CAPA
EDITORIAL (SM pág.1)
Homenagem especial a José Aristodemo Pinotti
ENTREVISTA (SM pág. 4)
Professora da PUC analisa a vida em sociedade
CRÔNICA (SM pág. 8)
Texto de Tufik Bauab, presidente da Sociedade Paulista de Radiologia
PALAVRA (SM pág. 10)
Saúde e Educação devem ser prioritárias para crianças entre 0 e 6 anos
CONJUNTURA (SM pág. 14)
Neuroética. Ficção científica é passado longínquo...
EM FOCO (SM pág. 16)
"A pílula mudou o status da mulher e da abordagem de saúde" (Rodrigues de Lima)
ESPECIAL (SM pág. 20)
Novas posturas reafirmam nosso compromisso com a comunidade e o meio ambiente
DEBATE (SM pág. 22)
Especialistas da USP avaliam preservação ambiental e sustentabilidade
GIRAMUNDO (SM pág. 28)
Nova coluna estreia com temas interessantes e atuais
HISTÓRIA (SM pág. 30)
Movimentos populares transformaram o modelo de saúde pública no país
LIVRO (SM pág. 35)
Títulos de presença obrigatória em sua estante
CULTURA (SM pág. 36)
Batatais reúne acervo precioso do pintor paulista Cândido Portinari
TURISMO (SM pág. 42)
Ao sul de Minas, uma cidade imperdível para visitar, praticar esportes e descansar
CARTAS (SM pág. 46)
Comentários dos leitores sobre algumas matérias da edição anterior, nº 47
POESIA (SM pág. 48)
Olavo Bilac
GALERIA DE FOTOS
DEBATE (SM pág. 22)
Especialistas da USP avaliam preservação ambiental e sustentabilidade
AMBIENTAL, ECOLÓGICO OU SUSTENTÁVEL?
O que é, de fato, ecologicamente correto?
Quais são os mitos em relação à defesa do ambiente?
A preocupação com o futuro da vida no planeta é a mais candente discussão atual, tanto no âmbito das políticas internas e externas como nas atitudes individuais e coletivas, passando pelo mercado. Conceitos como “ecológico”, “ambiental” e “sustentável” vão distanciando-se um do outro à medida que são esmiuçados pela crescente inserção de disciplinas ligadas ao meio ambiente nos cursos universitários de todas as áreas. Os professores Helena Ribeiro e José Carlos Mierzwa, nossos convidados deste debate, falam um pouco sobre esses aspectos. O encontro foi coordenado pelo conselheiro do Cremesp, Reinaldo Ayer.
Helena Ribeiro é vice-diretora da Faculdade de Saúde Pública da USP e professora titular do Departamento de Saúde Ambiental da mesma instituição. Doutora em Geografia Física, tem trabalhos nas áreas de geociências e climatologia geográfica sobre temas como saúde ambiental e poluição do ar. José Carlos Mierzwa é graduado em Engenharia Química, doutor em Engenharia Civil, professor pesquisador da USP e possui trabalhos nas áreas de Engenharia Sanitária e Ambiental. Atua em projetos para tratamento de água e efluentes e também é avaliador do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior.
Leia, a seguir, um resumo desse encontro.
Catadores preferem materiais mais rentáveis. Nem todo lixo separado tem demanda. Boa parte volta ao aterro.
Ayer: O que significa meio ambiente?
Helena: É tudo o que cerca o homem em seus aspectos físicos, químicos, biológicos, psicológicos e sociais. Na área da saúde ambiental, por determinação da Organização Mundial da Saúde, ele abrange todos os meios que influenciam a saúde.
Ayer: E sustentabilidade?
Mierzwa: Conceitualmente, sustentabilidade significa conseguir satisfazer nossas necessidades e manter a qualidade de vida e, ao mesmo tempo, proteger o meio ambiente e os recursos naturais. Em geral, a sustentabilidade que a mídia apresenta é ilusória porque não contempla a ação de minimizar o impacto ambiental.
Helena: Sustentabilidade pressupõe não colocar em risco a sobrevivência das gerações futuras, para que tenham qualidade de vida semelhante à nossa.
Ayer: O que move a preocupação com o meio ambiente e a sustentabilidade?
Mierzwa: Em primeiro lugar, é preciso colocar o conceito dentro das necessidades do mundo em que o ser humano está inserido. Vamos sempre relacionar estas questões ao ser humano. É um processo evolutivo. À medida que amadurecemos as experiências boas, vamos remodelando o modo de envolvimento.
Ayer: Em que momento da história da humanidade a preocupação ambiental surgiu?
Helena: A relação homem/ambiente sempre existiu. As intervenções no ambiente sempre caminharam, lado a lado, com a medicina, desde Hipócrates – tanto como causadoras como curadoras de doenças. Já a preocupação científica surgiu no final do século 19 e foi disseminada na segunda metade do século 20. O que há de novo é a forma como o homem está destruindo o meio ambiente e como isso pode influir na continuidade da vida.
Ayer: Quando começa a preocupação com a destruição?
Helena: O ambientalismo surgiu, mais fortemente, ligado ao movimento hippie, nos EUA. Já o primeiro simpósio científico ocorreu em 1956, reunindo cientistas de todas as áreas para discutir a poluição dos oceanos, o uso de produtos químicos na agricultura, as mudanças climáticas etc. É algo recente, que coincide com o aparecimento de algumas doenças, às quais se busca relação com o ambiente.
Mierzwa: A preocupação se acentuou com a expansão industrial e a exposição a produtos químicos. Durante a Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento humano avançou significativamente, com várias descobertas da medicina, da química e da física; as indústrias começaram a empregar pessoas e surgiram vários problemas. O marco que consolida a preocupação mundial foi a Conferência de Estocolmo, em 1972, a primeira a discutir a relação entre desenvolvimento econômico e ambiente. Na ocasião, foi criada uma comissão que produziu um relatório sobre o assunto. O conceito de desenvolvimento sustentável foi criado em 1987, em um relatório preparativo para a Eco 92 – a segunda conferência ambiental, 20 anos depois de Estocolmo.
Helena: Antes disso já existia preocupação. A lei sanitária da Inglaterra, do século 19, é um movimento de cunho ambientalista, mas não tinha essa denominação.
Ayer: Houve “ideologização” do debate ambiental? Qual é o papel do dinheiro na questão?
Mierzwa: Tudo é movido pelo dinheiro. Alguns defendem que o fim da disputa entre socialismo e capitalismo deslocou pessoas para a militância ambiental, “para criar conflitos”. Para tratar da questão ambiental, que é polêmica, é preciso conciliar visões distintas. A abertura à participação da população em tomadas de decisões importantes na esfera pública é um instrumento de gestão ambiental.
Vários grupos podem participar e se percebe uma disputa de forças políticas. No plano individual também é polêmico. Posso considerar importante proteger o meio ambiente, mas o quanto estou disposto a pagar e sacrificar de minha qualidade de vida para isso?
Helena: Em 1972, o Clube de Roma publicou o relatório Limites de Crescimento. Era um movimento de empresários preocupados com a continuidade do processo produtivo, devido à escassez de recursos naturais. Eles defendiam um crescimento menor e a reciclagem. No mesmo ano, se formou o Grupo de Paris, que depois publicou o livro Ecologia e Revolução. Integraram esses grupos pensadores como Herbert Marcuse e Edgar Morin – para quem o movimento ambientalista só teria futuro com o fim do capitalismo, que sempre elevaria a produção e exacerbaria o desejo de consumo. O socialismo teria natureza mais adequada ao ambientalismo. Esse discurso ficou deslocado a partir da queda do muro de Berlim, que mostrou situações ambientais piores em alguns países do bloco comunista que as dos capitalistas, por exemplo, a poluição na Polônia, na União Soviética e Alemanha Oriental. Mas, o movimento ambientalista acabou abrigando intelectuais de esquerda. Na Europa, há o Movimento Vermelho Verde. O ambientalismo de Edgar Morin questiona a falta de acesso de grupos populacionais à água encanada, a um pedaço de terra e à alimentação. É um movimento compromissado com as gerações futuras e também com a presente. A ideia de impedir o crescimento também não é mais aceita. O discurso é o de igualdade de consumo entre ricos e pobres. Então, há ideologização.
Ayer: O jovem exercita hoje seu espírito revolucionário no movimento ambientalista?
Mierzwa: Na universidade, não sinto o mesmo envolvimento que havia na década de 70, quando o jovem era mais idealista. Hoje são muito influenciados pela mídia e bombardeados por informações de várias fontes, bem diferente de há 20 anos. Quando colocamos questões polêmicas para discutir com os alunos, percebemos uma falta de amadurecimento e de avaliação crítica sobre a informação que eles recebem.
Helena: O jovem é quem mais adere. Primeiro, porque o apelo ao consumo é angustiante ao jovem, que dificilmente tem emprego bem remunerado. O ambientalismo traz tranquilidade para ele assumir um estilo de vida diferente. As grandes marcas perceberam que o jovem não está mais preocupado com elas, voltando-se ao público infantil, que influencia os pais na hora da compra.
Ayer: Essa mídia influente tem preocupação com o meio ambiente?
Helena: Não sei se há tanta preocupação com o social, mas com o meio ambiente, ela tem, sim.
Ayer: Qual é o papel do indivíduo e do coletivo nesse movimento? As questões ambientais têm maior visibilidade nas grandes cidades?
Mierzwa: Sempre achamos que é o vizinho ou a indústria que poluem, nunca nos responsabilizamos. Mas por que a indústria produz? Porque há consumo. Se deixarmos de consumir, ela não vai produzir. Esse lado do coletivo ainda não é bem trabalhado e as políticas públicas acabam dirigidas aos grupos de maior influência.
Helena: Em todos os aspectos, posso colocar a consciência do coletivo na ação individual. Em determinado momento, as políticas públicas dependerão do estilo de vida e das ações individuais. Na década de 70, a poluição do ar nas grandes cidades estava relacionada à indústria. Nos anos 90, à utilização do automóvel. E tal uso tem a ver com a política pública porque a indústria automobilística tem poder junto ao governo, por gerar impostos, empregos e renda. Nos últimos anos, a população de São Paulo cresceu a uma taxa de 0,3% ao ano e a de motorização, a 4% – uma das mais altas do mundo. É obvio que o governo deve investir em transporte público, mas as pessoas precisam ter consciência e usar menos o automóvel.
Ayer: Qual é o real benefício da separação do lixo em casa? Em São Paulo, a reciclagem do lixo trouxe impacto nos aterros?
Mierzwa: O impacto é pouco significativo. A reciclagem é importante, mas, sem política pública, fica incipiente e não traz todo o benefício potencial. Eu separo o lixo em casa, mas não adianta chegar com um monte de coisas na cooperativa de catadores porque eles serão seletivos de acordo com a demanda de mercado. São vários os materiais que a cooperativa junta mas nenhuma indústria compra e voltam para o lixo. O Brasil é líder em reciclagem de alumínio – quase 80% da produção – porque tem grande valor e demanda. Uma tonelada vale de três a quatro mil reais. É mais barato reciclar do que fazer alumínio novo. Já papel, dependendo do tipo, vale apenas 150 reais a tonelada, embalagens longa-vida, 100 reais (leia mais sobre papel reciclado na página 20). É o lado econômico que move as ações.
Helena: Todo seu lixo vai para o aterro, se você não separá-lo e reciclá-lo. Não temos mais lugar para aterros nas grandes cidades! Mas enquanto um programa de governo não implantar efetivamente a coleta seletiva, o volume não vai diminuir. Vidro, por exemplo, um catador só consegue carregar 200 quilos em seu carrinho, uma quantidade que lhe rende bem pouco comparado ao alumínio. A indústria de vidro diz que não pode depender do catador e prefere comprar matéria-prima. Esse segmento industrial está muito concentrado em São Paulo e não compensa trazer garrafas de Manaus.
Mierzwa: Também é uma questão de políticas públicas o estabelecimento de responsabilidade pós-consumo. Antigamente, pneu era um passivo ambiental. A partir de 1998, os fabricantes e importadores foram obrigados a dar destinação ao pneu, até então responsabilidade do consumidor. Como produtora, a indústria tem mais recursos do que o Estado para dar solução ao problema, e hoje ela incinera ou recupera. No caso das pilhas e baterias, as indústrias diziam que iriam quebrar se ficassem responsáveis por elas. Mas, ao contrário, desenvolveram-se tecnologicamente para reaproveitar melhor seus resíduos e reduziram o material tóxico da pilha – como uma forma de se ausentarem da responsabilidade pós-consumo.
Ayer: Como a questão ambiental está introduzida no ensino e na pesquisa?
Mierzwa: Logo após a Eco 92, uma lei tornou a disciplina ambiental obrigatória em todos os níveis de cursos de Engenharia. Antes tínhamos as Ciências do Ambiente, com o conceito ecológico de preservação dos recursos naturais, no qual o homem é agente passivo. Na disciplina de Introdução à Engenharia Ambiental, abordamos todos os aspectos da gestão ambiental, com formação tecnológica, multidisciplinar e abrangente. É preciso ser multidisciplinar. No curso de Engenharia Ambiental da Politécnica, os alunos têm aulas nas faculdades de Filosofia e Letras, de Direito e de Saúde Pública. Mais que um “resolvedor de problemas”, o engenheiro precisa ser um “não criador de problemas”. Como fazer um projeto e não gerar aquele efluente ou resíduo é o enfoque que procuramos dar hoje.
Ayer: Quais são as diretrizes de pesquisa hoje?
Mierzwa: São várias, por exemplo, de análise do ciclo de vida do produto, de produção mais limpa e de ecodesign. Nesta última área, recentemente foi criada uma embalagem com menos matéria (polímero), que representa uma economia de 30% em material. Procuramos minimizar esforços; tem de ser algo natural. Por exemplo, se compro um apartamento sem torneira, vou a um depósito de materiais e escolho uma bonita, mas com baixa vazão por minuto. A engenharia deve buscar o equilíbrio. Isso na linha de graduação, mas há outras na pós-graduação. Eu trabalho com uma tese de uso racional e economia da água, diante da escassez cada vez maior e do fato de que a água limpa está cada vez mais distante.
Helena: O Departamento de Saúde Ambiental de nossa faculdade só tem pós-graduação, com quatro linhas de pesquisa: política, planejamento e gestão ambiental; tecnologia de saneamento; biologia sanitária, que trabalha contaminantes; e saúde do trabalhador.
Recursos do planeta devem ser garantidos às gerações futuras
Ayer: Quais são os mitos em relação à defesa ambiental? Até que ponto o ecologicamente correto é, de fato, correto?
Mierzwa: Muito se pergunta se o desenvolvimento é ruim ao meio ambiente, porém ele possibilitou inúmeras melhorias na condição de vida humana. Essa questão de que a água vai acabar é mito. Se terminar, a vida no planeta se extermina. O que está sob ameça é o acesso, a disponibilidade de água doce, a fácil obtenção, visto que o tratamento está associado ao custo. Óbvio que dispomos de tecnologia para limpar a água, mas todos terão condição de pagar seu custo? A Constituição diz que os recursos naturais são bens de uso comum pela sociedade, que não podem ser regulados pelo mercado. O contrário cria desigualdades e favorece grupos que podem pagar pela água. Mas o maior dos mitos é o de que vamos ter desenvolvimento sem impacto ambiental. Fazemos um balanço do custo-benefício, do quanto estamos dispostos a abrir mão da qualidade de vida em função da qualidade ambiental. No jogo, é essa relação que fazemos.
Helena: O movimento de defesa do meio ambiente teve papel importante para minimizar esses impactos. As indústrias perceberam a economia de recursos como uma vantagem competitiva. Quando a Sabesp as obrigou a tratar os resíduos antes de jogar no rio, viram o quanto estavam desperdiçando. Hoje quase todas têm um circuito fechado, que reutiliza água no processo produtivo inúmeras vezes. O que é nefasto é o desenvolvimento baseado no consumo de bens, porque leva à desigualdade social extrema. O nível de consumo do Reino Unido e dos EUA é inacreditável! Os EUA têm 6% da população mundial e consomem entre 25% e 40% dos recursos da Terra. Na hipótese de expansão desse modelo de desenvolvimento para Índia ou China, a briga por recursos e as guerras serão exacerbadas. Temos de retomar aspectos da cultura, como a convivência familiar e com amigos que não consome tantos recursos da natureza e promove satisfação mais duradoura do que a mera aquisição de um eletrodoméstico ou sapato. O ser humano tem capacidade crítica de se repensar, mudar seus valores e o modo de vida. Ele tem se adaptado, por isso a população cresce tanto.
Ayer: Em nome do Cremesp, agradeço a disposição em colaborar conosco neste debate.