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CAPA

PONTO DE PARTIDA
Entre os temas desta edição, detaca-se um debate sobre alimentos transgênicos


ENTREVISTA
Norman Gall: "O Brasil tolera muito a bagunça nas instituições públicas"


CRÔNICA
Uso subcutâneo, intramuscular, tópico...


BIOÉTICA
Medicina Fetal - Muito além do binômio


SINTONIA
Ressonância: Prêmio Nobel Magnetizado


DEBATE
Alimentos Transgênicos


450 anos de São Paulo
Pelas Ruas da Cidade


CONJUNTURA
Crianças trabalhadoras. Adultos desempregados


COM A PALAVRA
Duas Guerras


HISTÓRIA DA MEDICINA
O Código Sanitário de 1918 e a Gripe Espanhola


MÉDICO EM FOCO
Navegar é preciso


LIVRO DE CABECEIRA
Proust não é tempo perdido


CARTAS E NOTAS
Dr. Manoel (Dias) de Abreu e Dr. (Manoel de Abreu) Campanario


POESIA
Carlos Drumond de Andrade


GALERIA DE FOTOS


Edição 26 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2004

CONJUNTURA

Crianças trabalhadoras. Adultos desempregados

María Olave*

Na fronteira Brasil/Argentina/Paraguai, 3.500 crianças e adolescentes são vítimas da exploração sexual. Mais ao norte, na Colômbia, cerca de 400 mil participam de atividades de risco na extração e processamento de minerais.No Brasil, mais de 360 mil fazem trabalhos domésticos em casa de terceiros. Essa lista estatística é longa e reflete uma realidade que envolve cerca de 20 milhões de crianças e adolescentes em toda a América Latina e Caribe.

Também são aproximadamente 20 milhões de adultos desempregados nessa mesma área geográfica, principalmente nas zonas urbanas, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Como entender essa incoerência? Como enfrentar essa injustiça que compromete o futuro de todos? Muitas das crianças trabalhadoras privam-se do acesso à educação, serviços de saúde adequados e outros direitos fundamentais. Por não terem essas oportunidades, engrossarão a fila dos pobres do futuro. Esse círculo vicioso perpetua a pobreza familiar, de geração a geração; impede o crescimento econômico e o desenvolvimento de um país ou uma região.

A eliminação do trabalho infantil é um objetivo estratégico da OIT, incluído na Declaração dos Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho, de 1998, e baseia-se em normas internacionais vigentes, entre elas o Convênio 138 sobre Idade Mínima de Admissão, ratificado por 26 países da América Latina e Caribe, e o Convênio 182 sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil, ratificado por 29 países. A ratificação dos tratados e convênios é uma ferramenta importante para enfrentar o problema, tal como ocorreu em todos os países da América Latina onde se registraram importantes avanços em relação à elevação da idade mínima para admissão no emprego para 15 anos???ou a 16 anos como é o caso do Brasil ?,?às reformas na legislação, especialmente os Estatutos da Criança e do Adolescente, assim como a aplicação de sanções penais.

Atualmente, a maioria dos países conta com programas nacionais de prevenção e erradicação do trabalho infantil. O panorama também é alentador?em alguns blocos regionais do continente. A Declaração para a Erradicação do Trabalho Infantil, assinada pelos presidentes dos países membros do Mercosul, estabelecem compromissos como a disponibilização de dados?estatísticos e programas específicos de combate ao trabalho infantil, por meio da cooperação entre os países. A Comunidade das Nações Andinas, também?avança nessa direção no âmbito dos Ministérios de Trabalho. As estatísticas permitem, a partir de agora, comparar dados para verificar a redução ou aumento do trabalho infantil nessas regiões. Há dez anos, era impossível responder quantos meninos ou meninas trabalhavam na América Latina e, menos ainda, determinar em que estavam trabalhando. Atualmente, o trabalho da OIT em conjunto com institutos de pesquisas de diferentes países?permitem desenvolver o Programa de Informação Estatística e Acompanhamento do Trabalho Infantil (o Simpoc, na sua sigla em inglês) em 14 países da região. Muitos deles já se comprometeram a incorporar módulos específicos sobre o assunto em pesquisas e censos nacionais.

A participação de crianças no mercado de trabalho não é estática e cresce constantemente. Cada criança segue um ciclo incorporação/abandono,?na relação entre escola e trabalho. Realiza diferentes tipos de trabalho com variados graus de dificuldades em função, por exemplo, das estações do ano, das dificuldades imediatas da família ou do lugar onde se pensa que existem oportunidades de se obter dinheiro. O trabalho infantil é um problema persistente, sua eliminação em um setor econômico pode vir acompanhada do surgimento em outro. E não foi possível erradicá-lo em nenhum deles.

Na América Latina e Caribe, a maior parte das crianças e adolescentes trabalha na economia informal, setor mais vulnerável por falta de reconhecimento e proteção social. Isso também dificulta as soluções. Exercer a inspeção e o controle, garantir o cumprimento dos direitos e oferecer segurança e proteção são problemas ainda por resolver, embora há que se reconhecer os avanços alcançados pelos países do Mercosul e pelo Chile.

Muitos dos trabalhos feitos por crianças oferecem riscos para sua saúde física e mental. Há riscos nas atividades da construção civil; no setor de agricultura, pela exposição a químicos e pesticidas; nas minas pela contaminação por mercúrio, na coleta e separação do lixo em aterros sanitários. Algumas formas de trabalho em casa de terceiros ou na própria casa impedem a assistência à escola.

Algumas estratégias de combate tiveram êxito, mas são insuficientes. Os recursos financeiros internacionais atenderam principalmente as vítimas das piores formas de trabalho infantil. Milhares também receberam ajuda para ter acesso à educação, saúde, formação e recreação. Suas famílias também foram beneficiadas por crédito ou programas de capacitação que permitiram melhorar a renda, por meio de negócios próprios, cooperativas e, inclusive, inserção no mercado formal de trabalho. Esses avanços significaram valiosas pistas sobre como enfrentar o problema a curto prazo, mas não garante, sua efetividade a médio ou longo prazos. É preciso gerar mais e melhores postos de trabalho para os adultos, melhorar a qualidade e o acesso à educação, garantir a proteção social, enfim, criar políticas públicas de desenvolvimento econômico e social. Estabelecer acordos de cooperação entre os países é uma alternativa que está se viabilizando com êxito no Mercosul, onde sete milhões de crianças e adolescentes trabalham atualmente e esperam melhores oportunidades no futuro.

Trabalho Infantil (Brasil 2001)
Idade - Quantidade
5 a 9 anos - 296.705
10 a 14 anos - 1.935.269
15 a 17 anos - 3.250.541

(Fonte: PNAD/SIMPOC - OIT)


O Brasil em 5 anos
Ano  -  Crianças no trabalho
1992 -  8.423.448
1995 -  8.233.623
1998 -  6.648.296
1999 -  6.492.745
2001 -  5.482.515


Alguns avanços e muitos desafios

Um estudo da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), tendo como referência o ano de 2001, revela que, no Brasil, existiam 5.482.515 crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhando nesse ano: 3.570.216 eram do sexo masculino e 1.912.299 do sexo feminino. Dessas, 296.705 tinham de 5 a 9 anos e 1.935.269, de 10 a 14 anos, num total de 2.231.974. Veja outros dados a seguir:

Comparativo entre 1992 e 2001:
- 2.940.933 crianças deixaram de trabalhar de 1992 até 2001, redução de 34,9%. 
- Houve avanço no nível de escolarização de 1992 a 2001 (5-17 anos). A parcela que não frequentava escola diminuiu de 46,1% para 23,8% no grupo de 5 e 6 anos, de 13,4% para 3,5% no de 7 a 14 e de 40,3% para 18,9% de 15 a 17 anos.
- Do total de crianças e adolescentes ocupados:
- 48,6% não tinham nenhuma remuneração. Estes percentuais variam de cerca de 71% em Alagoas e Maranhão a 17,1% no DF e 18,1% em São Paulo.
- 45,2% era de empregados em geral e de trabalhadores domésticos.
- 6,2% eram trabalhadores por conta própria ou empregadores. 
- 7,4% trabalhavam na produção para o próprio consumo.
- 4.400.454 trabalham e estudam. 
- 1.081.579, trabalham e não estudam.
- Dos 4,4 milhões que trabalham e estudam, 1.131.561 trabalham 40 horas ou mais por semana. Dos que trabalham e não estudam, 705.037 trabalham 40 horas ou mais por semana. Isso significa que cerca de um terço das que trabalham cumprem jornada de adulto.  
- Entre os Estados, o destaque é São Paulo, onde 53,3% (398.837) trabalham 40 horas ou mais por semana, seguindo de Rondônia (52%) e Mato Grosso (48,5%).
- Mais da metade das crianças e adolescentes que trabalham (51,2%)utilizam produtos químicos, máquinas, ferramenta ou instrumento no trabalho. Esse percentual é mais elevado na atividade agrícola. Entre as regiões, a Sul tem o percentual mais elevado (58,5%), seguido do Nordeste, com 53,3%.
- Quanto mais numerosa a família, mais crianças trabalhando. Nas famílias com 7 pessoas ou mais, cerca de 20% das crianças de 5 a 17 anos trabalhavam. Enquanto nas de menos de 7 pessoas, a proporção era de 11%.

* María Olave é coordenadora para a Amércia do Sul do Sistema de Información Regional  sobre Trabalho Infantil  (SIRTI) da Organização Internacional do Trabalho - Lima/Peru
 


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