CAPA
PONTO DE PARTIDA (pág. 1)
Editorial de Luiz Alberto Bacheschi, que assumiu a presidência do Cremesp em janeiro deste ano
ENTREVISTA (pág. 4)
Acompanhe um papo informal com o compositor, médico e herpetólogo...
SINTONIA (pág. 9)
Pintores famosos e o legado - artístico - a seus médicos, na visão do conselheiro José Marques Filho
CRÔNICA (pág. 14)
Texto do premiado médico escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, Moacyr Scliar
ESPECIAL (pág, 16)
A reforma do sistema de saúde americano por Lynn Silver, sub-secretária da Saúde de Nova Iorque
CONJUNTURA (pág. 22)
Dados do Cebrid mostram que os jovens experimentam a bebida muito cedo: entre 10 e 12 anos
DEBATE (pág. 26)
Em discussão a evolução da psiquiatria e o programa de saúde mental no país
GIRAMUNDO (pág. 32)
O que esperar da Conferência Mundial sobre o Clima realizada em Copenhague em dezembro passado?
PONTO COM (pág. 34)
Informações interessantes de acesso rápido, nos endereços eletrônicos selecionados. Clique!
HOBBY (pág. 36)
O médico cardiologista Maurício Jordão pratica o ilusionismo nas horas vagas
CULTURA (pág. 38)
A Bahia pelo traço, leve e característico, de Hector Julio Páride Bernabó
TURISMO (pág. 42)
Búzios: 24 praias belíssimas, além de mirantes com vista de 360 graus
CABECEIRA (pág. 47)
Sugestões de leitura da presidente da Academia de Medicina de São Paulo
POESIA (pág. 48)
Trecho de A Noite Tava Divina, de Paulo Vanzolini
GALERIA DE FOTOS
CRÔNICA (pág. 14)
Texto do premiado médico escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, Moacyr Scliar
A difícil arte do prognóstico
Moacyr Scliar*
No final do ano, estreou um filme que chegou às telas do mundo com grande estardalhaço: 2012, dirigido por Roland Emerich. O ano em questão marca o final de um antigo calendário mesoamericano, e o filme, em seu furor catastrofista (coisa que Hollywood adora) não deixa por menos: se é o fim do calendário é também o fim do mundo, portanto salve-se quem puder (mas não antes de comprar o ingresso).
Certamente o mundo não terminará em 2012, como não terminou nas numerosas vezes em que tal foi previsto. Uma dessas vezes foi o ano mil. Na Europa, as pessoas estavam tão convencidas de que o milênio assinalaria o final dos tempos, que muita gente renunciou às suas ocupações habituais para simplesmente aguardar a catástrofe. Quando esta não ocorreu, a reação deve ter sido mista: alívio e decepção a um só tempo.
O fim de um ano e o começo de outro é uma clássica ocasião para previsões, para antecipar o que está por vir. É a época da bola de cristal, do tarô, dos búzios, das várias formas de adivinhação que aparecem no folclore brasileiro. Aí a precisão não é a regra, mas quando experts são ouvidos em diversas áreas – finanças, política, ciência e tecnologia – a coisa fica diferente. Trata-se de terreno minado, onde as pessoas são obrigadas a se mover com muita cautela. Fazer um prognóstico acertado é uma coisa muito difícil. Sabiam disso os antigos meteorologistas, que tinham de torcer para que suas previsões dessem certo. O mesmo poderiam dizer os economistas. No dia 24 de outubro de 1929, a “quinta-feira negra”da Bolsa de Nova York, 35 grandes empresas emitiram uma declaração conjunta dizendo: “O pior já passou”. E aí veio a Grande Depressão.
Para a medicina, responder à pergunta do paciente, “o que vai me acontecer agora?” é sempre um desafio. Um desafio que exige o desenvolvimento de habilidades especiais, tanto do ponto de vista científico como do ético e psicológico. E é um desafio que surge cedo na história da medicina. Podemos dizer que a arte do prognóstico antecipou mesmo a do diagnóstico. Disso a medicina grega sempre foi um exemplo. Para os médicos hipocráticos, o diagnóstico era feito em termos de reais ou supostos distúrbios humorais (excesso de bile negra, pletora de sangue etc.). Não havia uma base anatomopatológica nem exames complementares. Havia o veredito médico, que os pacientes provavelmente aceitavam com certa resignação. Mas, em relação ao prognóstico, a exigência era grande, principalmente se o paciente era alguém importante: um rei, um nobre, um rico proprietário. Nesses casos havia interesses em jogo e muitas pessoas queriam saber do médico qual seria o desfecho do caso; e, sendo este fatal, quando ocorreria o óbito. Pode-se imaginar que muitos doutores devem ter suado frio nessas condições.
Com o tempo, prognóstico foi se tornando um exercício científico. A economia aprendeu a estudar tendências, a estabelecer fórmulas e equações; e a meteorologia passou a contar com apoio dos satélites e de suas fotos. Da mesma forma, a medicina agora tinha estudos de natureza estatística e epidemiológica. Atualmente, quando falamos em prognóstico, falamos nos possíveis desfechos de uma doença e na frequência com que tais desfechos ocorrerão. E isto significa usar números, porcentagens: “O senhor tem 80% de chances de ficar curado.” Numa profissão que inevitavelmente trabalha com um grau de incerteza (Dans la médécine, comme dans l’amour, ni jamais ni toujours, diziam os antigos clínicos franceses – na medicina, como no amor, nem nunca nem sempre), isto é um grande avanço. Mas, muitas vezes, não satisfaz as necessidades emocionais do paciente. Ele gostaria de saber se está nos 80% que ficarão curados ou nos outros 20%. E é aí que aquele antigo lado da medicina, o lado da compaixão, faz-se necessário. Tanto quanto quer diagnóstico e prognóstico precisos, o paciente quer apoio. A certeza desse apoio é o maior antídoto contra as incertezas do prognóstico. Números são importantes, mas o afeto também o é.
*Escritor e médico, membro da Academia Brasileira de Letras, ganhador do Prêmio Jabuti 2009 na categoria ficção com o livro Manual da paixão solitária – Cia. da Letras.