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Edição 324 - 04/2015

BIOÉTICA (pág. 15)

Herança genética


Decisão de Angelina Jolie reabre debate sobre cirurgias
por riscos genéticos



Ato tem incentivado usuárias de planos de saúde a exigir
cobertura de alguns testes,
o que foi validado  por nota técnica da ANS, de 2014

 

A decisão recente da atriz norte-americana Angelina Jolie de se submeter a procedimento cirúrgico para retirar as tubas uterinas e ovários, dois anos depois de passar por mastectomia bilateral preventiva, reacendeu polêmicas bioéticas diversas. As questões estão relacionadas ao uso de probabilidades genéticas como determinantes para condutas médicas e ao acesso a testes por pacientes de grupos de risco, entre outras.

Ao conhecer os argumentos de Angelina, em editorial escrito por ela no New York Times (veja nota abaixo), pode-se supor que a atriz tomou decisão compatível com a ciência médica, por conta de histórico fami­liar, associado a mutações genéticas. E da própria (falta de) condição emocional de enfrentar o risco de câncer de ovário, doença que matou a mãe ainda jovem. Além disso, tia e avó também sucumbiram a tumores.

Angelina pôde ser atendida em seu desejo por conta de suas possibilidades sociais e financeiras. Testes decisivos para averiguar a mutação no gene BRCA1 e BRCA2 (supressores de tumor, cuja função se relaciona a aspectos como reparo de danos ao DNA), custam em torno de R$ 6 mil, caro para a maioria das mulheres. “Há uma eugenia no acesso”, lamenta o oncogeneticista José Cláudio Casali da Rocha – entendendo-se aqui “eugenia” como a discrimi­nação de pessoas por categorias.

“Mesmo as que se propõem a arcar com os custos de testes genéticos esbarram em impossibilidades, já que, no Sistema Único de Saúde (SUS), sequer há código para definir mastectomia profilática”, explica Casali. O médico criou o primeiro núcleo de aconselhamento genético a pacientes oncológicos do SUS, no Hospital A.C.Camargo, em 1998, e dirige o serviço de Oncogenética do Hospital Erasto Gaetner, em Curitiba, casos raros na esfera pública.

 

Veredito? 

Um dos méritos de Angelina foi atiçar usuárias de planos de saúde a exigir cobertura de alguns testes, o que foi validado em 2014 por nota técnica da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) (veja box), mas distante de, na prática, se tornar realidade. “Angelina Jolie levanta novamente a questão dos testes genéticos para o câncer hereditário. Deveriam estar disponíveis para todos”, opinou em seu twitter Mayana Zatz, professora do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo.

Já Leila Jamal, conselheira genética pela Johns Hopkins University, argumentou, em boletim da universidade: “a avaliação cuidadosa de histórico familiar deve preceder o teste genético, para minimizar o risco de resultados adversos de testes inadequados, que incluem recomendações médicas imprecisas e gastos desnecessários à saúde”.

Além disso, traços genéticos não significam um veredito para um câncer. “Estão presentes desde o nascimento, mas é possível adotar medidas preventivas para manter ‘o interruptor desligado’”, diz Casali da Rocha. Essas ações englobam desde exames clínicos e laboratoriais de rotina, quando indicados, até mudanças no estilo de vida e de hábitos nocivos, como fumar e beber em excesso.

 

Conflitos

Não se pode esquecer, ainda, que cirurgias radicais não são inócuas e que, além de dissabores físicos, uma mutilação pode gerar danos psicológicos, capazes de levar médicos e pacientes a conflitos.

“A portadora de mutação tem um risco altíssimo de desenvolver câncer de mama (85%) e de ovário (60%). Pacientes com essa característica e que pertencem à uma família com forma hereditária de câncer de mama têm todo o direito de fazer cirurgias preventivas”, diz Carmen Sílvia Bertuzzo, professora da Unicamp, que atua no ambulatório de Oncogenética do Hospital das Clínicas daquela Universidade. “O que não pode é o médico decidir pela cirurgia: quem escolhe é a paciente, depois de orientada. Assim, sua autonomia é preservada”, explica.
 


Os motivos de Angelina

  • “Exames de mutação no gene BRCA1 me deram uma estimativa de risco de 87% de ter câncer de mama e 50% de ter câncer de ovário (...)”;
  • “Não tomei a decisão porque carrego mutação genética. Falei com muitos médicos cirurgiões e naturopatas (...) que concluíram: remover minhas trompas e ovários seria a melhor opção”;
  • “A coisa mais importante é conhecer as opções e escolher o que é certo para você”;
  • “Conhecimento é poder”.
     

Nota da ANS

A ANS divulgou Nota Técnica nº 876, de dezembro de 2013, indicando cobertura de 22 testes genéticos (veja no site www.ans.gov.br), que incluem os destinados a detectar cânceres de mama e ovário hereditários, por meio de mutação nos genes BRCA1 e BRCA2. Em tese, deveriam estar disponíveis nos convênios a mulheres com diagnóstico atual ou prévio de câncer de mama, quando preenchido critérios como apresentarem dois parentes de 1° e 2° graus do mesmo lado da família (pai ou mãe) com diagnóstico de câncer de mama abaixo de 50 anos; ou três parentes, abaixo de 60 anos.

Em relação ao câncer de ovário, o exame seria obrigatório, por exemplo, mediante diag­nós­tico de câncer de mama em qualquer idade; ou quem tem parente de qualquer grau, com diagnóstico de câncer de ovário, em qualquer idade.

 


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