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Crônica


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Dossiê: Psiquiatria/ História


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Dossiê: Psiquiatria/ Estatísticas


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Edição 86 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2019

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Dossiê: Psiquiatria/ Estatísticas

Saúde Mental dos Médicos

Por Arthur Hirschfeld Danila e Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo*

Já é antiga a noção de que médicos apresentam maior tendência ao suicídio do que a população geral, porém este tema passou a ser mais adequadamente estudado somente nos últimos anos. Atualmente, o impacto dos problemas em saúde mental de estudantes de Medicina, médicos residentes, e profissionais, ao longo de outros momentos da carreira, não pode mais passar despercebido.

O aumento exponencial da população médica, resultado da abertura desenfreada de faculdades de Medicina, vem acarretando maior dificuldade de os profissionais se colocarem no mercado de trabalho, contribuindo para a precarização das relações trabalhistas, seja nos setores público ou privado. Esse cenário é acompanhado de um distanciamento na relação médico-paciente, embora haja um aumento da expectativa, pela população, de sucesso com relação à atuação do médico. Essas mudanças pelas quais passa a medicina brasileira são acompanhadas de prejuízos na qualidade de vida dos médicos.

Estatísticas

Problemas de saúde mental apontados, internacional e transculturalmente, vêm afetando médicos dos mais variados países e culturas, em todos os momentos de suas carreiras, incluindo a graduação e a Residência. Estudos vêm buscando individualizar características específicas de cada população.

Uma metanálise brasileira, recentemente publicada, apresentou um panorama sobre a saúde mental de estudantes de Medicina. Dentre as várias condições psiquiátricas, 30,6% dessa população apresentou sintomas compatíveis com depressão e 32,9% com transtornos de ansiedade. O estudo também apontou que 49,9% dos estudantes apresentavam taxas de estresse patológico, 51,5% tinham qualidade de sono ruim, 46,1% sofriam de sonolência diurna excessiva e 13,1% manifestavam sintomas da síndrome de burnout. Ao abordar a dependência de álcool, 32,9% dos estudantes relataram prejuízos pessoais relacionados ao consumo excessivo desta substância. Já em relação aos transtornos alimentares, 17% das estudantes do sexo feminino e 2,6% do sexo masculino estiveram acometidos, quadros esses com grandes repercussões clínicas individuais.

A realidade internacional com a população de estudantes de Medicina não é muito diferente da brasileira: uma metanálise recente com dados extraídos de 122.356 estudantes em 43 países revelou prevalência de depressão de 27,2%, com aumento absoluto médio dos sintomas depressivos de 13,5% ao longo da formação médica. Isso não é suficiente para estabelecer que a graduação seja a única responsável pelo surgimento de depressão, mas certamente é um dos fatores contribuintes para o adoecimento. Importante destacar que as estimativas de prevalência não diferiram significativamente entre os diferentes anos da graduação. Pelo contrário, apontam ainda para um dado alarmante: a prevalência acumulada de ideação suicida foi 11,1% ao longo do curso, o que significa dizer que, em algum momento da faculdade, 1 em cada 9 estudantes de Medicina terá algum pensamento de tirar a própria vida.

Já com a população de médicos residentes no Brasil, um estudo brasileiro encontrou altas taxas de exaustão emocional (32,1% dos casos), despersonalização (entendida como a mudança nas características intrínsecas da personalidade do indivíduo, presente em 11% dos casos) e reduzida sensação de realização pessoal (33,9% dos casos). 


Médicos também estão sujeitos ao adoecimento psíquico

No cenário internacional, a prevalência de depressão, em uma metanálise, foi de 28,8% nessa população, com 15,8% de aumento mediano absoluto de níveis de depressão após o início da Residência. Ainda, 76% dos residentes apresentaram sintomas de burnout, principalmente alta exaustão emocional e despersonalização; 43% dos residentes apresentaram privação de sono, além de piora da função cognitiva após plantões.

Embora seja mais comum entre estudantes de Medicina e residentes, a depressão afeta 12% dos médicos e até 19,5% das médicas, prevalências similares à da população geral. Porém, estima-se que cerca de 400 médicos cometam o suicídio por ano nos Estados Unidos, o que equivale a dizer que, naquele país, um médico se suicida por dia. Tais taxas de suicídio são mais de duas vezes as da população geral — 28-40/100 mil médicos vs 12.3/ 100 mil indivíduos no geral). Um dado importante envolve as mulheres: enquanto as não-médicas tentem mais o suicídio, embora o completem menos do que homens não-médicos, as médicas tentam menos, mas apresentam taxas de suicídio comparadas à dos médicos. Ou seja, as taxas de suicídio consumado entre médicas são 227% maiores do que entre não-médicas, enquanto são 41% maiores entre os médicos, comparados a não-médicos. Esses dados são importantes ao apontar que a população feminina na Medicina, que é cada vez maior, apresenta particularidades quanto à sua saúde mental.

Embora cada vez mais disponíveis, essas estatísticas podem ser subestimadas, em especial as de suicídio, uma vez que atestados de óbito podem ser preenchidos por colegas e familiares do meio médico com outras causas, muitas vezes por conta de estigma.

Burnout

A síndrome de burnout também vem tendo muito espaço nas discussões sobre saúde mental dos médicos. Trata-se de um transtorno descrito na década de 1970, a partir da suposição de que existe na sociedade moderna uma tendência a um aumento da pressão e do estresse ocupacional, sobretudo nos serviços assistenciais.

O contato constante com pessoas doentes produziria nos profissionais médicos um conflito entre sua identidade profissional, a satisfação ocupacional e a responsabilidade frente aos pacientes. A composição da síndrome de burnout inclui três dimensões clinicamente observáveis: cansaço ou esgotamento emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal. 

Alguns pesquisadores questionam a validade do conceito de burnout, pela dificuldade em distingui-lo de outros transtornos mentais relacionados ao trabalho. Tem sido apontado majoritariamente como um construto social que se desenvolve a partir das relações laborais e organizacionais.

Estigma e barreiras

Atualmente, os médicos têm grande preocupação em incentivar a prevenção a fatores de risco à saúde, como tabagismo e a adoção de hábitos de vida saudáveis por parte de seus pacientes. Contudo, o médico, em geral, é relutante em procurar cuidado profissional para si, o que pode ser ainda mais evidente na saúde mental. Por exemplo, um estudo com cirurgiões norte-americanos reportou que 1 a cada 16 entrevistados apresentou ideação suicida em algum momento, mas, desses, apenas 26% procuraram ajuda médica. No caso de estudantes, entre aqueles cujo rastreio foi positivo para sintomas depressivos, apenas 15,7% buscaram ajuda, taxa inferior à encontrada na população geral de mesma idade.

A baixa procura por assistência médica pode decorrer de uma necessidade de parecer saudável perante a sociedade e colegas, uma vez que existe o conceito de que o médico é quem trata os outros e não quem fica doente. O profissional deve, ainda, ser psiquicamente inabalável, pois qualquer sinal de “fraquejo” poderia sugerir a incapacidade para o adequado tratamento de seus pacientes. Muitas vezes, mesmo percebendo sintomas em colegas, os médicos podem ser relutantes em realizar uma abordagem, por escrúpulos de serem considerados invasivos ou inadequados. Isso faz com que sinais sejam ignorados e é frequente ouvir frases como “nunca achei que ele pudesse estar sofrendo”, quando ocorre um caso de suicídio.

Um dos principais problemas para a busca por assistência em saúde mental é o estigma. Preocupações como falta de confidencialidade, medo ser afastado da prática e o conceito de que terá uma “marca definitiva” de que é incapaz de cuidar de seus pacientes são disseminados. Diante disso, quando comparados com a população geral, os médicos desenvolvem padrões adaptativos inadequados, como trabalhar mesmo em condições de saúde impróprias. Uma alternativa para evitar as possíveis consequências negativas do estigma é recorrer ao autotratamento ou buscar auxílio informal junto a colegas. Tais tratamentos informais, baseados no coleguismo, embora bem-intencionados, podem ser superficiais ou inadequados, e podem prejudicar a efetividade da terapia. O tratamento imediato e a hospitalização de médicos suicidas têm um impacto maior em evitar o desfecho de óbito, se comparado à população geral. No entanto, os fatores mencionados acima impedem que esse tratamento mais incisivo para uma situação de tamanho risco seja adotado.

O cenário negativo atual que caracteriza a saúde mental do médico só poderá ser mudado quando medidas preventivas e assistenciais forem implementadas. Sua efetividade, no entanto, só será real se os conceitos falsos — como o de que o médico deve ser psiquicamente inabalável — e o estigma associado aos transtornos psiquiátricos ficarem no passado. Mudar essa realidade é uma missão de cada um de nós, de forma que consigamos entender que médicos também estão sujeitos ao adoecimento psíquico e, como com qualquer outra doença, devem buscar tratamento.

 

*Arthur Hirschfeld Danila é médico psiquiatra formado pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e responsável pelo Serviço de Acolhimento Integrado do Núcleo de Apoio ao Estudante da FMUSP.

Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo é médico psiquiatra formado pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), conselheiro e coordenador da Assessoria de Comunicação do Cremesp.

Referências

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2.Rotenstein LS, Ramos MA, Torre M, Segal JB, Peluso MJ, Guille C, et al. Prevalence of Depression, Depressive Symptoms, and Suicidal Ideation Among Medical Students: A Systematic Review and Meta-Analysis. JAMA. 2016 Dec 6;316(21):2214-2236. doi: 10.1001/jama.2016.17324.
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