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A classe médica, sensibilizada com a tragédia ocorrida na Ásia em janeiro, ofereceu pronta ajuda às vítimas do tsunami


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Michel Jamra, o médico que transformou a Hematologia em disciplina na Universidade


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O bastão de Asclépio, símbolo da Medicina


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Edição 30 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2005

SINTONIA

Márcia Rocha Monteiro

Por que as obras dos hospitais nunca terminam?

Márcia Rocha Monteiro*

Obras de Santa Engrácia é uma expressão lisboeta empregada a qualquer fato começado que não tem fim – uma analogia sarcástica à edificação da Igreja de Santa Engrácia em Lisboa, que foi paralisada e se arrastou por longo tempo. Acabada, em 1966, foi transformada em panteão nacional, abrigando os cenotáfios de Luís de Camões, infante D. Henrique, Pedro Álvares Cabral, Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque e Nuno Álvares Pereira.

Os hospitais assemelham-se às obras de Santa Engrácia: nunca terminam. Há sempre o que alterar e aumentar. Hoje, os conceitos e procedimentos médico-científicos evoluem rapidamente e não duram mil anos como a medicina galênica. O passado tem comprovado que nem mesmo a sua parte sacra permaneceu inalterada: as capelas das enfermarias medievais, junto aos mosteiros, reduziram-se a altares, que com o tempo desapareceram, assim como o último vestígio: um crucifixo na cabeceira do leito.

A arquitetura, ainda na Idade Média, deixou de se subordinar à ordem sacra e passou a reger-se pela ordem assistencial para contemplar o humanismo. Na Renascença, levantou hospitais palacianos; e, nos pródomos da medicina científica e influenciada pela contaminação miasmática, erigiu hospitais pavilhonares. Em conseqüência da Revolução Industrial, verticalizou e concentrou a instituição hospitalar e tornou-a um armazém da parafernália assistencial de complexidade crescente. Foi o arquiteto o modelador do edifício hospitalar à sua finalidade contemporânea. Se antes sua função precípua era abrigar, hoje se constitui principalmente em centro de diagnóstico e tratamento.

A Revolução Industrial acelerou o crescimento urbano e a conseqüente demanda médica. No século XX, o progresso científico e tecnológico na diagnose e terapêutica desenvolveu crescentes investimentos e deu lugar no mundo ocidental a conceitos de hierarquização, integração e regionalização assistencial visando sua acessibilidade à população e equilíbrio de custo e benefício. A demanda crescente não ocorreu unicamente na Revolução Industrial, mas principalmente na era da comunicação em massa iniciada pela radiodifusão, com a tomada de consciência pelas populações menos informadas, em particular aquelas que contribuíam para a economia – os trabalhadores –, com direito a receber assistência condigna e não mais a do modelo hospitalar da Misericórdia, herdado de Portugal, e único disponível aos pobres em países de colonização lusa.

Desde o ínício do século passado, os trabalhadores ansiavam por assistência à saúde, quando ainda imperava no país o regime paternalista de senhores do açúcar e do café. Esses pleitos foram traduzidos, em parte, pelos estatutos trabalhistas do Estado Novo. Desses instrumentos legais nasceram institutos e fundações médico-hospitalares com soluções de compromisso entre as partes envolvidas: classe trabalhadora, patronal e Estado, mas nem sempre levando assistência próxima aos trabalhadores, principalmente nas zonas rurais, com dificuldades de acesso, ao contrário do que doutrinava a burocracia dos institutos, e sim, situando-os nos centros médicos e culturais dos estados, nas capitais, aí erigindo modernos hospitais. Não se assegurou acesso geográfico, mas proporcionou-se certo acesso científico-tecnológico.

Os estatutos trabalhistas e programas federais previram uma rede assistencial incluindo hospitais a eles vinculados. Aos poucos, erigiram-se ambulatórios, postos e centros de saúde, mantidos pelas indústrias, usinas e empresas para assistir seu pessoal, e outras pessoas oriundas de inúmeras e inócuas campanhas federais cujos ecos chegavam às capitais dos Estados, mas pouco ao Interior do país. Mesmo com obras significativas de urbanização, educação e saúde, o Brasil sofria como ainda hoje, carências nesses setores. A ação quando visou trabalhadores, resolveu em parte a deficiência assistencial nas principais cidades, pois uma parcela da população passou a dispor de um hospital com características modernas.

A arquitetura hospitalar materializou uma visão hospitalocêntrica de assistência à saúde. A dinâmica social impediu o hospital de ficar circunscrito à rigidez dos cânones de uma assistência hospitalar eficiente, onde a permanência dos pacientes, por razões sócio-culturais, prolongava-se após a alta e a convalescença, tornando-os a versão contemporânea dos abrigados nas enfermarias medievais. Toda a gama assistencial prevista: preventiva, hospitalar, farmacêutica e social foi assumida pelo hospital. A mesma dinâmica impediu o hospital de ficar circunscrito ao grupo a que se destinava originalmente, abrindo-se a uma população diversa – conveniados, previdenciários e inclusive os pagantes.

O projeto arquitetônico do hospital moderno adotou como premissa os protótipos criados pela Division of Hospital and Medical Facilities, Public Health Service, Department of Health Education and Welfare, abreviadamente USPHS, que foram difundidos entre países aliados após a Segunda Guerra e entre eles o do Districtal Hospital , traduzido no Brasil pelo Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), um dos hospitais da hierarquia inerente ao Coordinated Hospital System que propunha uma rede hospitalar coordenada para a população, de acordo com avaliação prévia de sua complexidade, perfil nosológico, demanda de serviços, origem e destino dos pacientes e vias de acessos. Visava integrar serviços de prevenção, diagnóstico, tratamento e hierarquizar unidades prestadoras de serviço.

No cimo situava-se o hospital de base e/ou de ensino, seguindo-lhe, em ordem decrescente de complexidade, o hospital distrital, o hospital/centro de saúde rural e, no extremo inferior, a clínica comunitária. O protótipo era inovador, de construção simples, flexível, ampliável e econômico.

No decorrer de sua vida constitucional, o hospital não só alterou o perfil dos assistidos como o do grupo decisório, público ou privado. Um hospital nunca fica pronto. Sempre há o que se alterar e acrescentar: ampliação clientela, acréscimos e ajustes no número e distribuição de leitos; diversificação, modernização e o desenvolvimento de novos serviços de diagnóstico e tratamento com repercussões na estrutura hospitalar, tanto no edifício original quanto no novo.

* Márcia Rocha Monteiro é arquiteta, professora doutora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas.


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