ABSOLUTA PRIORIDADE, O DIREITO À VIDA, À SAÚDE, À ALIMENTAÇÃO, À EDUCAÇÃO, AO LAZER, À PROFISSIONALIZAÇÃO, À CULTURA, À DIGNIDADE, AO RESPEITO, À LIBERDADE E À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA, ALÉM DE COLOCÁ-LOS A SALVO DE TODA FORMA DE NEGLIGÊNCIA, DISCRIMINAÇÃO, EXPLORAÇÃO, VIOLÊNCIA, CRUELDADE E OPRESSÃO.

Na seqüência são desenvolvidos nada menos que 7 detalhados dispositivos constitucionais assegurando ao menor de 18 anos de idade e à sua mãe o direito de obter do Estado programas de assistência integral à saúde física e mental, com programas de treinamento do deficiente e seu acesso a bens e serviços coletivos, especial proteção no trabalho, garantia de direitos trabalhistas e previdenciários, acesso à escola, ao devido processo legal em caso de acusação de infração à lei penal, excepcionalidade e brevidade da medida privativa de liberdade imposta ao jovem, enfim, uma completa relação de direitos individuais e garantias de acesso a tais direitos.

São estes alguns dos dispositivos constitucionais que asseguram, na legislação brasileira, a integral proteção aos direitos da criança e do adolescente, ou seja, dos menores de 18 anos de idade, complementados pelos 267 artigos que compõem o Estatuto da Criança e do Adolescente e mais outras leis, tais como Lei de Diretrizes e Bases da Educação e Lei Orgânica da Previdência Social, tudo em consonância com as regras da DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA (1959) e da CONVENÇÃO DA ONU SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (1989).

6- O ESTATUTO (lei 8.069/1990)
Em seu artigo 1º, o Estatuto da Criança e do Adolescente tem sua autodefinição: esta lei dispõe sobre a proteção integral da criança e do adolescente. Cuida-se de lei complementar à constituição, de declaração e de defesa de direitos fundamentais, que, embora aprovada pelo processo legislativo de lei ordinária, tem dispositivos com hierarquia constitucional, no entendimento de Nelson Nery Jr, e Martha de Toledo Machado.

No artigo 2º define criança como a pessoa de até 12 anos de idade incompletos e adolescentes, a pessoa de 12 a 18 anos de idade.

Exemplos de dispositivos comuns entre o ECA e a Convenção:

Artigo 3º - A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, e condições de liberdade e dignidade.

Artigo 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Artigo 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Artigo 6º - Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

Artigo 7º - A criança e o adolescente têm direito à proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Nos artigos 70 a lei protetiva reitera que é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente, acrescentando:

Artigo 71 – As obrigações previstas nesta lei não excluem da prevenção especial outras decorrentes dos princípios por ela adotados.

Artigo 73 – A inobservância das normas de prevenção importará em responsabilidade da pessoa física ou jurídica, nos termos desta lei.

7- CONCLUSÕES:
1- A interpretação sistemática de todo o ordenamento jurídico de proteção à infância e à adolescência, no Brasil, dá conta da existência do dever legal de que temos todos nós, inclusive os profissionais que, no exercício de seu mister, tomam conhecimento de ameaça ou violação ao direito de criança ou adolescente, de tomar providências concretas para a proteção da vítima menor de 18 anos, acionando quem de direito para essa finalidade, com a possibilidade de responsabilização civil em virtude da omissão do profissional que atende o agressor, por parte da vítima, de seus familiares e dos órgãos legais de proteção. A providência poder consistir na comunicação, a quem de direito, da identidade da vítima e da situação de sofrimento em que se encontra.

2- Não há necessidade de estipulação expressa na lei acerca de uma obrigação, de um dever que decorre de todo o sistema legal, para que a comunicação tenha o caráter compulsório. Essa comunicação, contudo, deverá ter caráter sigiloso, pois é da lei que o procedimento que é instaurado para a aplicação de medidas de proteção (ECA, artigo 101) deverá ser sempre sigiloso (ECA, artigo 206, parte final). 3- O ordenamento jurídico brasileiro privilegia a proteção dos interesses superiores da criança e do adolescente, em detrimento de quaisquer outros, como, por exemplo, o sucesso do tratamento do adulto, pedófilo ou não. O Código de Ética Médica submete-se às normas e aos princípios, explícitos e implícitos, da Constituição brasileira e do ECA, que estabelece um sistema de proteção de direitos fundamentais da pessoa em desenvolvimento e integra a própria Constituição.

4- É indevida a busca de texto expresso da lei para ser justificado esse dever que decorre explicitamente de todo um ordenamento jurídico de proteção à infância e à juventude, para desobrigar o profissional, médico ou não, que tenha conhecimento de abuso sexual contra criança ou adolescente, tomar providências concretas para a proteção da vítima menor de 18 anos de idade, presumidamente vulnerável em razão de sua peculiar condição de desenvolvimento físico, mental e emocional. As justificativas para a preservação do sigilo médico, nas excludentes das leis criminais ou civis, são irrelevantes e não produzem efeitos em face do sistema legal protetivo consubstanciado nos Tratados e Convenções internacionais, na Constituição Federal do Brasil e no ECA, ao menos para efeito de responsabilidade civil.

5- No meu modo de ver, é moralmente inaceitável, eticamente reprovável e juridicamente ilícita a omissão do psiquiatra, sabendo da identidade de uma vítima de pedofilia, suspeitando ou confirmando a prática pedófila de seu paciente, ao deixar de tomar providência adequada para a proteção da vítima, comunicando em caráter sigiloso a informação pertinente ao Promotor de Justiça ou ao Juiz da Infância e da Juventude do local de residência da vítima, mediante sigilo obrigatório. Tal omissão poderá resultar em responsabilização civil do médico que permitiu a continuidade dos abusos, sem possibilidade de invocar justa causa ou o exercício regular de um direito (o do sigilo médico).

6- A comunicação poderá ser realizada por vias institucionais, preservada a identidade do médico. As conseqüências de eventual quebra de confiança para com o paciente e as relações do médico com o paciente pedófilo são desprezadas pelo sistema legal de proteção à Infância e à Juventude, que, como já insistentemente referido, prioriza a proteção da pessoa menor de 18 anos em detrimento do adulto.

*Juiz da Vara da Infância e da Juventude e ex-presidente da Associação Brasileira de Magistrados da Infância e da Adolescência (2000 – 04)

ALCANCE DA RESPONSABILIDADE DO MÉDICO - JUSTA CAUSA

Luiz Carlos Aiex Alves*

A questão da quebra do segredo médico por parte do psiquiatra que tem conhecimento da prática de pedofilia por seu paciente implica em duas considerações básicas: a dos limites da responsabilidade do médico e os fundamentos do segredo médico.

Primeira questão: o compromisso do médico está restrito aos cuidados com o paciente, ou a sua responsabilidade se estende aos atos cometidos por ele contra outras pessoas? No caso de paciente pedófilo, os atos cometidos contra uma criança indefesa?

Por mais horror que a pedofilia possa nos suscitar, isto não nos deve impedir de refletir sobre os limites da responsabilidade do médico e sobre os mandamentos éticos para uma eventual extensão dessa responsabilidade. A que tipo de paciente e por quais atos cometidos por ele é o médico responsável? A nenhum, a todos ou a apenas alguns? Quais os critérios para decidir - frente a esta ação do paciente o médico é responsável, por que aquela não?

Segunda questão: como pode o médico tratar do sujeito acometido de pedofilia (F65.4 da CID 10) se estiver sujeito à obrigação legal de comunicar o fato à autoridade judicial? Não estaria então submetido ao imperativo moral de avisar o paciente que o segredo será rompido caso ele revele a prática de pedofilia? Por outra parte, se o paciente é admitido no tratamento justamente por sofrer dessa condição, não estaria implícita a ocorrência da pedofilia? Ademais, haveria diferença entre pedofilia delito e pedofilia distúrbio mental?

Por não ter encontrado respostas claras a essas e outras questões correlatas, o Cremesp procurou uma solução de compromisso. Elaborou o Parecer número 51.676/03 em que afasta o dever legal do médico de quebrar o segredo profissional, mas admite a sua ocorrência por justa causa. O documento reconhece no médico a competência para a decisão de notificar a autoridade judicial, a partir da análise de cada caso de pedofilia e com base em determinados parâmetros.

Norberto Bobio menciona a diferença, nos possíveis comportamentos do cidadão frente à lei, entre obediência e aceitação.

Obedecemos à lei apenas quando nos conformamos, quer por hábito quer por medo de sanção. Aceitamo-la quando estamos convencidos de sua excelência. Não creio que possamos agregar o atributo excelente a um dever legal que deixa em sua esteira tantas interrogações.

* Psiquiatra e diretor da Assessoria de Comunicação do Cremesp

Legenda da foto: Participaram da mesa principal do evento Manoel Salgado de Castro, Darcy Portolese, Desiré Carlos Callegari, Luiz Carlos Aiex Alves, Rodrigo Lobato Junqueira Enout e Mário Roberto Hirschheimer


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