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Entrevista


PÁGINAS 10 E 11
Crônica


PÁGINAS 12, 13, 14, 15, 16 E 17
Dossiê: Psiquiatria/ História


PÁGINAS 18, 19, 20 E 21
Dossiê: Psiquiatria/ Estatísticas


PÁGINAS 22, 23, 24 E 25
Dossiê: Psiquiatria/ Transtornos do Humor


PÁGINAS 26, 27 E 28
Dossiê: Psiquiatria/ Suicídio


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Dossiê: Psiquiatria/ Vanguarda


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Tecnologia - Telemedicina


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Resenha


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Fotopoesia


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Edição 86 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2019

PÁGINAS 12, 13, 14, 15, 16 E 17

Dossiê: Psiquiatria/ História

Transtornos Psiquiátricos

Dos rituais tribais aos fármacos e neurocirurgias 


O psiquiatra francês Philippe Pinel (1745-1826) libertando pacientes de suas correntes no Asilo Salpêtrière, em Paris, em 1975. Tony Robert-Fleury, óleo sobre tela.

A história da Psiquiatria é marcada por preconceitos e ignorância, que contribuíram, ao longo dos séculos, para aumentar o sofrimento dos pacientes. Afinal, foram necessários milhares de anos para a humanidade se dar conta de que os "possuídos por espíritos
ou demônios, dementes, castigados pelos deuses, lelés da cuca ou loucos" eram, na realidade, portadores de transtornos psiquiátricos, ou seja, uma condição médica. E assim, durante todo esse tempo, eles foram submetidos aos mais diversos e desumanos tratamentos ou simplesmente abandonados nas ruas.

Na pré-história, a cura para distúrbios mentais era tentada em rituais tribais. Hipócrates, na Grécia Antiga, foi o primeiro a elaborar uma explicação racional, ao atribuir ao cérebro a atividade mental humana. Na Idade Média, porém, a versão religiosa voltou a preponderar, considerando a “sanidade mental” como uma batalha entre forças divinas
e demoníacas. Rituais de exorcismo, rezas e trepanações eram ferramentas usadas contra “demônios”. Muitos indivíduos, no entanto, eram simplesmente condenados à fogueira.

Somente nos séculos 17 e 18, com a ascensão das ideias iluministas, o racionalismo se fortaleceu e passou a se contrapor aos dogmas religiosos. As ciências naturais ganharam novo ímpeto. Estudos anatômicos sobre o cérebro começaram a clarear a escuridão sobre o funcionamento desse órgão tão misterioso. A filosofia também mudou e os trabalhos de John Locke embasaram abordagens nosológicas racionais dos transtornos psiquiátricos. Em 1769, William Cullen, influenciado por Locke, cunhou o termo neurose, por muito tempo usado na Psiquiatria. Embora essa mudança filosófica importante tenha ocorrido, ela não foi acompanhada por avanços no tratamento.

Em 1750, foi criada a primeira instituição destinada a pacientes psiquiátricos, o Hospital Bethlen, em Londres. A partir de então, começaram a proliferar os asilos, que, embora tivessem objetivos humanitários, foram desvirtuados e passaram a ser, majoritariamente, depósitos superlotados de doentes mentais, desumanos e sem efetividade. No Brasil, a política de internação dos pacientes também ganhou força. Em 1895, por exemplo, iniciou-se a construção de uma colônia agrícola, posteriormente denominada de Hospital e Colônia Juqueri, em São Paulo. Tal como os similares
brasileiros e de outros países, a instituição passou, paulatinamente, a abrigar um número excessivo de pacientes e chegou a ser comparada a um campo de concentração. Funciona até hoje, dentro de uma proposta mais humanista.

Primeiras descrições clínicas


Coube ao médico francês Philippe Pinel (1745-1826), algumas das primeiras descrições de demência e esquizofrenia. Ele defendia que as pessoas com distúrbios mentais deveriam ser tratadas como doentes e não de forma violenta.

Mas a ponte entre filosofia e aplicação clínica só passou a ser transposta na metade do século 19, momento em que a Psiquiatria passou a se consolidar como especialidade médica. Hospitais psiquiátricos passaram a se proliferar nos Estados Unidos e na Europa e, embora ainda com importantes deficiências, ao menos passaram a ter intuito curativo e não apenas punitivo.

A necessidade de diagnósticos mais precisos abriu campo para os trabalhos do pioneiro da Psiquiatria Emil Kraepelin, na Alemanha, que propôs a diferenciação entre quadros psicóticos esquizofrênicos (então, demência precoce) e maníaco-depressivos (hoje denominados distúrbios afetivos). No início do século 20, mais avanços na descrição dos transtornos psiquiátricos foram obtidos com o trabalho do médico e filósofo Karl Jaspers, que publicou, em 1913, após cuidadosa observação de centenas de pacientes, seu livro Psicopatologia Geral.

Nesse movimento de consolidação da Psiquiatria como especialidade médica, cujo epicentro foi a Alemanha, o psiquiatra alemão Kurt Schneider publicou, em 1946, o livro Psicopatologia Clínica, fornecendo elementos mais detalhados, especialmente sobre os quadros esquizofrênicos, utilizados até hoje. Em 1949, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu transtornos psiquiátricos na sexta edição de sua Classificação Internacional de Doenças (CID) e, em 1952, a Associação Americana de Psiquiatria publicou a primeira versão do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM). Atualmente, em sua quinta edição, o DSM apresentou um avanço importante na classificação diagnóstica em Psiquiatria, permitindo melhor desenho de estudos clínicos, padronização de condutas e abrindo as portas da Medicina Baseada em Evidências em Psiquiatria.

A demora de séculos para que a Psiquiatria tivesse uma metodologia diagnóstica mais consolidada e padronizada atrasou o desenvolvimento dos tratamentos.

Psicofarmacologia

Porém, finalmente, em 1947, a síntese de um novo princípio ativo abriu uma nova fase da Psiquiatria. Criado originalmente para ser um anti-histamínico, a clorpromazina demonstrou, em suas primeiras aplicações clínicas, ter propriedades que o cirurgião francês Henri Laborit descreveu como “sedação sem narcose”, denominando o composto como "um novo estabilizador neurovegetativo". Os primeiros experimentos para avaliar o efeito comportamental da clorpromazina foram conduzidos em ratos pela pesquisadora Simone Courvoisier e, em 1952,  os psiquiatras Jean Delay e Pierre Deniker publicaram o primeiro ensaio clínico em pacientes psicóticos hospitalizados, observando efeitos impressionantes, se comparados ao que os tratamentos psiquiátricos apresentavam até então. Com a clorpromazina, diversos pacientes antes excluídos da sociedade e condenados a internações de longo prazo puderam retornar ao convívio social. O medicamento foi responsável pela primeira grande revolução “antimanicomial”.

O lítio também revolucionou os tratamentos psiquiátricos. Embora já fosse utilizado para outros fins medicinais, foi proposto como tratamento para a fase maníaca do transtorno bipolar (TB) pelo psiquiatra australiano John Cade, em 1949. Em 1954, intrigado pelo trabalho de Cade, o psiquiatra dinamarquês Mogens Schou demonstrou, em estudo randomizado e controlado, a eficácia do lítio no tratamento da mania. Os efeitos tóxicos, no entanto, representaram uma barreira ao seu uso, pois a faixa terapêutica do medicamento é estreita. Somente na década de 1970 seu uso se consolidou nos EUA e, embora ainda seja um dos medicamentos mais importantes no tratamento do TB, e seguro se bem utilizado, tem sido subutilizado.


No início do século 20, convulsões com correntes elétricas passaram a ser utilizadas no tratamento de transtornos mentais

Eletroconvulsoterapia

Já no início do século 20, foi observado que a indução de convulsões apresentava efeito terapêutico nos transtornos psiquiátricos. Inicialmente induzidas com cânfora e insulina, passaram a ser provocadas com correntes elétricas pelos psiquiatras italianos Ugo Cerletti e Lucio Bini, a partir de 1938, que propuseram a chamada eletroconvulsoterapia (ECT). Com efeitos terapêuticos especialmente nos quadros depressivos, e mais segura do que a insulina, a ECT passou a ser cada vez mais utilizada em instituições psiquiátricas nas décadas seguintes. O uso de anestésicos e bloqueadores musculares permitiram que o procedimento se tornasse mais humanizado, evitando as fortes contrações musculares que ocorrem nas crises convulsivas. Porém, seu uso indiscriminado, muitas vezes com intuito punitivo e sem anestesia, fez com que a ECT passasse a ter uma imagem extremamente negativa.  Com o advento dos antidepressivos, na década de 1970, seu uso entrou em declínio.

Na década de 80, a ECT reemergiu, especialmente com a demonstração de seu benefício em pacientes que não respondem ao tratamento farmacológico. Cerca de 50% dos doentes com depressão resistente apresentam melhora com ECT, que também é um importante tratamento para a catatonia, gestantes e puérperas — a quem muitos fármacos são contraindicados — e pacientes com esquizofrenia refratária à clozapina. Para muitos desses pacientes, a ECT representa a única esperança de melhora e desospitalização.

Atualmente a ECT tem, além de um corpo de evidências favorável e uma maior seletividade em sua indicação, uma regulação rigorosa no Brasil, conforme a Resolução 2057/2013 do Conselho Federal de Medicina (CFM). Deve ser realizada com indicações precisas, em ambiente hospitalar, sob anestesia e por profissionais qualificados. Porém, embora mais segura e humanizada do que antes, com técnicas e equipamentos que reduziram os efeitos colaterais, é pouco disponível, especialmente no SUS, em grande parte por conta de estigmas e barreiras de cunho ideológico.

Neurocirurgias

A história da neurocirurgia para o tratamento de transtornos mentais não é recente, havendo relatos desde o final do século 19. Porém, apenas a partir de 1935, com os estudos de Egas Moniz, o procedimento começou a ser difundido. Nas primeiras décadas que se seguiram, a neurocirurgia psiquiátrica permaneceu envolta em enorme controvérsia, particularmente em decorrência de seu emprego indiscriminado. As lesões cirúrgicas, via de regra, eram extensas e evoluíam com complicações neuropsiquiátricas relativamente graves. Por conta destes fatores, o procedimento começou a declinar em meados da década de 60, e, também, devido aos primeiros psicofármacos, que se mostraram alternativas terapêuticas importantes.

Contudo, já na década de 90, era possível identificar que, apesar dos avanços da psicofarmacologia, uma parcela de pacientes não se beneficiava de sucessivos tratamentos. Direcionada a esse subgrupo restrito de pacientes — delimitados por critérios claros de elegibilidade — e associada a novas tecnologias (por exemplo, a estereotaxia e modernas técnicas de neuroimagem), a neurocirurgia em psiquiatria paulatinamente retomou seu espaço.

Hoje, tornou-se opção de abordagem para transtornos mentais refratários a tratamento convencional (medicamentoso e psicoterápico), particularmente o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e o transtorno depressivo maior. Nesta nova etapa, os alvos são localizados de forma mais precisa e os volumes das lesões cirúrgicas são consideravelmente menores, podendo ser induzidos mediante radiocirurgia “Gamma Knife” (GK), sem a necessidade de lesões mecânicas e incisões cirúrgicas. Isto certamente reduziu de forma considerável a incidência de efeitos adversos graves.

Estimulação Encefálica

A partir de 1999, também começaram a ser publicados estudos relativos à Estimulação Encefálica Profunda (EEP) em psiquiatria, que tem como princípio modular o funcionamento de circuitos cerebrais envolvidos na fisiopatologia de uma doença neurológica ou psiquiátrica, mediante estimulação elétrica realizada por eletrodos implantados cirurgicamente no tecido cerebral, em determinados alvos. A técnica, já consolidada na neurologia para a Doença de Parkinson, vem sendo estudada principalmente no TOC, na Síndrome de Tourette e no Transtorno Depressivo Maior.

A Antipsiquiatria

O movimento dito “antimanicomial” teve início na Itália, na década de 1960, sob forte influência do filósofo francês, Michel Foucault. Amparou-se em elementos culturais da época, que buscavam contestar autoridades políticas, mas acabou tendo como alvo também a academia e a Medicina.

No Brasil, o movimento foi impulsionado pela existência de diversos "manicômios", que tinham algumas características que remontavam aos asilos do século 19, com péssima estrutura e condições desumanas oferecidas aos pacientes. O movimento da Reforma culminou com a aprovação da Lei 10.216/2001, garantindo o direito à liberdade dos pacientes e o tratamento ambulatorial, que passou a ser feito pelos CAPS, por meio do SUS.

No entanto, a negação da ciência como forma de aprimorar o tratamento psiquiátrico, demonstrada pela história como a principal arma de uma verdadeira “luta antimanicomial”, também colaborou para o atual abandono e o estigma de muitos brasileiros com transtornos psiquiátricos.


Referências
Turner T. Chlorpromazine: unlocking psychosis. Bmj. 2007;334(suppl 1):s7
Bauer, M. 70 years of research and 50 years of lithium clinics: from serendipity to gold standard in mood disorders. Pharmacopsychiatry. 2018;51(05):165.

 



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