

CAPA

EDITORIAL
Entre os destaques desta edição, um debate sobre a política de redução de danos

ENTREVISTA
Entrevista especial com Adib Jatene, diretor do HCor e membro do conselho do MASP

CRÔNICA
A crônica da vez é de autoria de Max Nunes, médico e um dos maiores nomes do humorismo brasileiro

MEIO AMBIENTE
De planeta água não temos mais nada. Ele está se transformando num enorme deserto...

CONJUNTURA
Um raio X da vocação médica mostra que a escolha vem desde muito cedo

DEBATE
Em discussão a estratégia de saúde que distribui seringas a usuários de drogas injetáveis

HISTÓRIA DA MEDICINA
Visite conosco a Capela da Sta Casa de Misericórdia de Mauá: atração cultural e turística da cidade

SINTONIA
Ludwig Van Beethoven sob o prisma de José Marques Filho, conselheiro do Cremesp

CULTURA
No interior de São Paulo, conservatório abre as portas para verdadeiros talentos da música

HOBBIE DE MÉDICO
Médicos também são apaixonados por carros... antigos!

GOURMET
As cozinhas estão sendo ocupadas pelos homens... É sinal de pratos muuuito saborosos!

TURISMO
Venha conosco conhecer a natureza preservada, a fauna e a flora das ilhas Galápagos

ACONTECE
Cirque du Soleil: enfim chega ao Brasil o espetáculo Saltimbanco. E você acha que a Ser Médico ia perder?

LIVRO DE CABECEIRA
Você já leu "O Caçador de Pipas", do médico Khaled Hosseini? Não sabe o que está perdendo...

POESIA
José Martins Fontes, poeta, médico e jornalista finaliza com chave de ouro esta Edição

GALERIA DE FOTOS

CULTURA
No interior de São Paulo, conservatório abre as portas para verdadeiros talentos da música
Quando a alma não é pequena
Conservatório de Tatuí, um celeiro de talentos
Ivolethe Duarte
Egberto Gismonti junta as mãos e curva o corpo num gesto de despedida, desaparecendo apressado pela abertura da cortina atrás do piano de cauda que ocupava o centro do palco. Era o fim de uma oficina de mais de três horas do multiinstrumentista, compositor e arranjador a estudantes e professores do Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos de Tatuí.
Compartilhar experiências com artistas do quilate de Gismonti é comum aos 3.500 alunos – entre instrumentistas, cantores e atores – da escola de Tatuí, uma das mais importantes do gênero na América Latina. Na condição de aluno, professor ou convidado, a nata e o creme da música já passaram por lá.
Grupos pequenos e esparsos continuaram no auditório trocando impressões sobre o visitante. Ao lado de duas alunas, a professora de piano Karin Fernandes comentou que o encontro teve um significado especial para ela. “Não venho de uma família com tradição musical, tínhamos um piano na sala porque minha mãe achava bonito. Aprendi a tocar de ouvido com aqueles discos do pianista Richard Clayderman. Quando ouvi o Egberto descobri que música tinha alma e valia a pena”, revela.
Para o uruguaio Jorge Fonseca, estudante de violão, Gismonti soube definir de forma objetiva o significado da música para aqueles que foram arrebatados por ela. “Ele procurou mostrar que fazemos parte do mesmo mundo e que sentimos a música da mesma maneira”. O argentino Maurício José Gustavino, também violonista, concorda com o colega uruguaio. “A música é algo sem a qual não conseguimos viver e que está sempre à frente de tudo em nossa vida”, acrescenta. O sentido da música era a tônica das conversas de corredor. Difícil saber se o questionamento era recorrente entre os alunos ou foi provocado pelo ilustre visitante.
“Nossa missão aqui é tornar as pessoas conscientes de que elas podem utilizar a música como um instrumento de modificação do mundo”, capitaliza o coordenador artístico e pedagógico do consevatório, Dario Sotelo, mestre em regência orquestral pela City University, em Londres. “A escola de Tatuí é um celeiro de talentos de todas as classes sociais”, declara o músico e ex-aluno da casa onde trabalha há 23 anos.
Mantido pelo Governo do Estado de São Paulo, o conservatório oferece o aprendizado gratuito de mais de 20 instrumentos em 26 cursos de música clássica e popular que duram entre 4 e 6 anos. Formou-se no local Tânia Lisboa, pianista da orquestra do Royal College of Music de Londres. Outro ex-aluno de destaque internacional é Edson Lopes, integrante do Quarteto Brasileiro de Violões – juntamente com Luiz Mantovani, Everton Gloeden e Tadeu do Amaral – conhecido como o dream team dos violões.
Com exceção dos folclóricos como rabeca, gaita e acordeón, ali é possível aprender a tocar todos os instrumentos de uma orquestra – de cordas, metais, percussão e teclado. É a única do Brasil com curso para bandas e big bands.
As vagas são concorridas. Cerca de 50% são destinadas a quem já tem algum conhecimento musical e 50% aos iniciantes. No período de inscrição do curso de iniciação musical para crianças – sempre na segunda quinzena do mês de janeiro – os pais passam a noite na fila para tentar garantir uma vaga. Mais da metade volta para casa frustrada.
Os que já têm bagagem são submetidos a testes de admissão. Na prova teórica, dependendo do nível de conhecimento, podem responder questões sobre escalas e compassos musicais, classificação de intervalos, denominação de acordes, identificação de ritmos em partitura etc. No teste prático, executam partituras. A estudante de percussão Flávia Fernandes considera uma “dádiva” ter sido aceita no curso. Ela já tocava percussão árabe. Sua mãe é professora desse conjunto de instrumentos. Em Tatuí, Flávia faz dois cursos, de percussão popular e sinfônica, ambos com duração de 6 anos. Kimberli Jenifer, de 13 anos, estava sendo submetida a um teste de audição quando a reportagem da Ser Médico chegou à ala de percussão. A candidata estava nervosa, mas obteve aprovação dos dois professores que a ouviram.
A escola acolhe ainda cerca de 40 estudantes estrangeiros, a maioria de países da América Latina, além dos Estados Unidos, Suíça, Alemanha e Dinamarca. “O Brasil é muito rico musicalmente. Muitos vêm aqui para aprender nossos ritmos”, diz Dario Sotelo. Estudante de violão, o peruano Juan Manrique Silva confirma que veio para conhecer melhor a música brasileira. Seus compatriotas Júlia Sanches (trompete) e Romulo Larico (trombone) apresentaram outros motivos. “Os professores daqui são os melhores do continente em metais”, ponderou Júlia. “É uma escola pública gratuita”, frisou Romulo. Os jovens destacam outras vantagens de estudar em Tatuí. O custo de vida é mais barato do que em uma grande cidade. O trio peruano, assim como boa parte dos estudantes, sobrevive de mesada familiar que dá justo para as necessidades básicas.
Como as opções de lazer são escassas na cidade, a dedicação à música é quase integral. O grande pátio central do conservatório, em forma de L, é um dos locais onde alunos costumam se reunir para tocar. Tatuí tem algumas repúblicas de estudantes que – para desespero dos vizinhos – são points de saraus e exercícios livres de música.
Teatro e luteria
No conservatório também funciona uma escola de teatro e um dos poucos cursos brasileiros de luteria – fabricação de instrumentos de corda com caixa de ressonância. Luthier há 20 anos, Isaias Batista de Oliveira ensina a arte de fabricar violino, violoncelo, viola e viola clássica em um curso de quatro anos. Os aprendizes levam de seis meses a um ano para construir um único instrumento, dependendo da habilidade e do tempo dedicado. André Luiz Ferreira, de 22 anos, gastou duas semanas para esculpir um braço de violino em pinho de araucária. Descendente de imigrantes alemães, André mudou-se de Piquete, há três anos, para estudar em Tatuí. Embora goste de tocar, abandonou o curso de violino por causa da luteria. “Esculpir madeira é um trabalho de força que tira a habilidade para tocar um instrumento”, explica. Ele está determinado a ser um exímio luthier, tanto que pretende aprimorar o aprendizado na cidade alemã de Mittenwald, quando finalizar o curso atual, em 2007.
Toda a família do biomédico Alberto Neves Júnior tem aulas no conservatório. Três vezes por semana, Neves, sua esposa e as duas filhas viajam 180 quilômetros de Angatuba a Tatuí. A prefeitura do município de origem financia o transporte. Proprietário de um laboratório de análises clínicas, Neves ainda consegue ser professor de química e física em Angatuba, além de fazer cursos de guitarra e luteria em Tatuí. “A música é um alimento e a vida é muito curta para ser desperdiçada em uma coisa só”, filosofa.
O conservatório mantém ainda um curso de iniciação musical para crianças entre 4 e 10 anos. Além do contato com os instrumentos musicais, elas aprendem a ler partituras e a desenvolver “postura de músico”, segundo a coordenadora Darli Paulilo. Munidas de flauta doce e tambor, cerca de 30 crianças entre 6 e 9 anos ofereceram um mini-concerto à equipe de reportagem. Enquanto tocavam, Darli chamava a atenção de alguns: “olha a posição do dedinho para segurar essa flauta”, “levante esse corpo encolhido, que isso não é postura de músico”, exigia a professora.
Saiba mais...
Mudança de tom
Com cerca de 310 funcionários, dos quais 250 são músicos, a escola de Tatuí passa por “um momento delicado”, segundo o coordenador Dario Sotelo. A tendência do Governo do Estado de entregar a gestão de serviços públicos a Organizações Sociais chegou ao conservatório. O assunto vem causando apreensão entre o pessoal. Sotelo acha difícil a um modelo de gestão que precisa auferir resultados manter-se fiel à missão de “descobrir e trabalhar o talento”.
De onde eles vêm
Dados da secretaria do Conservatório revelam que a maioria dos estudantes (1.573) fixou residência em Tatuí. Entre os originários de municípios próximos, a maioria é de Sorocaba, com 216 alunos. O ranking apontou que 67 são de Itapetininga, 44 de Piracicaba, 39 de Botucatu, 37 de São Paulo, 37 de Votorantim e 35 de Campinas. No total são estudantes procedentes de 210 cidades brasileiras, sendo 170 municípios do Estado de São Paulo.
Teatro do Conservatório: acústica excelente