CAPA
EDITORIAL (p. 2)
Renato Azevedo Júnior - Presidente do Cremesp
ENTREVISTA (p. 3)
Florisval Meinão
FÓRUM SPDM (p. 4)
Perspectivas para a próxima década
CADASTRO MÉDICO (p. 5)
Vínculos empregatícios no CNES
QUEIMADOS (p. 6)
Protocolo de Tratamento de Emergência das Queimaduras
MOVIMENTO MÉDICO (p. 7)
Tentativas de negociação por melhores honorários prosseguem
FINANCIAMENTO DA SAÚDE (p. 8)
Ato público pela liberação de verbas para a Saúde
SUS (p. 9)
Suspensa transferência de leitos públicos para a saúde suplementar
PRONTOS-SOCORROS (p.10)
Plenária temática
TERMINALIDADE DA VIDA (p. 11)
Fórum coordenado pela Casa discutiu ortotanásia
COLUNA DO CFM (p. 12)
*Representantes de SP no Conselho Federal de Medicina
ANUIDADE 2012 (p. 13)
CFM define valores para o próximo ano
LEGISLAÇÃO (p. 14)
Resolução nº 1974/2011
CIRROSE HEPÁTICA (p. 15)
Transplante de fígado
BIOÉTICA (p. 16)
Os dependentes em situação de rua
GALERIA DE FOTOS
BIOÉTICA (p. 16)
Os dependentes em situação de rua
Questões éticas e práticas envolvem internação compulsória de menores usuários de crack
Jovem dependente de drogas, como o crack, pode ser tirado das ruas e levado a tratamento contra a sua vontade?
Novo protocolo de abordagem às pessoas em situação de rua, adotado em maio pela Prefeitura do Rio de Janeiro, possibilita que crianças e adolescentes recolhidos das áreas de concentração de usuários da droga – conhecidas como “Cracolândia” – sejam encaminhados a abrigos municipais e a tratamento médico compulsoriamente. As intervenções locais contaram, inclusive, com o apoio das polícias Civil e Militar. A alegação da Secretaria Municipal de Assistência Social daquele Estado é que há menores infratores em meio ao público-alvo.
Em meio à polêmica, há várias questões: de âmbito legal – que garante às crianças e adolescentes direitos fundamentais como “o desenvolvimento em condições de liberdade e dignidade” e assegura “atendimento integral” –; de estrutura física e recursos humanos para o acolhimento diagnóstico e tratamento desse contingente; e bioéticas, referentes à autonomia e não maleficência dos pacientes.
Como outras prefeituras parecem inspiradas pela ideia (a de São Paulo, apesar de não ter projeto definido sobre o tema, recebeu parecer favorável da Procuradoria Geral do Município), respostas urgentes tornam-se necessárias. “A sociedade está habituada a abordar dilemas éticos de maneira simplista e obsessiva, ‘sou a favor ou contra’, o que não é possível em questões carregadas de conflitos morais”, afirma José Eduardo de Siqueira, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) e professor da Universidade de Londrina (UEL).
Involuntária X compulsória
As internações involuntária e compulsória têm em comum o fato de que o paciente não deseja ser internado – ou não reconhece que precisa de internação –, apesar de suas capacidades de análise e deliberação demonstrarem-se comprometidas ou ausentes.
Conforme a lei federal n° 10.216/01 (que não faz menção a pacientes menores de idade), na internação involuntária, há a anuência da família do doente ou do responsável legal; e a compulsória, ocorre por determinação judicial. De acordo com Mauro Aranha, vice-presidente do Cremesp e presidente do Conselho Estadual sobre Drogas (Coned), “ambas podem ser pertinentes, se bem indicadas. São impertinentes quando o juiz decide de forma unilateral, sem instruções técnicas e o aval do médico”.
No caso de internação devido ao uso de drogas, é essencial que o profissional identifique a presença de transtornos psicóticos – caracterizados por sinais e sintomas como delírios, alucinações e graves transtornos do humor –, capazes de se exacerbar até com drogas tidas como mais “leves”, como a maconha. “O que importa é a vulnerabilidade individual”, explica Mauro Aranha.
“Estimativas apontam que a internação é necessário apenas em 5% dos casos em que há psicose associada”, defende Dartiu da Silveira, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Esses dados, somados a outros – que apontam níveis de recaída de 95% em usuários de drogas internados à revelia –, o leva a posicionar-se de forma “totalmente contrária” a obrigar usuários de crack ao tratamento.
Baseado em sua experiência de 24 anos atendendo dependentes químicos, a atitude, “além de contraproducente”, já que tende a afastar do tratamento quem realmente precisa, invade a privacidade do atendido e afronta seu direito de autodeterminação. “As drogas são consequência da miséria social, não o oposto. É preciso considerar também que não existem recursos humanos ou estruturais suficientes e preparados para lidar com esses jovens”, alerta.
Autonomia
Pela lei, o cidadão só é totalmente capaz ao completar 18 anos. A Bioética considera o indivíduo autônomo como aquele capaz de tomar suas decisões motivadas pela competência, racionalidade e, ainda, livre de coação. Para o professor Siqueira, “quando a autonomia não é plena, até pode ser cogitada uma internação involuntária, contanto que a família ou o responsável legal conduza o processo com afetividade”.
O professor Ronaldo Laranjeira, da Unifesp e fundador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad) concorda com ele: “Acreditar que um adolescente da Cracolândia conta com a plenitude de sua capacidade cognitiva e intelectual é não entender de dependência química. A droga consegue, sim, turvar a capacidade de decisão”.
Segundo Laranjeira, trata-se de um problema a ser enfrentado não com “cárcere privado, como seria a internação compulsória sem avaliação médica”, mas com estratégias que identifiquem, de maneira precoce, o uso de crack e outras drogas e protejam os jovens.
Novas diretrizes do CFM
Os conceitos relacionados à droga e seu uso, assim como aspectos gerais e específicos do tratamento estão definidos no protocolo Diretrizes Gerais Médicas para Assistência Integral ao Usuário de Crack, formulado pela Comissão de Assuntos Sociais do Conselho Federal de Medicina (CFM). “É um guia para capacitar médicos, especialmente os do Sistema Único de Saúde, para o atendimento a esses pacientes”, conta Ricardo Paiva, membro da Comissão.
As diretrizes indicam, por exemplo, o encaminhamento aos usuários de crack e outras drogas no âmbito do SUS, com referência, entre outros recursos, à estrutura de urgências e emergências de consultórios de rua e de albergues terapêuticos.