CAPA
EDITORIAL (SM pág.1)
Homenagem especial a José Aristodemo Pinotti
ENTREVISTA (SM pág. 4)
Professora da PUC analisa a vida em sociedade
CRÔNICA (SM pág. 8)
Texto de Tufik Bauab, presidente da Sociedade Paulista de Radiologia
PALAVRA (SM pág. 10)
Saúde e Educação devem ser prioritárias para crianças entre 0 e 6 anos
CONJUNTURA (SM pág. 14)
Neuroética. Ficção científica é passado longínquo...
EM FOCO (SM pág. 16)
"A pílula mudou o status da mulher e da abordagem de saúde" (Rodrigues de Lima)
ESPECIAL (SM pág. 20)
Novas posturas reafirmam nosso compromisso com a comunidade e o meio ambiente
DEBATE (SM pág. 22)
Especialistas da USP avaliam preservação ambiental e sustentabilidade
GIRAMUNDO (SM pág. 28)
Nova coluna estreia com temas interessantes e atuais
HISTÓRIA (SM pág. 30)
Movimentos populares transformaram o modelo de saúde pública no país
LIVRO (SM pág. 35)
Títulos de presença obrigatória em sua estante
CULTURA (SM pág. 36)
Batatais reúne acervo precioso do pintor paulista Cândido Portinari
TURISMO (SM pág. 42)
Ao sul de Minas, uma cidade imperdível para visitar, praticar esportes e descansar
CARTAS (SM pág. 46)
Comentários dos leitores sobre algumas matérias da edição anterior, nº 47
POESIA (SM pág. 48)
Olavo Bilac
GALERIA DE FOTOS
CRÔNICA (SM pág. 8)
Texto de Tufik Bauab, presidente da Sociedade Paulista de Radiologia
Que inveja!
Não tenho vergonha de confessar que, algumas vezes, sinto inveja. Parece que, psicanaliticamente falando, ciúme e inveja são coisas diferentes. Como sou apenas um radiologista, não ouso me aprofundar nesse assunto. Alerto que não quero matar ninguém, mas sinto inveja – por exemplo, musical. Até de cantor de churrascaria! Quem não gostaria de estar numa festa ao lado de um providencial pianista e, num tom bem intimista, soltar: “a gente briga, diz tanta coisa que não quer dizer, fica pensando que não vai sofrer....”? É uma inveja compreensível. Dizer que canto mal é subestimar o poder destrutivo de minha voz.
Recém-casados, minha mulher e eu conseguimos montar uma sala de música com microfone, fones de ouvido e outros equipamentos. Minha mulher estava no banho quando decidi experimentar o brinquedo novo. Na esperança de que a cortina d´água do chuveiro isolasse o som, coloquei os fones de ouvido, abri o microfone e soltei a voz em dueto com os Beatles. Em segundos, ela entrou correndo na sala, enrolada na toalha e com cara de espanto.
Canto tão mal e minha voz é tão tenebrosa, que ela confundiu a cantoria com gritos e gemidos. Achou que eu estivesse morrendo.
Cantar não é para qualquer um. Cantor de churrascaria não pode causar indigestão nas pessoas.
O que mais invejo é a pessoa que tem certeza, aquela certeza cega, limpa de dúvidas.
Acabei descobrindo a palavra que define a minha conduta religiosa: sou agnóstico. Mas sinto falta daquela fé que leva a orar e a compartilhar com Deus os bons (e a pedir ajuda nos maus) momentos. Fico abismado com aqueles cultos na televisão em que os fiéis contritos acreditam que estão arrumando o caminho para a eternidade.
Só não sinto inveja dos pastores de televisão que falam de Deus com impressionante propriedade. “Deus quer que você...; a vontade de Deus é que...”. Eles não só estão absolutamente certos da existência de Deus, como têm relação íntima e profissional com o Divino. Como nada é de graça, se você quiser falar com o Todo-Poderoso por meio de um desses porta-vozes terá de pagar.
Se Deus é o caminho, os pastores de televisão são o pedágio.
De vez em quando alguém quebra a regra, como o gago que foi a um culto para curar a gagueira e não quis pagar. Levou uma tremenda surra, sob a fervorosa alegação de que o “demônio deveria abandonar aquele corpo, pois não lhe pertencia”. Além de continuar gago, ficou cheio de hematomas (está no YouTube, para quem quiser ver).
Outra incerteza que me aflige é profissional. Quantas vezes fico olhando para uma imagem na tomografia ou ressonância angustiado pela corrosiva dúvida se o que irei relatar mudará a vida de uma pessoa. São dúvidas que nem passam perto de alguns colegas.
Minha barriga proeminente levou-me a um colega que estava fazendo milagres. Fui contra a minha vontade. De repente, lá estava eu, sentado em frente a ele, que começou a anamnese perguntando o quanto eu queria emagrecer.
Falei grosso.
– Doze quilos.
E voltaria aos 75 quilos de quando me casei, há 30 anos.
Ele falou mais grosso ainda.
– Quarenta dias.
Eu iria perder dois quilos por semana. Em seis semanas teria um corpo de toureiro. E me deu a receita: bacon, queijos (gordurosos, brancos jamais), ovos, frituras, carne gorda, hambúrguer, churrasco e por aí afora. E com a maior certeza de que tudo aquilo faria bem à minha saúde – aliás, até hoje não perguntou e, portanto, não sabe que sou dislipidêmico, hipertenso e revascularizado. Certeza que faltou a mim, que achei mais prudente ficar gordinho, porém, conservando em níveis toleráveis o meu índice de gordura e a pressão arterial.
Recebo a revista de um shopping com entrevistas de “profissionais” ligados à saúde. Que inveja da certeza que eles têm! Que autoridade para falar!
O Dr. G., por exemplo, afirma que “85% das doenças têm causas emocionais. Grande parte das mulheres que desenvolve câncer de colo de útero ou de mama são pessoas com frustração sexual”. A especialidade do Dr. G. trata e cura qualquer doença. “Todos os pacientes” que ele atendeu “com problemas na tireoide, com hiper ou hipotiroidismo, foram curados”. Por incrível que pareça, a especialidade do Dr. G. “consegue excelentes resultados até na medicina estética...”. Ou seja, se a mulher tiver câncer de mama, a culpa é da falta de orgasmos. Essas histórias de genes supressores são uma bobagem....
O Dr. G. divide o consultório com a Dra. B., “especialista em psicologia da saúde”, que faz um “trabalho quântico de retirada de metais pesados do organismo, que as pessoas acumulam cada vez mais”.
“Com a força da mente ou com um toque das mãos”, ela consegue manipular “as camadas quânticas dos átomos”. Quem sabe ela não consegue fazer um elétron saltar da camada K para a camada L e liberar uns raios-X? Vamos economizar uma nota não precisando comprar tubos de raios-X .
Já a Dra. C., que é “fisioterapeuta e rolfista estrutural” (?), faz um “tratamento postural que alinha o corpo em relação à gravidade, por meio da manipulação do tecido conjuntivo”, auxiliando a quem tem “dificuldade para andar ereto”.
E a terapeuta V. utiliza algumas técnicas que “funcionam muito bem na melhora do aparelho digestivo, facilitando a diurese (sic), eliminando constipações intestinais e até mesmo controlando possíveis distúrbios da tireoide”.
A terapeuta V. é multidisciplinar. Faz cromoterapia, depilação sem dor, limpeza radiônica em pessoas e imóveis, drenagem linfática, tarôterapia, programa antiestresse, palestra sobre qualidade de vida, radiestesia em imóveis e terrenos, orientação em pompoarismo.... Ops! Espere um pouco, pompoarismo não é...?
É exatamente o que você está pensando.
Que inveja de tantas certezas.
Enfim, como dizem, só temos duas certezas absolutas: a do nascimento e a da morte. Portanto, o melhor é aproveitar o intervalo entre as duas com as tantas incertezas que cruzam a nossa vida.
* Bauab é presidente da Sociedade Paulista de Radiologia e Diagnóstico por Imagem.