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CAPA

EDITORIAL (JC pág. 2)
Cremesp apoia decisão do MEC que impede a abertura de novos cursos no Estado


ENTREVISTA (JC pág. 3)
Luiz Roberto Ramos: a depressão é a principal doença mental deste século


ATIVIDADES 1 (JC pág. 4)
Atualização profissional gratuita nas cidades do interior paulista


ATIVIDADES 2 (JC pág. 5)
Cremesp visita hospitais para esclarecer dúvidas sobre o novo Código


ATIVIDADES 3 (JC pág. 6)
Cerimônia homenageou aqueles que fizeram a diferença na prática médica


GERAL 1 (JC pág. 7)
Portaria proíbe, oficialmente, a abertura de escolas médicas no Estado


MEDICINA LEGAL (JC págs. 8 e 9)
Encontro abordou temas complexos inerentes a acidentes de grandes proporções


ÉTICA & JUSTIÇA (JC pág. 10)
Acompanhe como agir diante de um processo ético-profissional


GERAL 2 (JC pág. 11)
Diretora do Cremesp analisa a atuação das cooperativas médicas no país


VIDA DE MÉDICO (JC pág. 12)
A dedicação, incondicional, deste ortopedista à prática médica, é exemplo de profissionalismo


COLUNA DO CFM (JC pág. 13)
Callegari e Françoso inauguram coluna como novos representantes de São Paulo


ALERTA ÉTICO (JC pág. 14)
Análises do Cremesp ajudam a prevenir falhas éticas causadas pela desinformação


GERAL 3 (JC pág. 15)
Ações sociais do Cremesp levam informações de saúde até a periferia da cidade


ESPECIALIDADE (JC pág, 16)
Na série de matérias especiais, a hora e a vez da...


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Edição 265 - 11/2009

MEDICINA LEGAL (JC págs. 8 e 9)

Encontro abordou temas complexos inerentes a acidentes de grandes proporções


Identificação humana em catástrofes: aspectos éticos e técnicos

O dia 17 de julho de 2007 ficará marcado na mente dos paulistanos e brasileiros como um marco triste: a data da maior catástrofe da aviação do país. Um Airbus da TAM chocou-se contra um prédio da própria companhia, causando a morte de 199 pessoas (187 a bordo e outras 12 em solo), criando, além da comoção de parentes, amigos e sociedade, desafios ímpares aos especialistas que atuam na identificação de cadáveres.

Ao contrário do que muitos imaginam, porém, a gravidade deste tipo de catástrofe consegue comover os responsáveis pelo delicado trabalho de descobrir quem são os mortos, entre médicos legistas, papiloscopistas, odontologistas forenses e outros profissionais. Prova disso: durante o II Encontro de Medicina Legal – Identificação Humana em Catástrofes, realizado no dia 17 de novembro, o médico Mário Jorge Tsuchiya, delegado metropolitano do Cremesp e diretor do Núcleo de Antropologia Forense do Instituto Médico-Legal do Estado de São Paulo (IML), pediu um minuto de silêncio pelas vítimas da TAM.

“Aprendi muito à custa dessas 199 pessoas”, lamentou Tsuchiya. Deixou claro que o empenho técnico de anos como especialista em Medicina Legal e a urgência da situação não evitam que venham à tona sentimentos baseados em solidariedade humana, expressados praticamente por todos os palestrantes do evento.

O evento foi realizado pela Câmara Técnica de Medicina Legal do Cremesp, coordenada pelo conselheiro Reinaldo Ayer (na foto em pé, ao microfone), com apoio do IML, Associação dos Médicos Legistas do Estado de São Paulo e da Superintendência da Polícia Técnico-Científica do Estado.

Entre as autoridades brasileiras a proferir palestras no evento estiveram Daniel Muñoz, professor de Medicina Legal da USP, falando sobre a abordagem multidisciplinar em catástrofes – protocolo; Francisco Anastásio de Moraes, legista e conselheiro do Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe); e Reginaldo Inojosa Carneiro, vice-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que contaram detalhes sobre a experiência no acidente aéreo da Air France.

Participaram ainda convidados estrangeiros, como o britânico Derek Forest, especialista forense que comandou a identificação de vítimas do tsunami na Tailândia, e o médico e dentista espanhol, José Luis Prieto Carrero, que trabalhou na identificação de vítimas de ataques terroristas a estações de trens em Madri.

O que é uma catástrofe?
“Evento destrutivo, de grande magnitude e com grande número de mortos. Normalmente há bastante diferença entre os recursos disponíveis e os necessários”, explicou Daniel Muñoz, na palestra que iniciou os trabalhos, abertos pelo conselheiro do Cremesp, Ruy Tanigawa, representando o presidente da Casa, Henrique Carlos Gonçalves.

Segundo Muñoz, correspondem a situações nas quais atuam a polícia militar, polícia civil, bombeiros, defesa civil, médicos, paramédicos e peritos (como os que trabalham no IML e no Instituto de Criminalística/IC). Todos unidos pelo objetivos de determinar a causa do acidente, pelo tipo de lesão e localização das vítimas, além verificar as causas da morte de cada pessoa – num acidente aéreo, por exemplo, podem dever-se tanto a traumas pelo impacto quanto à carbonização.

Fazem parte do protocolo do atendimento, em casos de catástrofes: procedimentos no local do acidente, como catalogação dos cadáveres; documentação fotográfica e encaminhamento de dados e pertences; procedimentos com familiares, englobando entrevistas relativas a peculiaridades dos desaparecidos (tatuagem, cicatrizes, piercings etc); buscas de documentos para confronto; e procedimentos no necrotério, que incluem exame individual do cadáver (fotos, impressões digitais e descrição dos pertences); exames interno; exame odonto-legal e exames especiais, como o de DNA, quando necessário e possível.

Para que serve a identificação de cadáveres?
Na opinião de José Luis Prieto Carrero, chefe da seção de Antropologia do Instituto de Anatomia Forense de Madri (veja box), “a identificação dos cadáveres tem motivações morais e humanitárias. É a garantia aos familiares de que o corpo que está sendo entregue é realmente o do ente querido”.

Existem vários desafios a serem superados durante o trabalho de identificação de cadáveres em tragédias de grandes proporções (veja abaixo). Conforme Mário Jorge Tsuchiya, no acidente da TAM de 2007, após o resgate dos corpos, foi necessário refri¬gerá-los a -10° C, para preservar as digitais. Depois, contou-se com a ajuda de IMLs de vários Estados, que forneceram material das vítimas. “O primeiro passo foi criar um banco de dados a ser alimentado por documentos enviados por correio”, explicou.
Como resultado de toda esta ação coordenada em relação à infraestrutura, logística e técnica, 195 restos mortais foram encaminhados e identificados. Os outros quatro ainda não, “porque ainda estamos recebendo fragmentos”, ressaltou Tsuchiya.

Equipe de apoio
Além dos peritos médicos, a equipe de apoio na atenção aos acidentes adquire papel fundamental durante as grandes catástrofes, como salientado em mesa-redonda voltada ao tema. “O que se procura não são coincidências, e, sim, divergências (...) O trabalho odontológico e protético é inestimável, tendo em vista que sua lavra é feita de forma artesanal pelo profissional”, ressaltou o odontologista legal Eduardo de Menezes Gomes.

Na tarefa de identificação, existem ainda outros recursos, como a radiologia e a papiloscopia, isto é, estudo das impressões digitais dos dedos das mãos (identificação dactiloscópica) ou dos pés (podoscopia). Por outro lado, os testes de DNA contribuem em cerca de 25% dos casos na identificação de cadáveres, como salientou Norma Sueli Bonaccorso, perita do Instituto de Criminalística de São Paulo.

Manejo no atentado à Estação de Atocha

Uma série de ataques terroristas aconteceu em Madri, Espanha, em 11 de março de 2004. Bem no horário de “pico”, por volta de 8 horas, uma ação coordenada ocasionou 10 explosões simultâneas em quatro estações da rede ferroviária madrilenha, causando a morte de 191 pessoas e 1.7 mil feridos. Os ataques mais graves ocorreram na estação Atocha em um comboio que se dirigia ao local. Entre os especialistas que participaram da operação de identificação dos mortos esteve o médico e dentista espanhol, José Luis Prieto Carrero, chefe da seção de Antropologia do Instituto de Anatomia Forense de Madri e consultor da Cruz Vermelha, que relatou algumas passagens da tragédia, no encontro organizado pelo Cremesp.

No decorrer da missão de possibilitar o reconhecimento das vítimas, o grupo de Carrero teve algumas metas, como a de assegurar o manejo correto e digno dos restos mortais e minimizar o sofrimento das famílias. Para tanto, procurou seguir alguns princípios, como respeito à dignidade e correta gestão dos cadáveres; atentar-se ao direito dos familiares de conhecer a sorte e o paradeiro de seus entes queridos, bem como, ao preceito estabelecido pela Interpol, que garante a toda pessoa o direito de ser identificada após a sua morte.


Lições da Operação Tsunami

O especialista forense britânico, Derek Forest, ocupou papel fundamental no resgate das vítimas do tsunami na Tailândia. Comandante do Centro de Identificação de Vítimas de Desastre (DVI, sigla em inglês), lidou com cerca de cinco mil colaboradores de 31 nações, familiares dos mortos (5.395 vítimas e 2.817 dadas como desaparecidas, segundo estimativas oficiais), embaixadas, imprensa e comunidade local, além de enfrentar adversidades climáticas e estruturais de grandes proporções.

Derek veio ao país especialmente para dividir com os especialistas em Medicina Legal brasileiros algumas de suas experiências na Tailândia, onde chegou poucos dias após o fatídico 26 de dezembro de 2004, e permaneceu por 16 meses. “A cena (do acidente) era singular, pois alcançava 240 milhas de comprimento por 2,4 quilômetros de largura. Não imaginávamos o tamanho da tragédia. De início, agrupamos centenas de corpos que, em pouco tempo, tornaram-se milhares...”, ressaltou. Tudo isso considerando que a temperatura local chegava a 40°C, o que levava os corpos à rápida decomposição.

Como seria de se esperar, a estrutura local não estava preparada para a identificação de tantos corpos – até um templo budista foi utilizado como necrotério improvisado, antes da  construção de um enorme galpão com refrigeração, destinado a este fim. Apesar das dificuldades técnicas, no entanto, as principais preocupações de Forest, expert em crimes de guerra, eram as de natureza ética. “Queria que as pessoas mortas e suas famílias, provenientes de diferentes países, fossem tratadas igualmente e de forma justa, cada qual de acordo com sua fé e costumes”, relatou.

Para tanto, o britânico e seus colaboradores precisaram lidar com outros entraves, como o clima de desespero instalado nos países dos estrangeiros mortos – vale lembrar que o litoral da Tailândia era o destino de férias de milhares de europeus. “No início dos trabalhos de remoção dos corpos, o Reino Unido havia registrado o desaparecimento de 22 mil cidadãos. Destes, por fim, constataram-se apenas 147 mortes. O pânico causou tal discrepância”.

Entre as “lições aprendidas” na Tailândia, quase cinco anos depois, Forest destaca algumas, como: ter um plano de recuperação; tentar obter um controle rápido da situação, fazendo uma avaliação inicial do tamanho do problema e da necessária estrutura; pensar grande: procurar disponibilizar escavadeiras; encontrar, em algum lugar, estrutura emocional para lidar com pressões de diversos níveis, como as exercidas pelos parentes, embaixadas e, especialmente, pela imprensa.

“No início, a imprensa local e estrangeira causou um enorme rebuliço. Felizmente, cinco dias depois da catástrofe, ficou decidido que todos trabalhariam em unidade, e que as informações seriam passadas a um único comitê executivo, em reuniões que aconteciam todas as manhãs.

Alguns dificultadores em grandes acidentes

- Protocolos elaborados depois da catástrofe e, portanto, sujeitos à improvisação;
- Necessidade de respostas rápidas à sociedade e às famílias. “Se não informássemos logo os parentes, eles simplesmente comprariam passagens e iriam para a Tailândia, piorando a estrutura da ação”, diz Derek Forest, especialista forense;
- Questões de segurança nacional. De acordo com o comandante Forest, tragédias como a que ocorreu na Tailândia atraem um grande número de Vips: desembarcaram no país, entre outros, George Bush (pai), Bill Clinton e membros da coroa britânica;
- Medos infundados como, por exemplo, o de que a presença de cadáveres causaria epidemias – o que, no caso do tsunami, resultou em vários enterros coletivos, antes da identificação dos corpos;
- Mitos, até certo ponto, estimulados pela imprensa, como o que afirma que todo cadáver pode ser identificado. “A identificação humana não é algo simples. Ou você tem dados confiáveis para confronto, ou não vai identificar”, admite Daniel Muñoz;
- Tentativas de reconhecimento visual. “Uma em dez acabam em erros”, estima Derek Forest;
- Diferenças culturais. A bordo do Air France, que caiu no oceano na região de Fernando de Noronha, em 31 de maio deste ano, estava um libanês. “Como no Líbano não há cultura de se proceder a exames de DNA, precisamos pedir autorização do governo daquele país para realizá-lo com a mãe da vítima”, explica Francisco Atanásio, do Cremepe;
- Impossibilidade de identificação via impressões digitais, no caso de carbonizados com destruição de extremidades, ou cujas mãos se encontram fechadas por ação do fogo;
- Mortes de crianças pequenas, frequentemente sem registros digitais ou odontológicos;
- Investigações final de vários anos – como, por exemplo, as que envolvem mortos por crimes políticos;
- Assédio da imprensa;
- Grande comoção social.


Mesa de abertura do II Encontro de Medicina Legal


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