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CAPA

EDITORIAL
Análise sobre Urgência e Emergência e entrevista com Tom Zé: destaques desta edição


ENTREVISTA
Tom Zé: "Persistindo os médicos, os sintomas deverão ser consultados"


CRÔNICA
Entre a saudade e a nostalgia - Tebni P. Saavedra


BIOÉTICA
Debate discute pesquisas com seres humanos


ENSINO
Renato Sabbatini aborda a reciclagem profissional de qualidade


SINTONIA
"A Teoria do Caos e a Medicina", por Moacir Fernandes de Godoy


ESPECIAL
Urgência e Emergência: situação crítica no sistema público de saúde


EM FOCO
Memórias de cárceres: Luiz Guedes e Eleonora Menicucci


COM A PALAVRA
Artigo do cardiologista Luiz Carlos Pires Gabriel


LIVRO DE CABECEIRA
Destaques: A Conquista da Felicidade e O Físico


CULTURA
Michelangelo - Lição de Anatomia


HISTÓRIA DA MEDICINA
A Medicina islâmica em Córdoba e Toledo


GALERIA DE FOTOS


Edição 29 - Outubro/Novembro/Dezembro de 2004

ENTREVISTA

Tom Zé: "Persistindo os médicos, os sintomas deverão ser consultados"


Ivolethe Duarte


Não parece, mas o cantor e compositor Tom Zé tem 68 anos e já foi “enterrado vivo duas vezes”. Nasceu em Irará, interior da Bahia, e foi integrante do movimento Tropicalista, com Caetano Veloso, Torquato Neto, Gilberto Gil e Gal Costa. Quando terminou a Faculdade de Música na Universidade Federal da Bahia, no final de 1967, veio morar em São Paulo. Antes já havia feito algumas incursões por aqui.

“Em agosto de 65, todos viemos fazer a Arena Canta Bahia, no Teatro de Arena, com Augusto Boal. Em outubro, a Universidade da Bahia mandou me chamar querendo saber que diabo era isso de largar a bolsa e vir fazer teatro. Então, voltei e lá fiquei até 67, quando teve um incidente na escola – uma daquelas revoluções universitárias que tudo vira de perna para o ar – e fiquei sem pai nem mãe.

Nesse dia, encontrei Caetano Veloso no Jornal da Bahia, em Salvador, que me disse aquela frase conhecida: ‘olha, você está aqui se aborrecendo, em São Paulo pode ser que se aborreça também, mas pelo menos vai acontecer alguma coisa’.

Eu vim no avião com ele. E, naquele dia, ele falou ‘então, você volta a fazer música popular’, porque eu estava fazendo música erudita. Ele me apresentou ao Guilherme Araújo para cuidar das coisas da música. Naquele ano, fiz shows e me apresentei em programas de televisão. Depois, fui para a Bahia terminar o curso na faculdade de música e paguei as aulas dos alunos que tinha recebido adiantado e devia. Voltei para fazer música popular no dia 2 de janeiro de 68, ano que vim a ganhar o Festival da Record”.

Depois da fama, Tom Zé entra num longo “período de ostracismo”. Prestes a virar frentista de posto de gasolina, foi ressuscitado graças ao músico escocês David Byrne (líder da extinta banda Talking Heads), que abriu espaço para que seus experimentos musicais fossem conhecidos pelo mundo e redescobertos pelo Brasil.

SER: Você está gravando um novo disco?
TOM ZÉ:
Estou dia e noite no estúdio. É um disco produzido por Jair Oliveira, filho do Jair Rodrigues. Ele é um jovem excepcionalmente formado, com muita capacidade. É uma pessoa admirável, além de um gênio de música, porque para produzir um disco meu, sou chato.

SER: Você está trabalhando com a geração jovem nos últimos tempos.
TOM ZÉ:
Um encontro como o do Jair Oliveira é muito difícil. Isso nem com adulto, nem com avô, nem na sessão espírita, nem nas gerações passadas. O Jair tem um rol de qualidades inesperadas. Com 68 anos, você pode ter muita experiência, mas o que fala entra por um ouvido e sai pelo outro da maior parte das pessoas. Com o Jair eu tenho conversado há dois anos e, quando ele vai praticar as coisas do trabalho, o que falei há um ano atrás está valendo para a maneira como ele se dirige à música. Isso é uma das coisas mais difíceis do mundo. Esse tema da relação do mestre com o seguidor é muito bonito, só depois de encontrar o Jair eu pude compreender. Estudei numa escola tradicional de música erudita, com aquele hábito de professores perseguirem o privilégio de terem alunos com “A” maiúsculo. Eu mesmo fui isso para o [Ernst] Widmer, e para o [Hans Joachim] Koellreutter. Nunca pensei em encontrar uma pessoa em quem pudesse depositar a maior parte do que sei. Nesse disco, a maior parte é de músicas às quais Jair Oliveira deu a vestimenta para transformar em algo sobre o qual tenho esperança. Não estou dizendo que são boas. Disco eu nunca digo que é bom. De disco, intestino de criança e urna eleitoral nunca se sabe o que vai sair de dentro. Já que estou falando numa revista médica, intestino de criança fica bem significativo. O meu filho é médico. Além de médico, é uma pessoa com quem também posso conversar, que é outra coisa difícil no planeta. Meu filho conversa comigo como adulto, na base de que tanto um pode aconselhar o outro quanto vice-versa, não com aquela hierarquia de que o pai sabe mais que o filho.

SER: Você também foi professor de violão do Moraes Moreira na Bahia...
TOM ZÉ:
Ah, foi outra coisa adorável. Naquele tempo, eu cobrava tão caro que só os judeus ricos da Bahia botavam os filhos para estudar comigo. Os meninos não queriam saber de diabo de violão nenhum, mas pelo menos pagavam uma fortuna por aula. Um dia entrou um moleque, com roupas de pobre, magrelo, comprido – os rapazes quando têm 18 anos parecem maiores do que são hoje – falando que queria estudar violão. Eu fiquei assim e disse: “pôxa rapaz, é tão caro”. Como se não fosse poder pagar, ele respondeu: “eu sou compositor”. E eu falei: “ah bom, então toque”. E ele tocou. Nenhuma daquela meia dúzia de músicas ele aproveitou para nada, mas deu para entender que ali tinha um compositor. E dei aula de graça para ele, uma vez por mês. Eu dava material para ele trabalhar o mês todo. Ele chegava com aquilo trabalhado de trás para diante, de diante para trás, exercitado em várias experiências e composições. Era um verdadeiro prazer. Imagina que em dois meses e meio acabou tudo o que eu sabia. E ele saiu para ganhar a vida, graças a Deus.

SER: Na sua biografia você fala que nos outros cursos da Universidade da Bahia até faziam greve porque estavam jogando dinheiro fora para ensinar música. Quem fazia greve?
TOM ZÉ:
O Edgar Santos, reitor da Universidade da Bahia na ocasião, resolveu fazer uma coisa que as universidades não tinham naquele tempo e fundou uma escola de dança, uma de música e uma de teatro. Era um escândalo, como se dissesse hoje que a USP vai fundar uma escola de santo. Música não se ensinava, era inspiração, sacrifício, tinha de aprender aqui e acolá. O Edgar, além de tudo, queria dar o melhor a essas escolas. Podia faltar régua para fazer uma linha reta ou estetoscópio para ouvir o pulmão de um tuberculoso na escola de Medicina, mas não faltava o melhor cravo, o melhor professor de clarinete, de contraponto e de saxofone, vindos das melhores escolas da Alemanha. Então, é claro, a universidade toda dizia que isso era um absurdo, tinha greves e éramos vaiados na rua. Para dar uma idéia do que significava ser estudante de arte, éramos tratados como afeminados no restaurante universitário. Qualquer coisinha gritavam “bicha” de algum canto.

SER: Caetano e Gil estudaram com você?
TOM ZÉ:
Não, na escola não. Muitas pessoas não precisam estudar, são banhadas por outro tipo de favorecimento. As musas favorecem.  Para estar mais perto da Medicina, o caduceu, o raio deles era muito diferente.

SER: Você foi namorado da Gal Costa?
TOM ZÉ:
Fomos namorados quando jovens na Bahia, em 66, 67 e até aqui em São Paulo em 68. Fizemos juntos o show “O Som Livre de Gal Costa e Tom Zé”. Aliás, palavras essas, “Som Livre” que acabaram dando origem à gravadora de João Araújo, o pai do Cazuza, que sempre foi um grande amigo, especialmente durante a fase de ostracismo. Ele sempre me protegia, mandava até dinheiro escondido para mim. Mandar dinheiro escondido é um negócio fantástico.

SER: Nesse período de ostracismo, você trabalhou como publicitário na DPZ e também como jornlista...
TOM ZÉ:
Ah, foi uma coisa muito prazerosa. Escrevi também no Estadão, mas na DPZ era um emprego de verdade. A convivência com o Washington Olivetto, o Roberto Duailib, o Zaragoza e o Petit, a paixão com que cada trabalho era executado... Eles me tinham como um trunfo e diziam para os clientes “olha, nós temos aqui o Tom Zé”. O cliente muitas vezes dizia “mas quem diabos é Tom Zé?”. Foi uma fase muito instrutiva. A música Medo de Mulher foi ampliação de um jingle para as máquinas Olivetti, proposto pelo Washington. Não botei a parceria porque tinha posto numa música anterior e ele falou que eu andava querendo colocá-lo na minha obra. E aí falei assim: “não vou botar para não incomodar o Washington”. Mas na verdade é uma parceria, se ele quisesse reclamar, tinha direito porque me deu a idéia do jingle.

SER: Você veio para São Paulo em 1968 para participar do Festival da Record e um ano depois nasceu o seu filho Éverton?
TOM ZÉ:
Isso. Nesse mesmo ano ganhei o Festival da Record e no ano seguinte nasceu o Éverton, ganhei um filho.

SER: Como você viveu a paternidade?
TOM ZÉ:
Vivi muito mal. Ele foi um filho sem pai. Pequenos desentendimentos lá, coisas assim, serviram de pretexto, hoje não justificáveis, para ele ficar muito tempo sem me ver. Felizmente, quando tinha 16 anos, ele próprio tomou a decisão de me procurar e nasceu uma amizade fantástica. Graças a ele. Tudo se deve a ele e, naturalmente, à mãe dele. Eu só recebi benefícios da existência dele. Hoje ele mora lá em Araçatuba porque os seus colegas, cujos pais já eram médicos e tinham uma clínica, queriam ampliá-la. Tenho um orgulho muito grande dele, é uma pessoa muito simples, muito gentil, muito carinhoso. Nossa Senhora, Deus que o abençoe, por tudo de pouco que eu fiz por ele, principalmente isso. Meu filho me deu um neto, é casado com uma mulher maravilhosa. Além do meu filho – que escolheu uma das coisas mais barra pesada da Medicina, ele opera cabeça e pescoço – tenho outra médica apaixonante na família, que me tirou um ponto preto aqui no olho. É a primeira esposa de meu filho, a Evânia Curvelo Hora, que é cirurgiã plástica.

SER: Seu filho tem alguma inclinação para música também?
TOM ZÉ:
Ele aprendeu quando jovem e cantava as músicas dos roqueiros todos, do grupo Legião Urbana, dos Paralamas do Sucesso, do maravilhoso rapaz do Titãs, o Arnaldo Antunes. Ele cantava e eu ficava sabendo como os rocks eram interessantes. Era muito simpático ouvir aquilo por ele. Graças a Deus, ele não tem vocação para música, porque é uma coisa complicada.

SER: E a Medicina não é?
TOM ZÉ:
Qualquer profissão é complicada desde que não haja uma certa vocação, devoção. A devoção é que faz o trabalho se tornar brinquedo. A Medicina é uma profissão fantástica, é uma coisa de servir a sociedade, de pegar na humanidade ferida. O médico é sempre como Jesus Cristo lavando os pés dos humildes. A maior parte das pessoas que tratam é de situação social abaixo da deles. Quando a pessoa está doente está mesmo aos pedaços. Eu já estive para morrer em 1985 e ficava muito emocionado quando as pessoas me tratavam. Não quero nem enumerar os médicos que me ajudaram de uma maneira quase irmã, inclusive da psicanálise. Sou um beneficiário da psicanálise, desse ramo médico. Tive uma infância muito ruim, que naquele tempo se chamava complexo de inferioridade, uma dificuldade para conviver.        

SER: No começo de um show seu há alguns anos, você disse uma frase que era mais ou menos assim: “se os médicos persistirem...”
TOM ZÉ:
Ah, “persistindo os médicos, os sintomas devem ser consultados”. Quando ouvi, na narração esportiva de rádio, que todo remédio popular ia sair com aquilo, fiquei assombrado com a quantidade de vezes que teria de ser repetido. O que mais faz propaganda em rádio e televisão é a medicina informal, popular. Então, eu disse: “nossa isso vai virar um escândalo! Se pudesse fazer alguma coisa com esse jargão”. E vi que era tão fácil: “persistindo os médicos, os sintomas deverão ser consultados”.

SER: Como você vê os novos avanços da medicina, como a clonagem terapêutica e o uso de células-tronco?
TOM ZÉ:
Fico feliz de ver que essas coisas podem salvar vidas e diminuir sofrimentos intermináveis. Eu me lembro de pessoas dizendo assim: “escuta, tal dia vai ter não sei o quê a favor do aborto, esteja lá”. Pôxa, a pessoa não esqueceu de me perguntar se sou a favor ou contra o aborto? Todo mundo tem direito a ter dúvida. Tenho dúvida quanto ao aborto, mas ir contra o uso de células-tronco para salvar e amenizar coisas da vida, é frescura da Igreja. Aliás, qual é o ponto um da incapacidade do Brasil se organizar como nação? É a falta de planejamento familiar. É o ponto um da miséria que todos vivemos e assistimos. É o ponto um da fome que mata no Nordeste. É o ponto um desse país desorganizado, sempre com populações que crescem absurdamente. E está aí a Igreja com esse papel louco, que não posso entender, de não permitir planejamento familiar para pessoas que não têm conhecimento da existência disso. Existe injustiça pior do que essa?

SER: E quais são as coisas ruins da Medicina para você?
TOM ZÉ:
Uma coisa triste é essa meia dúzia de empresários passarem a escravizar a Medicina. Quando eu nasci, era o padre, o médico e depois só as figuras celestes, só Deus. Agora, conseguiram roubar do médico a hombridade para lhe pagar uma miséria e todo mundo é mal tratado. Em Irará, e em todos os lugares do mundo, os médicos recebiam das pessoas que podiam. Mas faziam o que podiam pelas pessoas que não tinham. Eu só conheci médico assim. Agora tiram o dinheiro do médico para eles. O médico não pode ajudar a pessoa que não tem. Olha, eu nunca vi coisa mais criminosa do que a invenção da tal medicina de grupo. Jesus, meu Deus do céu, nunca vi Aids pior do que essa. Mas vamos para assuntos mais amenos.

SER: Como foi o seu encontro com David Byrne?
TOM ZÉ:
O David é um artista fino, tem uma elegância nobre que faz o outro se sentir nobre perto dele. Ele me tirou do buraco, eu vivia doente. Quando uma criança não tem o colo materno, não adianta dar o melhor alimento que ela morre. Durante a fase de ostracismo tive tudo quanto é tipo de doença. Fui salvo em 1985 pela macrobiótica, porque nem a medicina conseguia me salvar mais. O David Byrne me deu vida, alegria, estou novamente inventando coisas. Ele contou numa entrevista que, quando encontrou com um artista brasileiro que respeitava e disse “quero lançar um disco do Tom Zé”, o cara falou “você está louco? Tanto artista bom no Brasil e vai lançar um disco do Tom Zé?” Aí David disse, eu decorei o que ele falou: “eu passei a entender que o tipo de experimentalismo dele tem mais a ver com a cena inventiva de certas cidades cosmopolitas do que com música brasileira”. Abençoado seja esse salmista, esse Davi que com seus cânticos me tirou do túmulo. Fui enterrado vivo duas vezes: em 1940, quando compreendi que minha família me recusava e, em 1970, na divisão do espólio do Tropicalismo. No primeiro enterro ninguém se importava. Mas, no segundo, o túmulo era muito bem cuidado. Era conveniente e salutar que um defunto como eu não saísse para atrapalhar o panteão da música brasileira. Aí um herético, agnóstico e imoral como o David Byrne vai, com a irresponsabilidade de ser estrangeiro, me tirar do túmulo para causar essa aporrinhação em todo o Brasil. Nos Estados Unidos e na Europa sou uma felicidade, no Brasil sou um aborrecimento.

SER: Nessa divisão do espólio tropicalista, o que aconteceu entre você, Gil e Caetano?
TOM ZÉ:
Bom, como vou querer que pessoas humanas como eu não sejam humanas? Tá certo isso? Não, está errado. São Paulo é uma cidade muito oriental, para ver como tem várias oitavas para se pensar nesse assunto. A primeira que eu falei já está entendida, agora estou falando numa coisa completamente diferente, em outras oitavas. Os orientais – que aqui são numerosos e influenciam muito a nós todos – dizem que se você estiver se perdendo e em perigo de morte, os amigos que quiserem lhe ajudar estão errados, porque você acaba matando eles. E, é assim que deve ser, é assim que é saudável. Os orientais estão certos. Não está dita aqui nenhuma malandragem para ser interpretada contra ninguém. Outra coisa, a imprensa também tem de escolher um ponto onde já está acertado a melhor coisa. O trabalho de gênios como Gil e Caetano já estava acertado, eu ainda estava engatinhando no meu caminho. O que eu engatinhei antes e que também se transformou em tropicalismo para mim, ainda continuava o engatinhamento. Porque não era no tropicalismo que eu estava vivendo minha plenitude, eu ainda ia fazer outra coisa. Uma coisa gozada que aconteceu foi a seguinte: correu um boato no Brasil “tem uma vaga no tropicalismo”, todo mundo que podia foi para a Inglaterra falar mal de mim na casa de Gil e Caetano. E eles acreditaram. Eu dou razão a eles. Eu fiquei aqui, numa fase ruim, ninguém sabia o desastre em que estava me metendo e como é que ia sair dele. Quando a pessoa cai no rio desastrosamente, pode ser que saia com algumas pérolas de lá ou que morra afogado. Eu estava me jogando no rio, com algum canudo para respirar lá em cima, para tirar o que hoje tirei, mas ninguém sabia.

SER: Você disse que foi enterrado vivo duas vezes. Existe uma relação entre o primeiro e o segundo enterro.Tem algo dentro de você, daquela infância que provocou esse segundo enterro?
TOM ZÉ:
Acho que tem. É claro que eu fiquei com dificuldades até de me afirmar como pessoa que tinha direito à luz. Aí já com dois significados, a luz do compositor e a luz de viver na face da terra. E, na hora que a divisão do tropicalismo provocou aquela coisa de cada um puxar a brasa para sua sardinha, eu não tinha direito à luz. Em vez de trabalhar pelas minhas brasas, deixei elas entregues a quaisquer. Só vim corrigir isso no meu livro Tropicalista, lenta luta, onde puxei minhas brasas.

SER: E como é a tua relação com Gil e Caetano?
TOM ZÉ:
Tem uma coisa que é maior do que tudo: o amor. Eu nunca podia ter tido a sorte de ter nascido perto de pessoas tão amáveis e tão amadas. O amor que eu tinha por Caetano quando jovem era uma coisa que só as instâncias superiores podem explicar. O que aquela figura é amável. É claro, hoje Caetano é um pouco diferente, está cuidando com mais objetividade da sua vida. Em nosso começo, o que era importante, amável e pujante neles dois – com aquele útero cheio de arte que tinham – era uma coisa de um amor. Eu deixei de gozar muito na minha vida e quero passar a gozar novamente. Esse é o final que a história tem, um final do amor, não interessa o que eles fizeram ou o que venham a fazer, interessa é que são amáveis, mil vezes amáveis, um milhão de vezes amáveis, um milhão de vezes adorados e amados por serem o que são.

SER: E hoje vocês tem uma relação de amizade?
TOM ZÉ:
Um pouco, uma hora tem desentendimento aqui, outra hora um carinho acolá..., isso de vida humana. Mas gostaria muito de encerrar o assunto e declarar que de agora em diante só falo com amor e aproveito esta entrevista para inaugurar. Pode chamar a matéria de “a inauguração do amor”.

SER: O que você acha da escolha do Gil como ministro da Cultura?
TOM ZÉ:
Imagina que o Gil é uma pessoa moral, artística e familiarmente rica. É rica do amor do público e sai desse conforto para dar a cara a bater nessas questões de governo, em que não há dinheiro, não há nunca concordância sobre o que é direito ou errado. Vai lá sofrer e apanhar, só para servir, que é outra vocação dele. É uma coisa admirável, é uma falta de juízo dele, mas que Deus o abençoe e o ajude. Depois de dar a música, esse alimento à alma que vai ficar aí por séculos e séculos, de ter transformado o coração dos brasileiros nos anos 70, de ter levantado a auto-estima de um país na fossa de uma ditadura, de ter sustentado a garra e a vontade de inventar. Quando a pessoa ia para o trabalho depois de ouvir uma música dele, estava levando dez comprimidos com tudo isso que são alimentos da alma. Além disso, ele vai lutar pelas pessoas num diabo de um Ministério, que Deus me perdoe. Ele tem lá um amigo meu o Orlando Senna, outro devotado. O Gil no Ministério é uma coisa de cidadão. Quando tenho a oportunidade de mandar um recado para ele, digo que a melhor coisa que posso fazer é não dar nenhuma opinião para não atrapalhar. E, é claro, não pedir nada, que isso faz parte da ética baiana.

SER: O que aconteceu com você e o estilista Ronaldo Fraga? Vocês tiveram uma briga pública porque ele quis te homenagear numa coleção, mas não queria pagar pela execução das suas músicas no desfile.
TOM ZÉ:
Ele achava que era divulgação e eu disse “pôxa vida, e se a Ana Paula Arósio que é muito divulgada pela propaganda da Embratel não recebesse um salário pelo trabalho dela? Como eu vou sustentar minha família? Faço música desde 1960, já passei fome. A minha mulher já sustentou a casa por causa do tipo de música que faço. Agora que o tipo de música que faço dá certo, vai entrar no desfile e não receber nada?” Eu tinha pedido 30 mil reais e tinha autorizado o diretor da Trama, Ronaldo Bôscoli, de acertar qualquer negócio. Ele achava que aquilo era só divulgação e aí nos desentendemos, pronto e acabou. Já comprei muita roupa na loja dele e paguei tudo, nunca pedi abatimento porque eu ia cantar aqui e acolá. Foi só isso.

SER: Você ainda cuida do jardim e do prédio em frente ao seu apartamento?
TOM ZÉ:
Ah sim, sim, sou jardineiro. E recebo por isso, porque não vou trabalhar de graça. Agora aumentou para dois salários mínimos.

 


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