

CAPA

PONTO DE PARTIDA (SM pág. 1)
Em Editorial, Henrique Carlos Gonçalves enfatiza a importância de realizar um amplo debate para atualização do Código de Ética Médica

ENTREVISTA (SM pág. 4)
Acompanhe entrevista com psicanalista e escritor...

CRÔNICA (SM pág. 10)
O cronista Tutty Vasques, convidado desta edição, nos brinda com texto inteligente e - como sempre - muito bem humorado

CONJUNTURA (SM pág. 12)
Dados sobre asfixia perinatal durante a última década mostram que esta foi a causa de morte em 23% dos óbitos neonatais no Brasil

HISTÓRIA DA MEDICINA (SM pág. 16)
O coração sempre ocupou papel de grande importância no simbolismo relacionado ao homem

DEBATE (SM pág. 20)
Na pauta das discussões, a (necessária e inadiável) revisão do Código de Ética Médica

EM FOCO
Saúde feminina é mais suscetível ao alcoolismo e sedentarismo, segundo importantes indicadores de saúde

HOMENAGEM
É preciso lembrar o médico nefrologista que marcou, com coragem e idealismo, a história do movimento médico no país

LIVRO DE CABECEIRA (SM pág. 33)
O destaque desta edição é, de fato, imperdível: A Verdade Sobre os Laboratórios Farmacêuticos, de Márcia Angell

CULTURA (SM pág. 34)
Acompanhe uma análise do simbolismo das telas de René Magritte, realizada pelo psiquiatra e psicanalista Carlos Amadeu Byington

HOBBY DE MÉDICO (SM pág. 38)
Acredite: ortopedista utiliza filadores externos para produzir peças pra lá de curiosas...

TURISMO (SM pág. 40)
Se você nunca ouviu falar no Atacama, este é o momento de arrumar as malas em direção ao... Chile!

CARTAS & NOTAS (SM pág. 47)
Todas as referências bibliográficas das matérias desta Edição você encontra aqui

POESIA
O Fogo e a Fé, poesia de Fátima Barbosa, fecha, com emoção, as matérias deste número

GALERIA DE FOTOS

CRÔNICA (SM pág. 10)
O cronista Tutty Vasques, convidado desta edição, nos brinda com texto inteligente e - como sempre - muito bem humorado
Só mesmo vendo como é que dói
Dois casos: a desconstrução de um sonho e um pesadelo na construção
Tutty Vasques*
Se hoje ele é rico, deve agradecer à Psicanálise. Não fosse uma terrível decepção que sofreu no divã aos 22 anos de idade, teria provavelmente passado os últimos 30 anos plantando batatas na Serra da Bocaina. Naquela época, início da década de 70, era comum a rapaziada sonhar com a vida alternativa. Uma casinha no mato, uma horta, um forno de pão, um pomar, um rio para se banhar, um violão... Paz e amor! Era disso que Antenor Camargo Veiga falava o tempo todo nas sessões de análise: quando teria coragem, afinal, de largar o estágio no escritório de advocacia para desfrutar da liberdade das minhocas?
A analista dele vinha da escola dos freudianos todo-ouvidos. Só diziam ao final “continuamos na próxima sessão”. Antenor deitava e rolava sempre o mesmo lero: existia um lugar em Visconde de Mauá (RJ) que o pertubava há tempos. Numa curva de rio próxima à casinha que alugava para fins de semana, ele costumava se recostar numa pedra para invejar com todas as suas forças o proprietário fantasma de um bangalô sempre trancado que lhe saltava o olho grande na margem oposta. Parecia-lhe injusto conferir a posse de um sonho de lugar a alguém que não aparecia lá nem para dormir. “Quem seria o cretino?” – chegou a perguntar certa vez ao soar do gongo da sessão.
Durante seis meses, duas vezes por semana, o estudante de Direito levava aquele cenário da curva de rio para o divã. Descrevia a paisagem em detalhes que, provavelmente, nem o dono da margem oposta conhecia em tanta riqueza de detalhes. Como naquele dia em que a porta da varanda do sótão se abriu pela primeira vez aos olhos – cada um mais gordo que o outro – de Antenor, chapado na pedra lisa feito lagartixa imóvel pra não ser percebido. Uma mulher de penhoar e regador encaminhou-se aos gerânios da sacada. Sem pressa. Estavam há uns 20 metros um do outro, mas o sapê fazia sombra no rosto dela. Ele teria mergulhado para sempre se soubesse a revelação que o sol lhe reservava por uma brecha das samambaias.
Era ela. A dona dos sonhos de Antenor Camargo Veiga era a sua analista. Aquilo foi como se o próprio Freud o apunhalasse as costas. Como pôde a danada ter ouvido sua fantasia de paraíso descrita em tantas minúcias sem reconhecer a própria casa de campo? E, se a reconheceu, como pôde deixá-lo ir adiante por tantas sessões que decerto lhe renderam o suficiente para pagar o caseiro? Será que prendia o riso na poltrona atrás dele?
O trauma afastou Antenor do destino de bicho-grilo e dos consultórios de Psicanálise. E parece ter sido determinante na fortuna que acumulou comandando uma das melhores bancas de advocacia do Rio de Janeiro.
Chegou-me às mãos numa mesa de bar em papel timbrado do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, mas tem toda pinta de tratar-se de case humorístico de congresso de Medicina do Trabalho. O relato em juízo de um acidentado pedreiro português é piada elaborada demais para ser real. Acompanhe:
“Sou assentador de tijolos. Estava a trabalhar sozinho no telhado de um edifício de seis andares e, ao terminar o serviço, verifiquei que tinham sobrado 250 quilos de tijolos. Em vez de os levar à mão para baixo, decidi colocá-los dentro dum barril e descê-los com a ajuda de uma roldana fixada num dos lados do edifício.
Desci ao térreo, atei o barril com uma corda, voltei ao telhado, puxei o barril para cima e coloquei os tijolos dentro dele. Voltei para baixo, desatei a corda e segurei-a com força de modo que os 250 quilos de tijolos descessem devagar.
Devido à minha surpresa por ter saltado repentinamente do chão (meu peso é de 80 quilos), perdi minha presença de espírito e esqueci-me de largar a corda. É desnecessário dizer que fui içado do chão a grande velocidade. Na proximidade do terceiro andar, bati no barril que vinha a descer. Isso explica a fratura de crânio e a clavícula partida.
Continuei a subir a uma velocidade ligeiramente menor, não tendo parado até os nós dos dedos das mãos estarem entalados na roldana. Felizmente, já tinha recuperado minha presença de espírito e consegui, apesar das dores, agarrar a corda. Mais ou menos ao mesmo tempo, o barril com os tijolos caiu no chão e o fundo partiu-se. Sem os tijolos, o barril pesava aproximadamente 25 quilos. Como podem imaginar, comecei a descer rapidamente. Próximo ao terceiro andar, encontro o barril que vinha a subir. Isso justifica a natureza dos tornozelos partidos e das lacerações das pernas, bem como da parte inferior do corpo. O encontro com o barril diminuiu a minha descida o suficiente para minimizar os meus sofrimentos quando caí em cima dos tijolos e, felizmente, só fraturei três vértebras.
Lamento, no entanto, informar que enquanto me encontrava caído sobre os tijolos - incapacitado de me levantar e vendo o barril acima de mim -, perdi novamente a presença de espírito e larguei a corda. O barril pesava mais que a corda e então desceu, caiu em cima de mim, partindo-me as duas pernas.
Espero ter dado a informação solicitada do modo como ocorreu o acidente.”
* Tutty Vasques é cronista, escreve no blog homônimo e para o jornal O Estado de São Paulo.