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ENTREVISTA
Professor Thomas Maack, especialista em Educação Médica


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Edição 202 - 06/2004

ENTREVISTA

Professor Thomas Maack, especialista em Educação Médica


“Muitas escolas médicas brasileiras deveriam ser fechadas, pois são totalmente inadequadas”

Especialista em educação médica, o professor Thomas Maack nasceu na Alemanha e imigrou para o Brasil com um ano de idade. Formou-se em 1961 pela Faculdade de Medicina da USP, onde foi auxiliar de ensino no Departamento de Fisiologia. Em 1964, após sete meses de prisão, foi expulso do país pela Ditadura. Anistiado em 1979, retornou ao país, quando obteve doutorado em Nefrologia pela Escola Paulista de Medicina. Atualmente é professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de Cornell (Weill Cornell Medical College), de Nova York, onde reside. Confira a entrevista concedida à conselheira Maria do Patrocínio Tenório Nunes para o  Jornal do Cremesp.

Jornal do Cremesp. Quais as principais diferenças entre a formação médica nos EUA e no Brasil?
Thomas Maack.
Nos EUA, antes de ingressar no curso médico os estudantes fazem quatro anos de universidade, ao contrário do Brasil, onde vêm diretamente do curso médio para a faculdade de Medicina. O critério de aceitação de estudantes nas escolas médicas americanas é complexo e rigoroso. Contam diversos fatores:

1) notas e cartas de recomendações obtidas pelos candidatos e qualidade da universidade em que o aluno se formou;
2) performance num exame nacional de competência de habilidade verbal, analítica e quantitativa (MCATS), que é padronizado para  todas as escolas médicas;
3) atividades extra-curriculares que demonstram motivação para a carreira médica (como trabalho voluntário em hospitais, asilos, ONGs);
4) experiência de vida;
5) entrevista pessoal.

Os candidatos prestam “concurso” em várias escolas médicas e depois escolhem onde querem estudar, se forem aceitos em mais de uma.  A escola médica tem a duração  de quatro anos.

JC. Nos EUA, como é o controle da qualidade das escolas médicas, do número de cursos e vagas, e da residência médica?
Thomas Maack.
Não há lei para controlar o número de escolas e de vagas, mas isso é estabelecido pelo governo federal (Departamento de Educação) que delega a uma entidade, a Liason Committee on Medical Education (LCME) a certificação ou acreditação das escolas. Isso vale para todas as 126 escolas médicas dos Estados Unidos – e, por um acordo com o governo canadense, também para as 16 escolas daquele país. O LCME é administrado conjuntamente por duas entidades, a Associação Americana de Escolas Médicas (AAMC) e a Associação Médica Americana (AMA). A certificação é válida por sete anos, quando precisam ser revalidadas.  Já o controle das residências médicas é feito por outra instância, delegada pelo governo federal, chamada Accreditation Council for Graduate Medical Education (ACGME), formada por três entidades médicas gerais, e duas entidades de especialistas. Os hospitais são certificados para residências em cada especialidade.  A residência é dirigida pelos hospitais, não pelas escolas médicas, o que não é uma boa idéia, nem para os EUA, nem para o Brasil. 
 
JC. Como o senhor encara o fato de que, no Brasil, os médicos não recebem  formação adequada à realidade de saúde do país?
Thomas Maack.
É preciso fazer uma diferença entre problemas originados na situação econômica-social do país, como a má distribuição de médicos, o financiamento inadequado da saúde pública, os baixos salários, a precária estrututura do SUS, etc; e os  problemas de educação médica, como o grande número de escolas médicas de má qualidade, currículo e infra-estrutura inadequados, corpo docente sem qualificação. Qualidade de educação médica e qualidade de assistência médica à população nem sempre estão associadas. O exemplo mais dramático neste sentido vem dos EUA, onde a qualidade do ensino médico é excelente e o atendimento em saúde deixa muito a desejar, chega a ser medíocre se comparado com o Canadá e a Europa. Existem 40 milhões de americanos sem assistência e 100 milhões com seguro médico com restrições de atendimento. Mais da metade da população do país mais rico do mundo não conta com uma assistência médica satisfatória.

JC. Qual a opinião do senhor  sobre o grande número de escolas médicas no Brasil e a luta das entidades médicas contra a abertura de novos cursos?
Thomas Maack.
Os Estados Unidos, com uma população muito maior, tem 126 escolas médicas, a mesma quantidade que o Brasil. Considerando ainda a diferença de poder econômico dos dois países, o número de escolas médicas no Brasil é obviamente excessivo. Sou completamente a favor da campanha dos CRMs no Brasil, de impedir o funcionamento de novas escolas. Vou mais além: muitas das escolas médicas brasileiras, ligadas ao setor privado, deveriam ser fechadas, por serem totalmente inadequadas. Por outro lado, creio que deveriam existir mais escolas médicas públicas de qualidade, na mesma proporção de fechamento dos cursos privados ruins, com fins lucrativos. Conheço escolas no Brasil sem hospital associado, que nem mesmo é acreditado para ensino médico. Há também escolas sem nenhum docente com doutoramento, o que é lamentável. Nos Estados Unidos não existe nenhuma escola médica privada com fins lucrativos. É uma temeridade deixar o mercado regular o número de escolas médicas. Nenhum país desenvolvido do mundo, inclusive os EUA – a meca do “mercado livre” –  permite isso. Só o Brasil.

JC. Que outras medidas poderiam ser tomadas para melhorar a formação dos médicos brasileiros?
Thomas Maack.
Todas as escolas médicas do país e programas de residência deveriam ser certificados por entidades competentes. Creio que o Ministério da Educação poderia delegar o poder de certificação  para entidades médicas, por exemplo. Deveriam ser fechadas, em curto prazo, todas as escolas médicas que não possuem, dentre outras deficiências, um hospital associado, realmente adequado ao ensino médico. O Brasil deveria instituir um exame nacional de competência para todos os estudantes de Medicina, nos moldes do existente nos Estados Unidos. Estudantes que não tivessem desempenho básico e clínico satisfatório não poderiam fazer Residência e não obteriam licença para a prática da Medicina. Isso não é o “provão”, que não tem conseqüência para o estudante e se mostra inócuo, pois não é capaz de levar  ao fechamento das escolas médicas inadequadas.  Obviamente, não haveria lugar para as escolas médicas que preparassem inadequadamente os estudantes para esse novo exame nacional. Também neste caso, o Ministério da Educação deveria delegar a uma entidade de classe a tarefa de organizar e implementar nacionalmente esses exames de competência. 

Foto: Osmar Bustos


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