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Edição 72 - Julho/Agosto/Setembro de 2015

EM FOCO (págs. 12 a 15)

Lygia da Veiga Pereira

Terapias com células-tronco: realidade e perspectivas

Confira as novidades do congresso recente da Sociedade Internacional de Pesquisa com Células-Tronco, realizado na Suécia

Lygia da Veiga Pereira*


Participei, na última semana de julho, em Estocolmo, Suécia, do congresso da Sociedade Internacional de Pesquisa com Células-Tronco (ISSCR), o principal evento científico dessa área, que reuniu 3.500 cientistas, de 66 países, imbuídos da missão de tornar realidade as promessas terapêuticas das células-tronco. E quão próximos estamos dessa realidade?

Na virada do século 20, a terapia celular parecia muito simples. Depois de décadas usando a medula óssea para regenerar o sistema hematopoiético, surgiam evidências de que aquele mesmo material poderia regenerar também outros órgãos, como coração, fígado e até cérebro. Era isso que os experimentos com modelos animais sugeriam. Quinze anos e muitos ensaios clínicos depois, aprendemos que:

1. As células-tronco (CTs) da medula óssea não têm a versatilidade proposta (apesar de ainda haver grupos insistindo que elas conseguem transformar-se em neurônio...).

2. Os mecanismos de ação mais prováveis dessas células são o de secretar citosinas que promovem uma autorregeneração nos diferentes órgãos onde foram transplantadas; ou de suprimir o sistema imunológico – o que é, sim, interessante para o tratamento de doenças autoimunes como diabetes tipo I e a doença do enxerto contra o hospedeiro (existem ensaios clínicos de fase II e III em andamento utilizando as CTs da medula óssea para o tratamento de diferentes doenças autoimunes).

3. Infelizmente, o efeito terapêutico das CTs da medula óssea não é suficiente para justificar seu uso como tratamento para doenças cardíacas, lesão de medula espinhal, diabetes tipo II, cirrose e epilepsia, entre outras.

Mas não desanimem. Ao mesmo tempo, descobrimos outros tipos de CTs no nosso organismo, as chamadas CTs tecido-específicas. Essas células existem em pequenas quantidades nos respectivos órgãos, e são responsáveis pela manutenção dos mesmos ao longo da nossa vida. Porém, em situações extremas como um infarto ou uma degeneração neurológica, elas não conseguem regenerar o respectivo órgão. Pois aprendemos como isolar CTs tecido-específicas de alguns órgãos e a multiplicá-las no laboratório e, nesse congresso, vimos CTs do sistema digestivo regenerando o intestino e o fígado (ainda em camundongos); e CTs neurais, derivadas do cérebro, sendo testadas em duas doenças neurodegenerativas infantis, lesão de medula espinhal e regeneração da retina – essas já em ensaios clínicos de fase I e II (Stem Cells Inc., EUA, NCT01005004, NCT01321333, NCT01632527**).

Outra vedete do congresso foram as CTs embrionárias, células derivadas de blastocistos humanos que possuem a capacidade de dar origem a todos os tecidos do nosso organismo, chamadas de células pluripotentes. Depois de anos trabalhando em como diferenciá-las in vitro nos tecidos desejados, de forma a não gerarem tumores nos pacientes, vários grupos começam a testá-las em pacientes. O primeiro ensaio clínico com essas células foi iniciado em 2010 para o tratamento de lesão de medula espinhal (com oligodendrócitos derivados das células embrionárias – Asterias Biotherapeutics, EUA, NCT02302157), seguido naquele mesmo ano de outros para o tratamento de três formas de degeneração macular (células do epitélio pigmentado da retina também produzidas a partir das CTs embrionárias – Ocata Therapeutics, EUA, NCT01344993, NCT01345006, NCT01345006). Ainda aguardamos os resultados de eficácia, mas por enquanto os dados demonstram segurança dos procedimentos.

Foi apresentado também no congresso o ensaio clínico da empresa Viacyte (EUA, NCT02239354), que conseguiu transformar as CTs embrionárias em células beta, produtoras de insulina, que começaram a ser testadas em pacientes em dezembro de 2014: um mini-pâncreas que responde aos níveis de glicose no sangue, teoricamente equilibrando seus níveis de forma mais eficiente e autônoma nos pacientes. Finalmente, dois grupos (do Japão e EUA) relataram a produção de neurônios dopaminérgicos a partir das CTs embrionárias, e se preparam para testá-los em pacientes com Doença de Parkinson, com início previsto para o final de 2016.

Esses avanços clínicos não vêm de graça. São resultados de anos de pesquisa, rigorosa e profunda, não só desses grupos mais próximos da aplicação, mas de outro exército de pesquisadores básicos, aquela gente cujo trabalho é entender como o ser humano funciona – e isso pode ser feito estudando um nematódeo, uma drosófila ou até mesmo uma salamandra, com sua formidável capacidade de regenerar seus membros (veja https://www.youtube.com/watch?v=byLDgtSMI0w). Todo esse conhecimento básico, de repente, aglutina-se e torna-se visível para a população, ao dar origem a um avanço médico. É um processo fascinante.

Porém, é fundamental ficar claro que, apesar dos avanços, essas terapias ainda estão restritas ao âmbito de pesquisa, e nenhum médico pode receitá-las a seus pacientes. Até hoje, o único tratamento consolidado com CTs é o transplante de medula óssea ou de sangue de cordão umbilical para o tratamento de, principalmente, doenças hematológicas (ver lista completa em:
http://bethematch.org/Patient/Disease_and_Treatment/About_Your_Disease/Learning_More_about_Your_Disease.aspx).

Mesmo assim, in­felizmente, existe em vários países um grande comércio de tratamentos milagrosos com CTs, que explora o desespero de pacientes e familiares na busca de alternativas terapêuticas para doenças incuráveis. Clínicas anunciam tratamentos para esclerose múltipla, lesão de medula, câncer, e até Aids, valendo-se de brechas na legislação de seus países. A comunidade científi­ca repudia veemen­temente essas práticas, não fundamentadas experimentalmente, e que submetem os pacientes a riscos desnecessários. Por enquanto, não existem tratamentos com CTs comprovados para nenhuma dessas doenças. Logo, na melhor das hipóteses, as terapias oferecidas por aí deveriam ser tratadas como terapias experimentais, e não como curas milagrosas. E tratamentos experimentais só devem ser realizados em instituições de pesquisa, com a aprovação dos respectivos comitês de ética, sem nenhum custo financeiro para os pacientes.


"Apesar dos avanços, terapias ainda estão restritas
às pesquisas"


De todas as perguntas que me fazem sobre CTs, a mais difícil é: “em quanto tempo essas terapias serão oferecidas a pacientes?”. A pergunta exige uma clarividência desconfortável para qualquer cientista sério, que conhece os rumos incertos da pesquisa. Além disso, a resposta deve ter um equilíbrio delicado entre a absoluta verdade e uma boa dose de otimismo. Já fui acusada de jogar “um balde de água fria nos telespectadores” quando declarei ainda não haver nenhuma terapia com células-tronco aprovada pa­ra uso em seres humanos... Por isso, há vários anos respondo: “não sei, mas tenho convicção de que nossa geração ainda se beneficiará desses estudos”. Entendemos e somos solidários com o sofrimento e a ansiedade dos pacientes e familiares que aguardam os tão prometidos tratamentos com CTs. Porém, precisamos primeiramente averiguar se essas terapias são seguras e, depois, se são, de fato, eficazes para aquelas doenças, antes de serem consolidadas como um procedimento médico disponível para a população. Até lá, precisamos da ajuda de todos para educar a população em relação a esse tema, para que entenda o potencial, mas também as atuais limitações da terapia celular, e não caia nas mãos de charlatães. Só assim poderemos, um dia, cumprir plenamente as promessas terapêuticas da CTs.
 

*Professora titular e chefe do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias (LaNCE) do Instituto de Bio­ciências da USP, e autora do livro Células-Tronco, promessas e realidades, Editora Moderna (2013).

** Siglas correspondem ao registro dos ensaios clínicos em http://www.clinicaltrials.gov


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