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PONTO DE PARTIDA (pág. 1)
João Ladislau Rosa - Presidente do Cremesp


ENTREVISTA (págs. 4 a 9)
Robert Gallo


CRÔNICA (págs. 10 e 11)
Fabrício Carpinejar*


ESPECIAL (págs. 12 a 17)
Violência e saúde pública


SINTONIA (págs. 18 a 21)
A saúde do adolescente preocupa OMS


EM FOCO (págs. 21 a 23)
Tchekhov


SOLIDARIEDADE (págs. 24 a 28)
Médicos na Amazônia


LIVRO DE CABECEIRA (pág. 29)
Dica de Alfredo de Freitas Filho*


GIRAMUNDO (págs. 30 a 31)
Curiosidades & Novidades


PONTO COM (págs. 32 a 33)
Informações do mundo digital


HISTÓRIA DA MEDICINA (págs. 34 a 36)
Cardano, o visionário do Renascentismo


HOBBY (págs. 37 a 39)
Correr (fora do dia a dia...) também é esporte de médico!


TURISMO (págs. 40 a 43)
Descobrindo terras e sabores peruanos


CULTURA (págs. 44 a 47)
Salvador Dalí em Sampa


FOTOPOESIA (pág. 48)
Paulo Bomfim


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Edição 68 - Julho/Agosto/Setembro de 2014

HISTÓRIA DA MEDICINA (págs. 34 a 36)

Cardano, o visionário do Renascentismo

Girolamo Cardano
Um médico renascentista

Raul Emerich*

Girolamo Cardano foi uma figura emblemática do Renascimento, período fascinante em que a ciência moderna dava seus primeiros passos. Astrólogo, inventor, matemático, escritor, filósofo e precursor dos sistemas experimentais, Cardano considerava-se, acima de tudo, um médico.

O contexto em que a mente do gênio se desenvolveu era fértil, mas tumultuado. Em 1501, ano de seu nascimento, o ducado de Milão acabara de ser invadido. A dinastia Sforza, que alçara a capital da Lombardia a um posto de excelência nas artes, comércio e trato dos metais, tinha despertado a inveja dos vizinhos franceses. Para piorar, a peste voltava à cidade.

Leonardo da Vinci, seu mais famoso habitante, amigo do pai de Cardano, decidira tentar a carreira em outras terras, deixando para trás a Santa Ceia estampada na parede do refeitório da igreja Santa Maria delle Grazie. A obra era revolucionária; mostrava figuras humanizadas e usava os conceitos mais modernos de perspectiva e sobreposição de cores.

O Renascimento mostrou a imagem de um novo homem, aquele que poderíamos chamar de moderno, seguro de si. A partir dos pincéis dos artistas da época, emergiram – além de figuras religiosas com feições humanas – embaixadores, advogados, cientistas, descobridores e intelectuais independentes. É também neste momento que se sobressaem os “Homens de Letras”, os Viri Litterati.

Havia tensões, claro. A italiana Isotta Nogarola, por tentar fazer parte do grupo dos letrados, acabou sendo forçada a ir para um convento. O retrocesso do papel da mulher na sociedade foi um exemplo marcante dessa contradição.

Após uma infância difícil, Cardano foi para Pavia, cidade vizinha a Milão, para estudar na centenária escola de Medicina. Nas prateleiras dos livreiros da cidade, os manuscritos perdiam lugar para o livro impresso. Segundo o historiador Peter Burke, já existiam 50 universidades europeias no início do século 16, mas o ápice da Renascença não aconteceria se não existisse a imprensa e seu mais incrível produto, o livro, perfeito para a difusão da informação em grande escala.

Os livreiros, de olho no novo mercado, eram a síntese da junção empresário-intelectual. O humanista veneziano Aldus Manutius, por exemplo, fluente em latim e grego, inventou a letra itálica para permitir que mais palavras coubessem em uma página, além de popularizar o octavo, o tamanho mais utilizado pelas editoras desde então.


O livro de Cardano, De Malo Medendi, de 1536, foi um sucesso editorial


Cardano abraçou a novidade e passou a escrever. Seu primeiro livro, publicado em 1536 – De malo Recentiorum Medicorum Medendi (Sobre a má prática dos médicos modernos) –, foi um sucesso editorial, mas causou mal-estar no meio médico, pois falava daqueles que eram arrogantes, importavam-se mais com roupa e carruagem do que com o sofrimento dos pacientes e cometiam erros no exercício da profissão. Um desses erros seria confundir o sarampo com a doença que chamou de morbus pulicaris (“semelhante à picada de inseto”), a primeira descrição do tifo.

Manipular De Malo Medendi pode causar estranheza, pois cabe na palma da mão. A qualidade do produto, no entanto, surpreende. Ele não existiria se o papel não tivesse sido reinventado na Europa. A carta christiana, ou papel cristão, resultado da força hidráulica que macerava os trapos de linho, às vezes misturado à gordura animal, permitiu a maleabilidade na impressão, com maior longevidade.

Apesar do sucesso de Cardano, o Colegiado dos Médicos de Milão recusava-se a permitir seu exercício profissional. O pretexto: seus pais não eram casados. Naquela época, legitimidade era um assunto muito sério. Inabalável, fez fama ao ganhar debates, um evento que tinha a mesma repercussão de uma final de campeonato, e continuou a escrever compulsivamente sobre uma vasta gama de assuntos, inclusive sobre as próprias mazelas, para espanto e admiração de seus conterrâneos: impotência, fluxos de urina, ciclos de insônia, crises de falta de ar...

Em uma das publicações, atestou sua capacidade de livrar seus pacientes da asma e phthisi (um diagnóstico amplo e confuso que incluía, possivelmente, a tuberculose). Então, em um belo dia de 1551, recebeu em sua casa um mensageiro com um irrecusável saco de moedas de ouro para convencê-lo a fazer a consulta de um líder político e asmático de um “longínquo e bárbaro” país do norte da Europa, a Escócia. Afinal, corria a notícia que o italiano teria a cura da asma.

Quando o convite chegou, os dois pacientes “curados”, que serviram de base para o relato, já estavam mortos. Tarde demais. Cardano aceitou o desafio (e as moedas), mesmo sabendo que não tinha o poder de cura.


O médico Raul Emerich analisa o livro de Cardano na biblioteca de livros antigos Societá Storica Lombarda, na Itália


Em sua autobiografia, contou como atravessou os Alpes sentado em uma mula, passou por Lyon, foi recebido com pompa em Paris e rumou para o norte da Grã-Bretanha. Após um mês analisando o dia a dia do obeso, estressado e sedentário arcebispo escocês, de nome John Hamilton, o médico italiano elaborou um detalhado plano de tratamento. As medidas ambientais estavam no topo da lista: diminuir a inalação da fumaça de carvão e retirar todas as penas do quarto – travesseiro, colchão e almofadas.

Em artigo de 2006, Gillian Vallance afirma que este seria o primeiro caso de orientação de higiene ambiental antialérgica, quase quatro séculos antes da criação da palavra “alergia”.

O sono e a alimentação foram regulados, assim como os exercícios físicos e as horas de trabalho e de descanso. A receita prescrita não deixa de ser risível para os clínicos atuais: emplastro de alcatrão grego, mostarda, eufórbia e mel, junto com uma pasta feita com o corpo de moscas. O fato é que o paciente melhorou tanto que a fama do médico de Milão explodiu em toda a Europa. Príncipes e nobres solicitavam seus serviços. Foi recebido pelo rei na Inglaterra. Voltou para casa, 11 meses depois, como verdadeiro herói. Uma história de tratamento da asma sem paralelo até então.

A inveja que despertou nos colegas acadêmicos, no entanto, acabou se transformando na força maior para a sua derrocada, e a independência de pensamento originou a perseguição que sofreu pela Inquisição. Por mais que considerasse as energias imateriais – crença forte em sua época –, recusava-se a encaminhar o paciente ao vigário quando a doença ultrapassava os três dias (a causa do prolongamento, segundo a Igreja, seria um pecado grave).

Algumas observações visionárias de Cardano estavam muito à frente de seu tempo. Ele registrou que os sonhos deveriam ser vasculhados e interpretados; que os cegos, no futuro, aprenderiam a ler com as mãos; que os portadores de deficiência física teriam capacidade de inserção social (“o homem é sua mente”). Escreveu o primeiro livro sobre probabilidade que se tem notícia (De Ludo Alae), e o mais importante, desde a Grécia antiga, sobre matemática superior, Ars Magna. Ainda hoje se estuda a “fórmula de Cardano”. Seus desenhos inspiraram a invenção do eixo cardã (daí seu nome), um componente da transmissão utilizado atualmente, por exemplo, em veículos com motor dianteiro e tração traseira. Segundo especialistas em Shakespeare, a obra do médico renascentista De Consolatione, sobre o sofrimento, foi a base para o monólogo de Hamlet.

Foram mais de 100 livros, muitos deles best-sellers, mas as acusações de irreligiosidade que proliferaram nos séculos seguintes, associadas à opinião de que o italiano seria louco e tomado pelo diabo, colocou-o à margem da memória. Cumpre a nós, médicos, resgatá-lo para o seu devido lugar. Girolamo Cardano, com justiça, merece estar no panteão dos nossos ilustres colegas de profissão.


*Escritor e médico especialista em Alergia-Imunologia. Autor, entre outros, do romance histórico Cardano – Ascensão, tragédia e glória na Renascença italiana, Editora Record

 


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