

CAPA

EDITORIAL (Pág. 2)
Mauro Gomes Aranha de Lima - Presidente do Cremesp

ENTREVISTA (Pág.3)
Ricardo Barros

CAMPANHAS SALARIAIS (Pág. 4)
Principais pautas e negociações

JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE (Pág. 5)
SUS & ações judiciais

SAÚDE PÚBLICA (Pág. 6 a 9)
Dengue, chikungunya, H1N1, Olimpíadas 2016

EU MÉDICO (Pág. 10)
José da Silva Guedes

JOVENS MÉDICOS (Pág. 11)
Violência acadêmica

EDITAIS (Pág. 12)
Convocações

ATO MÉDICO (Pág. 13)
Consulta Pública

ESPECIAL TUBERCULOSE (Pág. 14)
Incidência & tratamento

BIOÉTICA (pág. 15)
Tratamento compulsório

GALERIA DE FOTOS

BIOÉTICA (pág. 15)
Tratamento compulsório
Dilemas éticos e bioéticos ainda permeiam o tratamento compulsório da tuberculose
Tratamentos em que agentes de saúde precisam ver pacientes engolindo medicamentos podem ser interpretados como atitudes paternalistas ou, ao contrário, protetivas da coletividade
O Brasil está entre os 22 países prioritários em relação ao tratamento da tuberculose, com cerca de 75 mil casos novos notificados por ano, sendo que São Paulo é o Estado com maior contingente, respondendo por 1/5 do total, conforme dados do Centro de Vigilância Epidemiológica Prof. Alexandre Vranjac (CVE). A alta incidência explica o porquê de uma das infecções documentadas de mais longa data – é provável que certas formas fossem conhecidas na Grécia antiga – continue a afligir.
Como seria de se esperar de doença vinculada à pobreza e suas consequências (desnutrição, más condições de higiene e ventilação etc.) e às minorias vulneráveis (entre as quais, presidiários, usuários de drogas e moradores de rua), dilemas éticos e bioéticos circulam a questão. Tratamentos supervisionados em que agentes de saúde precisam ver pacientes engolindo medicamentos podem ser interpretados como atitudes paternalistas perpetradas por autoridades sanitárias ou, ao contrário, medidas protetivas da coletividade. Por sua vez, internação compulsória perante abandono ou falta de aderência ao tratamento, pode ser vista como apropriada em Saúde Pública ou, por outro lado, limitadora da autonomia individual.
Cautela, mas ação
A postura que prepondera entre profissionais que atuam neste universo aponta cautela no emprego de medidas radicais, mas eficácia para evitar-se a propagação.
Marcos Boulos, coordenador de Controle de Doenças (CCD), da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP), explica que o tratamento compulsório da tuberculose pulmonar é histórico e visa à proteção da sociedade. Mas pondera: há duas visões distintas sobre o assunto. Uma é epidemiológica, e apregoa “internar todos pacientes bacilíferos que abandonam o tratamento e não aceitam recomeçar, considerando o risco de transmissão, em especial, de bactérias multirresistentes”. A outra é clínica, e defende que os profissionais da Saúde tentem, de todas as maneiras, convencer o paciente a ingerir a medicação. Nem sempre é fácil. “O tratamento é prolongado (no mínimo, seis meses) e, por vezes, tóxico. Isso faz com que grande parte desista assim que os sintomas desaparecem”, diz Boulos, também diretor de Comunicação do Cremesp.
Para a pneumologista Sílvia Mateus, conselheira da Casa, é preciso empenho e sensibilidade para evitar que o paciente seja discriminado pela família e comunidade, mas, ao mesmo tempo, proteger a sociedade de contágio por infecção prevenível. “Para contrair tuberculose pulmonar, basta respirar”, enfatiza.
Uma medida eficaz concentra-se em fornecer as ferramentas possíveis para manter a adesão aos esquemas terapêuticos. À época em que coordenava a área de tuberculose multirresistente na Policlínica 2, em Campinas, referência secundária e terciária no tratamento na doença, a conselheira observou índices de abandono próximos de zero.
Ainda hoje tal número é mínimo, como informa Eunice de Souza, enfermeira da equipe. “O importante é o tratamento supervisionado, aliado ao acolhimento verdadeiro e compreensivo do atendido, por parte de médicos, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos, voltado a obter vínculo”, opina.
Se isso não levar ao êxito, é preciso considerar a hipótese de internação para tratamento compulsório, considera Sílvia. “O limite da autonomia é o prejuízo de outras pessoas. Gestores e médicos têm a responsabilidade de prevenir a transmissão”, enfatiza.
Só vendo
Há cerca de duas décadas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) propõe a estratégia de DOTs (Directly observed therapy) aos países que representam 75% dos casos de tuberculose no mundo, inclusive, o Brasil. A ideia é “acabar com a doença na fonte”, como defendia Hiroshi Nakajima, à época, diretor geral da OMS. Segundo ele, DOT é a maneira mais eficiente para salvar vidas, diminuir a transmissão e evitar gastos futuros com medicamentos para doentes resistentes.
Figuram entre os princípios básicos do tratamento supervisionado observar o doente engolindo os medicamentos (em domicílio ou ambulatório), disponibilizar equipes de trabalho treinadas e oferecer incentivos, como faz a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP), que fornece vale-transporte e de café da manhã aos atendidos e, em algumas situações (pacientes que moram nas ruas), hospitais de longa permanência para a terapêutica.
Autonomia do paciente
No capítulo do livro Introdução à Bioética, do CFM, Daniel Muñoz e Paulo Fortes argumentam que a autonomia não deve ser convertida em direito absoluto: seus limites devem ser dados pelo respeito à dignidade e à liberdade dos outros e da coletividade.
Nos Estados Unidos, leis de controle de doenças transmissíveis autorizam, em circunstâncias limitadas, tratamento obrigatório para proteção coletiva – ainda assim, após passar pelo crivo de tribunais. Porém, há décadas, políticos lutam contra essas medidas, baseados em interpretações do Supremo Tribunal Federal local, de inconstitucionalidade em forçar-se fisicamente o cidadão a ser tratado, exceto em situações envolvendo menores, deficientes mentais e encarcerados.
Algumas jurisdições resolvem a tensão ao considerar que pacientes com tuberculose não devem ser forçados a se submeter ao tratamento, mas podem ser isolados ou detidos, perante recusa.
Na opinião do infectologista Caio Rosenthal, conselheiro do Cremesp, “só em último caso algum tipo de isolamento pode ser pensado” e apenas em relação tuberculose pulmonar, em pacientes bacilíferos – que efetivamente transmitem a infecção. Porém, “em sã consciência, não dá para internar contra a vontade um adulto capaz, informado, submetido a estratégias como a Directly observed therapy (DOT) (veja box), e que não aceita esquemas terapêuticos”, argumenta. “Medidas assim têm um preço alto, e representam perspectivas apenas em curto prazo”.