CAPA
EDITORIAL (pág.2)
João Ladislau Rosa - Presidente do Cremesp
ENTREVISTA (pág.3)
Arnaldo Colombo
PISCINA + SEGURA (pág.4)
Campanha faz alerta sobre riscos de afogamentos
SAÚDE PÚBLICA (pág.5)
Câncer uterino
EXAME DO CREMESP (págs.6 e 7)
Nove escolas médicas de SP alcançam a média
SAÚDE SUPLEMENTAR (págs.8 e 9)
Mobilização da classe médica
MOVIMENTO MÉDICO (pág.10)
Intercambistas cubanos e discriminação salarial
AGENDA DA PRESIDÊNCIA (pág.11)
Cremesp debate PL para remissão do ISS
COLUNA DOS CONSELHEIROS DO CFM (pág.12)
Artigos dos representantes de SP no Federal
JOVENS MÉDICOS (pág.13)
Prontuário Médico
SERVIÇO AOS MÉDICOS (pág.14)
Educação continuada
BIOÉTICA (pág.15)
Aborto legal
DOAÇÃO DE ÓRGÃOS (pág 16)
Informações importantes que podem salvar vidas
GALERIA DE FOTOS
BIOÉTICA (pág.15)
Aborto legal
Dificuldades e controvérsias marcam a prática do aborto legal
Apenas dois hospitais da Capital confirmam que fazem o aborto legal, além da Casa Domingos Delácio (Unifesp), que oferece atendimento integral às vítimas de estupro
Aborto legal ainda enfrenta barreira à realização
As vítimas de violência sexual no Brasil contam, desde agosto do ano passado, com lei que determina atendimento “emergencial, integral e multidisciplinar, visando ao controle e ao tratamento dos agravos físicos e psíquicos” em decorrência do ato. Porém, ainda que prevista desde o Código Penal de 1940, a interrupção legal da gravidez – que, além de estupro, abarca casos de risco à saúde e à vida da mãe e, recentemente, de fetos anencefálicos – continua causando comoção social e ética, dividindo as opiniões de médicos.
Até a 20ª semana de gestação, seguindo o critério de viabilidade fetal, não se pune profissional que realizar a interrupção mediante estupro, atendendo pedido de grávida bem esclarecida. É óbvio que a decisão deve se embasar no Código de Ética, nas possibilidades estruturais do serviço em que atua – na prática, um grande dificultador (veja box) –, e nas convicções do médico.
“Ninguém é favorável ou gosta de fazer um aborto. No entanto é um direito humano da mulher não levar à frente uma gravidez de seu agressor e isso me conforta”, explica Cristião Fernando Rosas, presidente da Comissão de Violência Sexual e Interrupção da Gestação Prevista em Lei da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).
Aspecto formal
As unidades referenciadas à prática devem preencher documentos, como Parecer Técnico, além de termos de Relato Circunstanciado e, principalmente, obter o Consentimento Livre e Esclarecido da mulher, entre outros.
Porém, se a decisão for pelo aborto devido a estupro, a vítima não precisa apresentar ao serviço Boletim de Ocorrência (BO), laudo do Instituto Médico Legal (IML) ou ordem judicial: basta a palavra da mulher. O próprio Código Penal defende a figura da presunção de veracidade. “Se mentissem, uma superpopulação estaria atrás do aborto legal, o que não é o caso”, garante Cristião. Ainda que não haja sinais clínicos (pelo tempo decorrido depois da violência), cabe ao médico, com o apoio de demais membros da equipe multidisciplinar, levantar o relato dos fatos, a serem anotados em prontuário.
Objeção de consciência
Médicos e demais profissionais de saúde não são obrigados a promover atos que firam suas convicções e crenças particulares. “A vida da criança não pertence à mãe. Conta com mecanismo endócrino totalmente separado do corpo materno”, defende Ieda Verreschi, endocrinologista, professora da Unifesp e membro da Câmara Técnica de Bioética do Cremesp.
Também pela individualidade de sua programação endócrina, argumenta que o médico deveria fornecer à grávida a opção de manter a gestação, e de doar o bebê, se essa for a sua vontade. “Interromper a gravidez é algo drástico demais. Pode ser a única oportunidade de alguém vivenciar a maternidade”, reflete Ieda.
Barreiras ao atendimento
Mesmo previsto legal e eticamente, o caminho ao aborto legal é cheio de barreiras práticas àquelas que apelam a tal recurso.
A primeira dificuldade é que sete dos oito números de telefone presentes no site da prefeitura de São Paulo como “locais para atendimento ao Aborto Previsto em Lei” estão desatualizados. Caso tenha habilidade e acesso, a paciente encontrará os números corretos, mas descobrirá que apenas duas instituições – o Hospital Municipal Mário Degni, no Rio Pequeno, e o Hospital Pérola Byington, na Bela Vista – realizam tal procedimento.
Outras instituições têm o serviço “temporariamente paralisado” por “dificuldades estruturais” – como a falta de anestesiologistas ou obstetras. É a situação dos hospitais municipais Mário de Moraes Altenfelder Silva, em Vila Nova Cachoeirinha, e Arthur Ribeiro de Saboya, no Jabaquara, o primeiro a oferecer um serviço de aborto previsto em lei, na década de 1980.
Há outros sites com indicações de serviços de atendimento à mulher vítima de violência sexual, como o da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Mas surge aí a segunda dificuldade: não são especificados quais fazem aborto legal ou se o enfoque é restrito ao primeiro atendimento, acolhimento psicológico, coleta de exames, profilaxia às DST/AIDS e/ou contracepção de emergência.
Exceções se limitam a serviços, como a Casa Domingos Delácio, da Unifesp, que oferece atendimento integral às vitimas de estupro, incluindo aborto legal após entrevista com o médico, psicólogo e assistente social.
A terceira dificuldade é a comunicação. Em geral, telefonistas, funcionários do departamento de Ginecologia e Obstetrícia e até mesmo do Serviço Social desconhecem a existência de setor específico, capacitado a promover interrupção de gravidez baseada em lei: quem se dispõe a ajudar sugere o Centro de Referência da Saúde da Mulher, do Pérola Byington.
Anencefalia
Diferentemente das outras situações previstas em lei, anencefalia não é “aborto”, e sim, “antecipação terapêutica do parto”, o termo correto a fetos anencefálicos. Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), trata-se de condição na qual não há “vida em potencial” e, portanto, não demanda proteção jurídica.
Sob o aspecto ético, o médico pode apoiar-se em resolução do CFM, que, entre outros pontos, permite o procedimento a pedido da mãe, depois de comprovada a anencefalia por ultrassom. Cabe ao profissional esclarecê-la e garantir-lhe o direito de decidir livremente.