CAPA
EDITORIAL (pág. 2)
João Ladislau Rosa - Presidente do Cremesp
ENTREVISTA (pág.3)
Jair Mari
TRIBUTOS (pág. 4)
Cobrança indevida do ISS
AUDIÊNCIA PÚBLICA (pág. 5)
Cremesp ouve médicos da Zona Leste
EVENTOS (pág.6)
Canabidiol
ENSINO MÉDICO (pág. 7)
Exame do Cremesp 2014
SAÚDE SUPLEMENTAR (pág. 8)
Trabalho médico
PESQUISA (pág. 9)
Dados mostram que paulistas reprovam a saúde pública
ANATOMIA PATOLÓGICA (pág. 10)
Resolução do CFM nº 2.074/2014
GESTÃO DA SAÚDE (pág. 11)
A crise nos hospitais filantrópicos
AGENDA DA PRESIDÊNCIA (pág. 12)
Demografia Médica Brasileira
JOVENS MÉDICOS (pág. 13)
Diretrizes para plantonistas
MÉDICOS RESIDENTES (pág. 15)
Relação médico-paciente
BIOÉTICA (pág. 16)
Comissões de Étcia Médica
GALERIA DE FOTOS
ENTREVISTA (pág.3)
Jair Mari
Psiquiatria do SUS carece de consenso e preparo profissional
A questão da saúde mental é polêmica no Brasil. Os profissionais estão divididos entre posições favoráveis e contrárias aos tratamentos dos transtornos psíquicos – como a depressão e o TDAH, com uso crescente de antidepressivos e ritalina – e quanto ao tipo de atendimento que deve ser adotado. Para discutir essas e outras importantes questões do momento atual da Psiquiatria, o Jornal do Cremesp ouviu Jair Mari, Ph.D. pelo Instituto de Psiquiatria do Kings College, Londres e professor titular do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo. Nesta entrevista, ele aponta caminhos para o aperfeiçoamento da prática psiquiátrica no País, que contrasta com o avanço acadêmico que a especialidade vem conquistando no âmbito internacional.
Com o aumento dos diagnósticos de depressão e da prescrição de antidepressivos, esses medicamentos tiveram um boom de vendas no Brasil. Há realmente um consumo exagerado?
Existe uma concepção equivocada de que está havendo uma explosão no consumo de psicofármacos. Publicamos um artigo recente sobre dois levantamentos que fizemos em São Paulo e no Rio de Janeiro, sobre este problema. Por exemplo, na cidade de São Paulo, o consumo de benzodiazepínicos, para um período de um ano, era 8% em 1990 e caiu para 3% em 2007, enquanto que o de antidepressivos (ATDs) era menor que 1% em 1990 e chegou a 4,2% em 2007. Nos dois períodos, houve uma prevalência aproximada de 10% no uso total de psicotrópicos, mostrando que o aumento do consumo acompanhou o crescimento populacional. Não houve uma explosão. O que aconteceu foi uma mudança no perfil da prescrição, para melhor no nosso entender, porque os ATDs oferecem risco menor de suicídio e de dependência. Cabe ressaltar que a denominação “antidepressivo” não é adequada, uma vez que esses medicamentos são usados de rotina no tratamento da ansiedade.
No caso da ritalina, houve até desabastecimento neste ano. Nesse caso, a que se deve o aumento no consumo?
O aumento de prescrição não parece primariamente relacionado com um possível mau uso da medicação. Há um crescente reconhecimento dos casos de Transtornos de Déficit de Atenção/Hiperatividade pelos profissionais da área de saúde mental no Brasil. Estudo recente que realizamos junto ao Instituto Nacional de Pesquisa do Desenvolvimento (INPD) aponta uma frequência de 4,5% de TDAH na população escolar. Entretanto, a situação em termos de saúde pública continua sendo de subdiagnóstico e subtratamento.
A prescrição de antidepressivos por médicos generalistas é recomendada em casos de comorbidade?
A depressão é uma das condições mais importantes de incapacitação em nossa população. De fato, mais de 50% das pessoas que apresentam quadros depressivos moderados e graves no País não fazem uso da medicação, fenômeno que denominamos de hiato de tratamento. Ao contrário do que se julga, não há excesso de tratamento, mas uma carência expressiva dele, ocasionada por vários motivos: preconceito, estigma, baixa cobertura e custo econômico. Para evitar possíveis excessos, devemos aprofundar o treinamento nos cursos de graduação para capacitar o médico não especialista na identificação e tratamento de estados depressivos. Um médico bem treinado pode dar conta de mais de 90% dos casos de depressão na clínica geral, encaminhando-se para o especialista os casos mais graves e com risco de suicídio.
A estrutura do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) é suficiente para atender à demanda de atendimento psiquiátrico? Há falta de leitos nos hospitais gerais?
O número de psiquiatras é insuficiente. Temos um profissional por 100 mil habitantes na Região Norte e 4,55 para a mesma quantidade de pessoas na Região Sudeste, quando o esperado é nove psiquiatras por 100 mil habitantes. Na verdade falta tudo, temos poucos leitos para internação de casos agudos, um baixo número de profissionais habilitados (principalmente para infância e adolescência), poucos ambulatórios especializados, as enfermarias psiquiátricas em hospital geral encontram dificuldade de implantação e são poucas as emergências de hospitais gerais que têm psiquiatras de plantão. Mas o que falta mesmo são profissionais que saibam gerir um sistema de atenção à saúde mental que funcione, e que possibilite atendimento eficiente e humanizado. Enquanto não houver consenso entre os profissionais sobre as reais necessidades da área e não tivermos gestores mais bem preparados, a saúde mental vai continuar sendo uma das especialidades de pior avaliação do SUS, contrastando com o avanço acadêmico que a Psiquiatria brasileira tem conquistado no âmbito internacional.
Avanços das pesquisas no campo da saúde mental podem auxiliar no diagnóstico precoce e na prevenção dos transtornos mentais?
As pesquisas atuais revelam que os transtornos mentais se relacionam com distúrbios dos circuitos e sistemas cerebrais, que sofrem forte influência da genética e da epigenética. O desafio, no entanto, é demonstrar como as interações entre genes, ambiente, experiência e trajetória de desenvolvimento pessoal contribuem para a formação e a função dos circuitos neurais. Por exemplo, no caso da esquizofrenia, estamos falando de uma síndrome com causas diferentes, e com raízes etiológicas compartilhadas com o transtorno afetivo bipolar. A distinção categorial entre as duas síndromes é cada vez mais imprecisa. Estamos mais próximos de um modelo dimensional, com uma ampla variação fenomenológica. Este novo olhar pode trazer subsídios para um diagnóstico mais precoce dos transtornos mentais, que na sua maioria, se iniciam na adolescência, quando o cérebro está em uma fase importante de reorganização funcional.
No Canadá, a saúde mental é disciplina dos currículos escolares. Como a questão poderia ganhar mais peso na área da educação em nosso País?
A escola tem um papel na educação formal e no preparo do indivíduo como cidadão. O estigma aos transtornos mentais está enraizado na sociedade, e nada melhor do que o conhecimento para se lidar com esse obstáculo. A sexualidade é um tema que tem sido adotado no sistema educacional, o que pode auxiliar na prevenção das doenças infecciosas sexualmente transmitidas e na gravidez precoce. Estender essa pauta para transtornos mentais e alimentares, risco de dependência a drogas, bullying e violência, podem enriquecer sobremaneira a formação escolar.