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Edição 331 - 11/2015

EU, MÉDICO (pág. 12)

Cristiana Virgulino


Tem mulher na Ortopedia

Cristiana Virgulino, que se especializou em Ortopedia Pediátrica,
vê na confiança do paciente a maior proteção do médico


Cristiana: "foi uma Residência muito puxada e nada amigável com as mulheres. Mas era o que eu queria fazer"

 

A médica Cristiana Cruz Virgulino, 41 anos, foi a única mulher do grupo de residentes em Ortopedia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo em 2001. Era uma, entre 19 homens. Na turma formada em 1998 da graduação, na mesma instituição, era a única negra. Mas essas não foram situações novas para ela. “Desde pequenos, eu e meu irmão convivemos em ambientes, escolas e cursos em que nós éramos os únicos negros. Você acaba acostumando”, conta ela.

No cotidiano, porém, a médica passa por algumas situações nas quais o preconceito se escancara. “Começa de coisas muito simples, por exemplo: se eu não estiver com identificação, as pessoas me confundem com uma enfermeira ou uma auxiliar de enfermagem. Mas a reação delas geralmente muda quando descobrem minha posição”.

Trabalhando em diferentes regiões da cidade, do centro à periferia, Cristiana anualmente planeja longas férias para viajar. Costuma, conforme conhece o mundo, repensar temas recorrentes para ela. “Essa questão do racismo eu enxergo de uma maneira muito diferente, talvez porque já tenha visto em outras culturas. É uma questão mundial. E isso está relacionado, infelizmente, à condição econômica, ao medo das pes­soas de perderem o que elas têm”, diz. A médica acredita que, por estar em uma posição de certo poder, acaba menos atingida por atos de preconceito.
 

Ortopedia

Antes de cursar a graduação em Medicina, Cristia­na prestou vestibular para Direito. Ela entrou, mas não na faculdade que considerava a melhor na área, e escolheu estudar mais, dessa vez em um cursinho. Foi lá que acabou decidindo realizar a prova seguinte para Medicina, influenciada pelos colegas. “No segundo ano, falei: ‘gosto mesmo disso. É o que eu quero’, e comecei a me dedicar realmente, foi muito legal. Sobre a Residência, mudei muito de opção durante a faculdade, cada ano eu queria uma área, e no final do quinto ano, acabei escolhendo Ortopedia”, conta ela que, quando criança, usou botinha para correção de “pé chato”. Mas a médica não acha que esse episódio tenha influenciado diretamente na escolha da profissão. “Frequentei muito a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) quando pequena. Meu pai conhecia o fundador de lá, mas não acredito que foi por isso”.

Houve um tempo no qual queria se especializar em Nefropediatria, mas um caso no internato, no qual perdeu um paciente, a levou a um caminho diferente. Pensou que não queria mais perder ninguém, e optou pela Ortopedia – o que não necessariamente foi o caminho mais fácil. “Eu falava que queria ter pacientes que não morressem. Porém, adoro criança, então, quando estava no 1º ano de Ortopedia, já sabia que iria optar por Ortopedia Pediátrica. É uma área bem mais “pesada”, com pacientes mais doentes, e não escapei muito dessas situações”, explica.

Ela conta que a Residência foi um período difícil, em uma época na qual havia ainda menos mulheres na área – e as que entravam, tinham que aprender a se defender. “Foi uma Residência muito puxada, nada amigável com as mulheres. Mas se era para fazer e aquela era a melhor, ia fazer. Lembro que minhas amigas comentavam que eu estava ficando muito truculenta, porque você escuta piadinhas machistas e pejorativas o tempo inteiro”, relata.
 

Médico-paciente

Para se especializar em Ortopedia Pediátrica, Cris­tiana fez R4 na AACD, na qual pode conhecer e aplicar o atendimento de forma multidisciplinar, dirigido à reabilitação, no qual a relação médico-paciente é fundamental.

Entretanto, ela acredita que na Medicina, de forma geral, esse relacionamento está cada vez mais afetado. Principalmente por uma “posição defensiva” dos profissionais que, por me­do dos recorrentes processos jurídicos, têm se cercado com seguros e instrumentação jurídica, muitas vezes se despreocupando em garantir um bom trabalho e uma relação sincera com os pacientes.

Seu vínculo com os atendidos costuma ser tão grande que chega a ser procurada por questões que vão além de sua função como ortopedista. “Um dia, uma mãe de um paciente, já crescido, voltou para me contar que ele havia engravidado uma garota. Ela só queria pedir um conselho”, relata. Outras vezes, eles retornam para mostrar alguma evolução, agradecer. “Acho que essa confiança é o importante, é o que vai nos proteger no futuro. Saber que os pacientes irão atrás de mim onde eu estiver atendendo. Ver uma criança que eu tratei, que volta mais velha, andando, é gostoso, me traz bem-estar”, conclui.


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