Introdução
Considerações sobre a responsabilidade médica
Princípios bioéticos
Referência ética para tocoginecologistas
Consentimento esclarecido
Relação médico-paciente e médico-casal-família
Prontuário e segredo médico
Direitos sexuais e reprodutivos
Ética no exercício da tocoginecologia
Internação, alta médica e remoção de pacientes
Plantão de tocoginecologia
Bibliografia
Considerações sobre a responsabilidade médica |
Imperícia, Imprudência e Negligência "Não é imperito quem não sabe, mas aquele que não sabe aquilo que um médico, ordinariamente, deveria saber; não é negligente quem descura alguma norma técnica, mas quem descura aquela norma que todos os outros observam; não é imprudente quem usa experimentos terapêuticos perigosos, mas aquele que os utiliza sem necessidade..." Esse argumento, utilizado pelo procurador geral da Corte de Apelação de Milão, Itália, coloca a responsabilidade médica sobre a ótica da ponderação. O médico, ao exercer sua profissão deve, em obediência a princípios éticos norteadores de sua atividade, zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão. É o guardião da vida, bem maior assegurado ao ser humano. Do médico, exige-se correção, dedicação, respeito pela vida, devendo, em razão de seu mister, agir sempre com cautela, diligência, evitando que seu paciente seja conduzido ao sofrimento, à dor, à angústia e à perdas irreparáveis. Nesse sentido, o "erro médico" deve ser visto como exceção, acontecimento isolado ou episódico, sendo certo que a responsabilidade do médico pode gerar efeitos nas esferas ética, cível e criminal. Ao médico é vedado praticar atos profissionais danosos ao paciente que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência. Essas modalidades de culpa podem ser aferidas pelo Conselho Regional de Medicina, como falta ética, na Justiça Cível, para fins de indenização ou na Justiça Criminal para enquadrar a conduta a um tipo penal. A negligência evidencia-se
pela falta de cuidado ou de precaução com que se executam certos atos.
Caracteriza-se pela inação, indolência, inércia, passividade. É um ato
omissivo. Oposto da diligência, vocabulário que remete à sua origem latina diligere,
agir com amor, com cuidado e atenção, evitando quaisquer distrações e
falhas. A imprudência resulta da imprevisão do agente em relação às conseqüências de seu ato ou ação. Há culpa comissiva. Age com imprudência o profissional que tem atitudes não justificadas, açodadas, precipitadas, sem ter cautela. É resultado da irreflexão, pois o médico imprudente, tendo perfeito conhecimento do risco e também ignorando a ciência médica, toma a decisão de agir, assim mesmo. Exemplo de imprudência seria o caso da alta prematura, ou a realização de uma operação cesariana sem a equipe cirúrgica mínima necessária. A imperícia, por sua vez, ocorre quando o médico revela, em sua atitude, falta ou deficiência de conhecimentos técnicos da profissão. É a falta de observação das normas, deficiência de conhecimentos técnicos da profissão, o despreparo prático. A imperícia deverá ser avaliada à luz dos progressos científicos que sejam de domínio público e que, em todo caso, um profissional medianamente diligente deveria conhecer, por exemplo, a utilização de técnica não indicada para o caso. Aspectos das Denúncias, Processos Disciplinares e das Principais Infrações Éticas de Tocoginecologistas Baseado em levantamento de cerca de 12 mil denúncias registradas entre janeiro de 1996 e janeiro de 2002 pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo – Cremesp, a especialidade que aparece no topo é a Tocoginecologia, respondendo com cerca de 12%. Das denúncias, 86% são referentes à Obstetrícia e 14% à Ginecologia. Dentre as denúncias que se transformaram em processos disciplinares (PD), 30% são referentes à especialidade. Analisando outros aspectos dos processos contra os tocoginecologistas, observamos que 45% destes possuem Título de Especialista, 60% são do Interior, 57% estão na faixa etária entre 40 e 54 anos de idade, 80% são do sexo masculino e 50% são formados por faculdades do Estado de São Paulo, enquanto 47% em outros Estados e 3% no Exterior. Em relação à Obstetrícia, as principais queixas colocadas em ordem decrescente são: assistência ao parto com óbito do recém-nascido (RN); assistência ao parto com complicações maternas; parto com seqüelas no recém-nascido; assistência ao parto com óbito materno; assistência ao parto com óbito materno e do RN; pré-natal (mau acompanhamento, medicação errada, falta de cuidados, falta de exames, má indicação para o tipo de parto, não observância de sintomas abortivos e eclâmpsia); prática do aborto e complicações; laqueadura sem consentimento; complicações anestésicas; infecção puerperal e corpo estranho. Em relação à Ginecologia, as principais queixas, também em ordem decrescente, são: assédio sexual, respondendo por 43% das queixas; complicações de histerectomia; tratamento clínico ginecológico; complicações de outras cirurgias ginecológicas; laqueadura tubárea; aborto; cirurgia sem consentimento; falhas do diagnóstico de tumor de mama e cauterização do colo uterino. Além das queixas acima, não se pode esquecer as denúncias contra a cobrança de honorários médicos (indevida ou exorbitante) e a quebra da relação médico-paciente. Também cabe lembrar aos tocoginecologistas que atualmente algumas atitudes estão tornando-se corriqueiras, podendo caracterizar infração ética, devendo ser evitadas, como a realização de atendimentos à distância, prescrição sem exame direto da paciente e a delegação de responsabilidade médica a profissionais não habilitados, principalmente na área de obstetrícia, onde quem faz o atendimento é a enfermeira e o médico toma conduta baseado apenas nas informações passadas, sem ver e examinar a paciente (Art. 62 – "É vedado prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgências e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente cessado o impedimento"). Recomenda-se, portanto, que se o tocoginecologista não estiver disponível naquele instante, deverá sempre reavaliar a paciente o mais breve possível, a fim de confirmar, ou não, o diagnóstico e tomar a conduta mais adequada. Dos processos concluídos e julgados contra a especialidade, até o momento, 18% sofreram condenação e as penalidades aplicadas foram: Censura Confidencial em 32% dos casos, Censura Pública em 30%, Advertência Confidencial em 19%, Suspensão do Exercício em 12% e Cassação em 7%. As infrações éticas mais freqüentes ocorreram contra os seguintes artigos do Código de Ética Médica (CEM): 29, 2, 5, 4, 31, 32, 34, 44, 57 e 69. Destes, a infringência do Artigo 29 ocorreu em quase 50% dos casos – "Praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência". Dos outros Artigos do Código de Ética Médica, citamos: Capítulo I Artigo 2º - O alvo de toda
a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá
agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional. Capítulo III Artigo 31– Deixar de
assumir responsabilidade sobre procedimento médico que indicou ou do qual
participou, mesmo quando vários médicos tenham assistido o paciente. Capítulo V Artigo 57 – Deixar de
utilizar todos os meios disponíveis de diagnósticos e tratamento a seu alcance
em favor do paciente. O Código de Ética Médica (CEM) – Resolução CFM nº 1246/88 – normatiza a responsabilidade ético-disciplinar, zelando pelo cumprimento irrestrito da boa prática médica, sendo complementada pela Lei Federal nº 3268/57, de 30 de setembro de 1957, que dispõe sobre os Conselhos de Medicina e sobre as sanções disciplinares a serem aplicadas quando ocorrem infrações a este Código, sem a qual torna-se incompleta. Assim, o Conselho Regional de Medicina (CRM) toma a prerrogativa legal de receber denúncias, apurar os fatos, julgar os profissionais e ponderar qual sanção deve ser aplicada a cada tipo de infração deste código. O Código de Processo Ético-Profissional está regulamentado pela Resolução CFM nº 1617/01, de 16 de maio de 2001, e segue as etapas processuais descritas abaixo. O médico denunciado está sujeito à apuração da denúncia, que tem duas fases: a sindicância (expediente) é a fase preliminar para averiguação dos fatos denunciados, coleta de provas, manifestação escrita ou audiência com os envolvidos. As sindicâncias são abertas a partir de denúncias encaminhadas ao CRM ou por iniciativa do próprio conselho. Se forem constatados indícios de infração ética, passa-se à segunda fase, chamada de processo ético-disciplinar (PD). Instaurado o PD, segue-se a notificação do acusado e a fase da instrução do processo, quando o denunciante e o denunciado têm iguais oportunidades de apresentar provas de acusação e defesa, inclusive com a opção da presença de advogados. O próximo passo é o julgamento, realizado pelas Câmaras de Julgamento do CRM. São formados por conselheiros, que decidirão pela inocência ou culpa do médico. O resultado deve ser homologado pelo Plenário de Conselheiros do CRM. O poder de disciplinar e aplicar penalidades aos médicos compete exclusivamente ao CRM em que estavam inscritos na época em que ocorreu o ato punível. As sanções disciplinares do médico estão previstas no artigo 22 da Lei Federal 3268/57. Começam com Advertência Confidencial em Aviso Reservado, seguindo para Censura Confidencial em Aviso Reservado, Censura Pública em Publicação Oficial, Suspensão do Exercício Profissional por até 30 dias e Cassação do Exercício Profissional, que necessita ser referendado pelo Conselho Federal. Além da denúncia ao CRM, o paciente ou familiar insatisfeito tem o direito de acionar o profissional na Justiça, nas esferas Criminal e Cível. |