Livros do Cremesp


ANAIS DO XII ENCONTRO DOS CRMs DAS REGIÕES SUL E SUDESTE

Remuneração e Trabalho Médico

Presidente: Dr. Marco Antonio Becker

Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul

Secretária: Dra. Regina Ribeiro Parizi Carvalho

Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo

Participam do debate como palestrantes: Eduardo Vaz, diretor da Associação Médica Brasileira (representando Eleuses Vieira de Paiva); Florisval Meinão, diretor da Associação Paulista de Medicina; José Erivalder Guimarães de Oliveira, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo; Edson de Oliveira Andrade, presidente do Conselho Federal de Medicina; Luiz Sallim Emed, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Paraná; Mário Jorge Rosa de Noronha, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro; Francisco José Caldeira Reis, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais; Wilde da Silva Neto, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Espírito Santo e Regina Ribeiro Parizi Carvalho, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Presidente da mesa: Marco Antônio Becker, presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul.

Eduardo Vaz, diretor da AMB

Esperamos aqui contribuir um pouco para a reflexão sobre questões tão importantes. A globalização da economia e as grandes mudanças sociais, econômicas e políticas que ocorrem no mundo têm afetado o comportamento do mercado de trabalho e, conseqüentemente, os trabalhadores. Especificamente em países como o Brasil, que possuem uma grande dívida atrelada ao dólar, a situação piorou após episódios como os desencadeados a partir de 11 de setembro em Nova York.

Seguindo a visão neoliberal, os governantes destinam cada vez mais recursos a serviço da dívida, diminuindo a distribuição interna entre aqueles que geram a riqueza. Especificamente no nosso mercado de trabalho, já no final da última década, havia uma política para que se aumentasse a oferta de profissionais no mercado: como podemos verificar, no Brasil existe a média de um médico para 696 pessoas. Evidentemente há regiões, hoje, que não contam com número suficiente de médicos. Distribuir adequadamente esses profissionais depende de uma política adequada de recursos humanos.

Dentro desse mesmo assunto, um fator que preocupa muito é que, apesar de não podermos dizer que temos hoje desemprego médico em nosso país – o quadro é mais de médicos subempregados – na medida em que a proporção de profissionais aumenta em relação à da população, no final desta década veremos, realmente, desemprego maciço da nossa classe, se não desencadearmos ações efetivas.

Trouxe alguns dados para a gente refletir sobre a pesquisa Programa Saúde da Família; Pesquisa do Perfil do Pediatra e alguma coisa da Medicina suplementar, com relação ao mercado de trabalho. Há dados que nos preocupam, na forma de seleção do Saúde da Família, um programa de governo. Por exemplo, nele não está garantida a eqüidade do acesso do médico. Tanto que só 12,50% dos médicos ingressam por meio de concurso público. Então vemos que, nesse momento, trata-se de um mercado a que não se tem acesso livre, sendo, muitas vezes, garantido apenas por questões políticas, partidárias e favorecimento.

Outra questão preocupante relaciona-se ao contrato temporário de prestação de serviço: quase 46% dos médicos desse programa têm contrato temporário e outro percentual importante dá-se por cooperativa. Essas ditas falsas cooperativas são mecanismos utilizados hoje para não garantir ao médico a estabilidade no emprego e dos direitos sociais. Por um lado, o governo desenvolve campanhas para que o empresariado contrate as pessoas com carteira assinada. Por outro, desconsidera as conquistas. Alguns municípios só estão contratando através dessas cooperativas.

O programa Saúde da Família, em sua filosofia, defendia a dedicação exclusiva dos médicos – o que tinha de melhor, justamente por valorizar a relação médico/paciente e seu envolvimento com a comunidade. Isso não aconteceu, de acordo com os dados. Vemos que quase 46% dos médicos que lá atuam têm outros vínculos de trabalho. E como o médico tem visto isso? Por enquanto, com pouca esperança, pouco pessimismo e algum otimismo, devido a uma filosofia de remunerar melhor do que os demais serviços públicos. Eu, particularmente, não vejo isso com otimismo, porque é momentâneo: como o médico não tem estabilidade, pode perder esse vínculo.

Quanto à remuneração, esses cálculos foram feitos em dólar, na época em que US$ 1,00 valia R$1,70. Grande parte dos médicos recebia algo em torno de US$ 1.000,00 a R$ 2.000,00. Apesar da remuneração tão baixa, cerca de 55% dos médicos acham que a remuneração melhorou, mas 31% acreditam que essa remuneração não se alterou. As condições de trabalho em mais de 79% dos casos não melhoraram e 50% consideram que a autonomia técnica melhorou. Boa parte constata melhora na relação médico/paciente, devido a esse vínculo mais próximo com a comunidade.

Pesquisa Perfil do Pediatra

Trouxemos também alguns dados importantes, fechados recentemente pela Dra. Maria Helena Machado, da Sociedade Brasileira de Pediatria. É importante salientar que os pediatras, hoje, representam talvez a maior especialidade: são 30 mil no Brasil. As capitais respondem por cerca de 60% dos profissionais. Os homens atuam com maior freqüência nos consultórios em relação às mulheres, que estão muito mais presentes no setor público.

Proporcionalmente, o total de profissionais homens aparece com maior freqüência do que o de mulheres, no setor privado. Se analisarmos as cargas horárias desses médicos, percebemos que, para garantir uma remuneração razoável, chegam a ter até setenta horas de trabalho semanal. Os homens ganham, em média, 40% acima das mulheres, talvez porque trabalhem mais em consultório e tenham uma carga horária maior. Os que residem nos municípios do interior têm uma renda maior do que os da capital.

Por seu lado, a ABRASP acabou de fechar outra pesquisa, apresentada recentemente aqui em São Paulo. Chamou-nos a atenção que os honorários médicos nos gastos ambulatoriais da ABRASP correspondem a 2.96%. O honorário médico nas internações para os ativos é de 9.68%. Para os aposentados, os honorários médicos aumentam um pouco, mas os honorários diminuem aqui na internação para os agregados a 2.33%. Se somarmos todas essas questões, perceberemos que os honorários médicos oscilam entre 8% a 10% de todo o gasto que os convênios têm com os médicos.

Segundo a pesquisa, todo o custo médio paciente/dia desde 1996 até 2000, o reajuste hospitalar a per capta dos planos, as consultas usuários/anos e o valor do CH se mantêm inalterados. Pelo contrário! O presidente da ABRASP disse que os médicos estavam compensando a diminuição do valor do CH solicitando mais exames. Respondi a ele que os médicos estão compensando trabalhando mais e, mesmo assim, têm perdido receita ao longo dos últimos anos.

Concluindo: todos nós – conselhos, sindicatos e associações médicas – estamos frente a um grande dilema, que é o de lutar para prover aos jovens médicos, hoje, empregos estáveis e com garantia de aposentadoria. A grande massa de médicos formada nos últimos anos está no mercado de trabalho através de cooperativa ou contratos irregulares, sem nenhuma garantia. Os salários que  recebem não são suficientes para fazer poupança nem previdência privada. Ao mesmo tempo, a nossa cooperativa maior, a Unimed, está fechada a esses médicos mais jovens, bem como os melhores convênios. Se não buscarmos uma solução teremos, daqui a poucos anos, um grande número de médicos desamparados, sem previdência, sem poupança e indigentes.

Florisval Meinão, diretor da Associação Paulista de Medicina

Penso que a questão relativa à inserção do médico no mercado de trabalho, ao exercício profissional, envolve algumas perguntas básicas. A primeira é se a remuneração do médico, hoje, está de acordo com as características do seu trabalho; a inserção do profissional na sociedade; tempo para  formação e aperfeiçoamento profissional. E a segunda é se o médico consegue, nos dias atuais, em face de todas as circunstâncias socioeconômicas, exercer a profissão de forma ética e humanitária, características que sempre marcaram o exercício de nossa profissão.

Em primeiro lugar, devemos dizer que a Medicina conseguiu incorporar para si todos os avanços da tecnologia e isso se traduziu num melhor serviço prestado à sociedade, que pode ser comprovado pelo aumento de vida média da população. Por outro lado, sofreu forte influência das transformações políticas e econômicas. Até o século XVIII, pelo menos, a Medicina era exercida de forma individual. Quem teve a oportunidade de ler o livro ‘Médico de Homens e de Almas’, de Caldwel Tayllor, que conta a história de São Lucas, médico e apóstolo do Cristianismo, vê as características que marcavam a profissão até aquele momento.

Era um exercício individual e o Estado não estava presente na oferta de serviços à população. Com a Revolução Francesa no final do século XVIII, vê-se a primeira transformação importante nas características do trabalho do médico: o Estado passa a fazer uma tentativa de oferecer o serviço a toda população. A Medicina passa, então, a ser um instrumento de justiça social. Ou seja, através dela procurava-se redistribuir renda e se fazer justiça dentro da sociedade. Foi talvez a primeira tentativa de mudar a característica do exercício da profissão.

No final da primeira guerra mundial, nota-se que as várias constituições dos diferentes países começam a incorporar itens relativos à prestação de serviços de Saúde. Esses itens foram progressivamente sendo incorporados e, a partir daí, surgiu o médico com uma nova mentalidade: como um administrador em saúde. Aparece também a especialidade de saúde pública e em nosso país também começa-se a prestar esse serviço por meio da Previdência Social. Depois, a Constituição de 1988 sabiamente definiu que a Saúde deveria ser um direito de todos e um dever do Estado. Trata-se de uma constituição bastante avançada, que procura proporcionar à população assistência médica e, ao mesmo tempo, utiliza-se da Medicina como instrumento de justiça social.

No entanto, a partir da década dos 70, surge um novo fator na ordem econômica mundial. Isto é, uma corrente política ideológica de caráter ultra-radical desenvolve uma estratégia de soberania no mercado, com conseqüente enfraquecimento do poder do Estado, baseada na seguinte premissa: todos os serviços que as autoridades públicas podem fornecer ou são indesejáveis, ou o melhor fornecido pelo mercado, frase que foi retirada de um texto de um historiador inglês contemporâneo chamado Eric Ropsbal. Começa, então, uma era de privatização e redução do tamanho do Estado, com a transferência para a iniciativa privada dos setores estratégicos e, para o Estado, dos setores de importância social.

A soberania do mercado torna-se uma alternativa à democracia liberal. A participação do mercado substitui a participação na política, surgindo assim o chamado neoliberalismo. A natureza do trabalho médico sofre uma grande influência dessa transformação, desses princípios ideológicos sociais e econômicos.

Lerei rapidamente um texto a respeito da natureza do trabalho médico, retirado de um autor no século XVIII. Definia como trabalho médico o ato de ‘Desvendar o princípio e a causa de uma doença por meio de confusão e obscuridade dos sintomas. Conhecer-lhe a natureza, a forma e as complicações. Distinguir, no primeiro golpe de vista, todas as características e diferenças. Separar, por uma análise rápida e delicada, tudo que lhe é estranho. Prever os acontecimentos vantajosos e nocivos que devem sobrevir durante o curso de sua duração. Determinar, com precisão, quando é preciso agir e quando convém esperar. Decidir-se com segurança entre vários métodos de tratamento que oferecem vantagem e inconvenientes. Aproveitar a experiência, perceber as ocasiões, calcular todos os casos, tornar-se senhor dos doentes e das afecções. Aliviar-lhes as penas, suportar-lhes os seus caprichos. Dirigir-lhes a vontade, não como um tirano cruel que reina sobre os escravos, mas como um pai terno que vela pelos destinos dos filhos’.

Trouxe esse texto porque considero que temos que refletir se hoje nós podemos ainda cumprir com essas conceituações que foram aqui colocadas, em face de situação em que se encontra o exercício profissional do médico. A assistência à Saúde não escapou às transformações impostas pelo neoliberalismo, estando hoje fortemente subordinada às leis do mercado e da economia. O médico, hoje, passa a ser chamado de prestador de serviço e o paciente, consumidor. E a relação médico/paciente, sustentáculo do exercício ético da Medicina, passa a ser uma relação de consumo. O atendimento à saúde, que outrora foi concebido como um mecanismo de justiça social e de redistribuição de renda, passa a desenvolver um papel exatamente oposto, ou seja, garante melhor atendimento àqueles que possuem maior renda, subordinando-se completamente à chamada lei de mercado, de acordo com as regras do modelo sócio, político e econômico que impera nos dias atuais.

A classe médica deve ter clareza da natureza de seu trabalho, bem como de seus honorários profissionais. São condicionados por circunstâncias políticas amplas e gerais que envolvem o destino e o modelo do Estado. Não bastam apenas lutas isoladas por melhor financiamento à Saúde ou contra algumas medidas aqui e ali de planos de saúde. São apenas um pequeno aspecto de algo muito mais amplo, que é o modelo do Estado e de sociedade que estamos construindo no final do século XX e no início do século XXI.

Será que quando elegemos nossos governantes, era esse o modelo de Estado que gostaríamos, especialmente nesta última década? Um modelo com forte exclusão social e forte concentração de renda, que interfere diretamente em nossos trabalhos?

Para finalizar, penso que esta análise da conjuntura política e econômica nos torna claros alguns fatos que vemos no nosso cotidiano. Por exemplo, os baixos investimentos em Saúde e a conseqüente situação deplorável do SUS, o porquê da abertura indiscriminada de escolas médicas.

Por que essas relações de trabalho tão deterioradas, quanto relatou o colega Eduardo Vaz? Por que nos defrontamos todos os dias com dificuldades com os planos de saúde? Por que esses planos cresceram tanto nesses últimos anos? E até dá para se entender o porquê de nosso Ministro da Saúde ser um economista.

José Erivalder Guimarães de Oliveira, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo

Discutir mercado de trabalho, relação de trabalho exigiria um tempo um pouco maior e, portanto, tentaremos pontuar algumas questões importantes.

A organização do trabalho no Brasil sempre foi regulamentada. Em particular, a partir da década dos 40, quando foi feita a instituição do salário mínimo e a construção da CLT, instrumento da legislação que tutela toda a relação e mercado de trabalho de todos os profissionais no Brasil.

A política salarial lato sensu teve origem nesse período. Tanto que o médico também não foge a essa regra. Em 1960, esse tipo de regulamentação foi estendido também para o setor médico, quando foi aprovada a lei 1999 que institui o valor do salário profissional mínimo para o médico e sua carga horária. Ou seja: três salários mínimos para 20 horas semanais, podendo, inclusive, fazer, no máximo, duas horas extras. Naquela oportunidade, um salário mínimo, de acordo com o DIEESE, tinha valor correspondente a cerca de R$ 1.200,00 nos dias de hoje. A característica do médico sempre foi, não somente na década passada como na atual, uma relação flexibilizada de trabalho. Sempre foi aquele profissional que tinha consultório; que, eventualmente, trabalhava no setor público ou dava algumas horas de si para as Santas Casas ou hospitais filantrópicos para fazer atendimento aos indigentes, as pessoas excluídas da Previdência Social. Isso, até a década dos 70.

Pernas quebradas  

Com a evolução do Capitalismo, evidentemente, essas relações começaram a mudar. Até porque, em 1976, ‘quando necessitasse implementar política de saúde pública necessária no Brasil, (o governo) iria quebrar as pernas dos médicos’, segundo o então ministro Jarbas Passarinho. Quebraria as pernas dos médicos, abrindo novas escolas de Medicina. E foi o que ele fez: temos hoje 101 no país.

A contratação de médicos sempre foi bastante eclética no Brasil, em particular no Estado de São Paulo. Os médicos eram contratados por CLT, como estatutários funcionário públicos, pelo cooperativismo não-ético, através de prestação de serviços com suas empresas, e como autônomos. A recente pesquisa do Cremesp visualizou muito bem como se encontram na atualidade. Então, por que o número de médicos autônomos e médicos prestadores de serviço, médicos sem carteira assinada ainda é bastante expressivo?

No Brasil, pela pesquisa, o número de médicos não registrados supera o número de médicos registrados, exceto no Estado de São Paulo, onde vem havendo um crescimento acima de 4%. Esse tipo de contratação sempre vigorou com um único objetivo: fugir do chamado ‘custo Brasil’, ou seja, dos encargos sociais. E muitas vezes os médicos aceitam e gostam de trabalhar nesse tipo de contratação, até para fugir do fisco. É muito comum médicos não aceitarem o assalariamento, porque mais um emprego significa aumentar a sua alíquota no imposto de renda.

A precarização ou a flexibilização do mercado de trabalho para o médico é histórica, não é de hoje, apesar da instituição do neoliberalismo a partir do presidente Collor, aprofundado pelos demais presidentes subseqüentes e mais ainda com o Sr. Fernando Henrique Cardoso. Essa flexibilização sempre foi uma realidade para o médico. E as formas de contratação, hoje, são mais importantes onde temos um número de médicos considerados autônomos. Depois, a gente vê médicos terceirizados, ou seja, uma nova forma de prestação de serviço exigida pelos hospitais, exigida pelos planos de saúde, para que os médicos deixem de ser autônomos e constituam firmas ou microempresas, para fazer prestações de serviços. O médico assalariado está hoje em último plano no Brasil. Pela pesquisa recente, aqueles que trabalham como autônomos, em grande número, são anestesistas, cirurgiões, clínicos gerais, ortopedistas, plantonistas e os intensivistas.

Os sindicatos de médicos no Brasil – digo, até porque também sou o presidente da Confederação Médica Brasileira – tem trabalhado no sentido de reverter essas questões. No início da década dos 80, em São Paulo, fizemos uma grande movimentação, para o registro em carteira. Naquela oportunidade, conseguimos vitórias importantes. Com a nova perspectiva do processo de flexibilização, entretanto, estamos perdendo, não somente em nível de Brasil, mas também em nosso Estado.

O que temos observado é que vêm surgindo propostas, no sentido de flexibilizar mais ainda e legalizar esse processo de flexibilização. Hoje, existe um projeto do deputado Linhares, no Congresso Nacional, que legaliza a contratação de autônomos de cooperativas para a área de saúde, especificamente. Esse projeto está em tramitação; se for aprovado, com certeza o número de médicos com carteira assinada poderá cair. Hoje, a luta dos sindicatos de médicos e das entidades médicas em todo o país vem no sentido de, não somente melhor remunerar o médico, mas também de resolver questões específicas próprias da categoria, entre elas, as condições de trabalho, a própria situação do médico em relação a sua vida e ao seu cotidiano.

Em pesquisa recente realizada pelo Sindicato dos Médicos de São Paulo em parceria com a USP, constatamos que 40.8% dos médicos já sofreram algum grau de violência em seus locais de trabalho. Isso é um indicador importante para que se faça um link com a pesquisa feita pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Será que o problema de uso de drogas e distúrbios de comportamento entre médicos não está relacionado a esse mercado de trabalho e com a remuneração extremamente dramática? Com o trabalho na periferia, quando são ameaçados de morte todo dia, de serem assaltados, seqüestrados? É preciso que se comece a investigar melhor o que está acontecendo.

Hoje, o piso salarial no Estado de São Paulo, para 20 horas semanais – assinado por nós recentemente – é de R$ 1.560,00, no setor privado. O setor público tem remunerado melhor, em torno de R$ 1.900,00, para a região metropolitana. E pegando o Estado todo, R$ 2.200,00. Nossa reivindicação é um piso de R$ 2.500,00. É essa a nossa luta e a nossa perspectiva. É preciso, entretanto, que a gente avance e aprofunde toda essa discussão, comece a fazer um diagnóstico sobre a real situação do médico, as condições de trabalho e a influência que vem sofrendo a saúde para que, inclusive, possamos começar a discutir agendas, no sentido de reverter um quadro tão dramático que nós, médicos brasileiros, estamos enfrentando.

E olhe que estou colocando o quadro do Estado de São Paulo, o que melhor remunera o médico. Se formos discutir o Nordeste, o Centro-Oeste, ou mesmo, o Rio de Janeiro, a remuneração será muito mais baixa e a dramaticidade dos médicos  muito maior. É preciso, portanto, que, dentro de uma nova perspectiva, consigamos reverter nacionalmente esse quadro e buscar um outro patamar, ou resgatar um patamar que existia anteriormente.

Luiz Sallim Emed, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Paraná

Atualmente, até o próprio estudante de Medicina tem pedido para falarmos sobre o mercado de trabalho e temos apresentado o estudo da Universidade Federal de Minas Gerais. Já é importante, inclusive, falar aos estudantes sobre as especialidades, porque, dependendo de onde querem ficar, há uma sobrecarga. Não pretendemos romper com a vocação, mas dar informações, no sentido de explicar que, de acordo com a especialidade que escolher, vai participar de uma maneira mais fácil do mercado.

O Conselho tem atuado em várias instituições, por exemplo, o Instituto de Previdência do Estado. Existe uma tendência ao desaparecimento desses institutos de previdência e assistência! Temos, então, trabalhado junto aos deputados da área de saúde para reverter tal situação. O Conselho também vem fazendo um trabalho muito importante junto às prefeituras do Interior do Estado, visando a fortalecer a remuneração e, principalmente, melhorar as condições de trabalho.

Outras atividades: em determinadas regiões como Ponta Grossa – quarta cidade do Estado do Paraná – identificamos que não há leitos de UTI neonatal, e estamos realizando um esforço grande para que sejam implantados, como forma de aumentar o trabalho médico, principalmente dos neonatologistas. Junto às auditorias, percebemos que, em algumas situações, as glosas chegam a 30%. Parece até uma coisa tendenciosa. Por isso, estamos divulgando resolução sobre a importância da auditoria, com o objetivo de reduzir o conflito entre o médico assistente e o médico auditor.

Junto às Unimeds, o conselho vem participando de uma forma importante. Em Curitiba, recentemente, nosso representante analisou o balanço das Unimeds, até para ser aprovado. Porque na Assembléia Geral havia sido suspenso para posterior aprovação. Nós temos trabalhado muito para melhorar o trabalho do médico: antes alguns atos que eram exclusivos da profissão médica hoje já não são, devido a um pouco de passividade e pouca participação do próprio médico, que vai delegando-os a outros profissionais. Depois, é difícil recuperar. Partos, por exemplo: temos recebido muita reclamação dos conselhos de Enfermagem, porque publicamos no nosso jornal que parto tem que ser feito com supervisão médica.

Nosso trabalho mais recente: o Conselho do Paraná não registrou uma operadora de saúde que promovia o manage care. Eles iam começar pelo nosso Estado e nós não fizemos o registro dessa empresa, recebendo até várias ameaças.

Fizemos algumas estatísticas e, por meio delas, percebemos que, apesar de todas as dificuldades, as prefeituras continuam mandando ao Conselho pedido de registros de mais médicos. Parece um contra-senso: os prefeitos, pressionados até pela população, exigem, insistem até com os deputados, para a criação de novas escolas. Procuramos, então, demonstrar que, na verdade, se trata de distribuição inadequada de profissionais.

Reconheço que temos que fazer muito mais. A participação em eventos como esse nos faz refletir sobre o quanto é importante trabalharmos para procurar oferecer ao médico melhor remuneração e, principalmente, melhores condições de trabalho.

Mário Jorge de Noronha, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro

Vou tentar elencar alguns problemas que existem no Cremerj, o trabalho e a luta que estamos tendo em relação a eles.

Em primeiro lugar, com relação ao mercado de trabalho, vemos com muita preocupação que o mercado de trabalho no Rio de Janeiro vem se estreitando progressivamente: a Organização Mundial de Saúde determina mil pessoas para um médico. No Rio de Janeiro, hoje, essa proporção chega a um médico para 400 indivíduos. Cada vez mais vai se afunilando esse mercado. E o motivo principal da pletora é a quantidade de escolas de Medicina, problema tem se repetido em outros Estados: no Rio de Janeiro são 15, derramando anualmente no mercado de trabalho cerca de 1.500 médicos.

Está acontecendo aquilo que o Dr. Eduardo Vaz colocou: daqui a pouco, a proporção será cem habitantes para um médico. A coisa ficará inviabilizada! Teremos que tomar algum tipo de atitude, porque daqui a dez anos, se formos discutir isso, a situação vai estar muito pior.

No Rio de Janeiro, editamos no ano passado uma resolução dirigida às escolas de Medicina que estão atuando sob liminar. Ou seja, não foram reconhecidas pelo MEC.  A resolução é simples: não daremos registro para os médicos vindos de qualquer escola de Medicina que não tenha a aprovação do Ministério da Educação. Isso vai criar realmente um problema e nós já estamos, inclusive, alertando os pais de alunos – que estão pagando uma anuidade muito alta – sobre a decisão.

Também dentro desse contexto, outro problema que dificulta nossa área corresponde às demais profissões que estão roubando o nosso mercado de trabalho.  Não vou citar aqui até por uma questão de elegância, mas atuam na área médica. No Rio de Janeiro, por exemplo, já adotamos uma resolução sobre o ato médico, a 121. Mais recentemente fizemos outra resolução, 174, que está causando uma celeuma medonha, pois define perfeitamente o trabalho do médico em Otorrinolaringologia e em Fonoaudiologia. Sobre o ato médico já existe, inclusive, uma lei tramitando no Senado, do senador Geraldo Althoff. Incentivamos o CFM e as câmaras técnicas aqui presentes que, juntamente com seus Conselhos, realizem resoluções desse tipo, porque, na minha opinião, a luta deve ser por aí: vamos ver se um dia o Congresso Nacional aprovará uma lei definindo o ato médico.

Quanto ao problema da remuneração, no Rio de Janeiro, copiamos, vamos dizer assim, a luta que foi encetada no Espírito Santo, com relação a uma lei que venha estabelecer autoridade ao Conselho para editar uma lista de preços mínimos para procedimentos médicos. Durante uma audiência pública na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro em que várias entidades se faziam presentes, entregamos esse projeto de lei ao deputado Paulo Pinheiro. Fizemos um certo lobby, conversamos com o presidente da casa e, no mês passado, tivemos a satisfação de ver a lei promulgada por unanimidade na Assembléia. Agora, vai à sanção do governador. Temos quase certeza de que ele irá assiná-la de forma até pomposa, porque, soubemos extra-oficialmente, iria convidar o Conselho de Medicina para esse ato.

Há cerca de uma semana, encaminhamos um parecer em relação a essa lei, pedido em caráter de urgência urgentíssima pela subsecretaria de governo. Claro que não havia como não nos posicionar de uma maneira totalmente favorável. Fizemos um arrazoado muito interessante sobre o tema, encaminhado por fax. Acreditamos que se trata de um indício de que o governador realmente vai aprovar a lei. Espero que outros Estados, como fizemos, copiem o que foi brilhantemente iniciado no Espírito Santo, e que tenhamos isso em nível nacional. É uma maneira de dificultar que os planos de saúde nos remunerem de maneira tão vil como agora.

Francisco José Caldeira Reis, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais

Inicialmente, abordarei a situação da prefeitura de Belo Horizonte, que está em greve: são dois mil médicos. Na realidade, a prefeitura sofre pela centralização de toda a região metropolitana, isto é, alguns municípios vizinhos bem populosos encaminham todos os seus pacientes para lá. Na mesma prefeitura, o piso salarial é de R$ 1.300,00, e estão sendo utilizados contratos administrativos em que o médico não tem direito a férias, fundo de garantia, não tem direito a absolutamente nada, para substituir os colegas que estão na lista de espera e poderiam ser nomeados, por serem concursados.

Há a intenção de implantar-se, na região metropolitana, o programa Saúde da Família, mas a dificuldade é muito grande, porque os colegas não aceitam que, depois de 20 anos de especialização – seja Pediatria, seja Ginecologia e Obstetrícia – passem a ser generalistas da noite para o dia. Um dos motivos da greve é justamente esse programa Saúde da Família – chamado de BH Vida, que seria implantado ‘goela abaixo dos médicos’, segundo a prefeitura.

Em relação ao Estado – que conta com cerca de 8.000 médicos – houve também um início de movimento grevista. Mas o secretário de Saúde, um general, parece ser mais sensível do que o médico, que é o nosso prefeito. Em um dia conseguiu resolver o problema da greve, dando aumento de 30% para os médicos do Estado. Esses 30% podem parecer muito, mas o piso salarial é R$ 300,00. Na FEMIG, que é um grande contratador, são R$ 600,00. É fácil dar um aumento assim, com salários tão baixos. E, na verdade, o Estado está devendo simplesmente R$ 100 milhões em investimentos na Saúde em 2001, de acordo com a emenda constitucional 19.

Em relação à distribuição de médicos, considero que se trata de um problema muito importante: metade dos médicos mineiros encontra-se na região metropolitana de Belo Horizonte. Embora nosso índice estadual seja de um para seiscentos, dentro da capital é de um para 250. Acredito que em São Paulo e Rio de Janeiro esse índice seja menor, se abordarmos apenas a região metropolitana. Essa centralização ocorre de uma maneira injusta porque, evidentemente, não se consegue fixar o médico no interior, com os salários que o Estado paga. Estamos com 250 municípios, ou seja, um quarto dos municípios de Minas Gerais, sem médico domiciliado. O médico vai lá, dá seu plantão e sai. Nem morar na cidade ele mora.

Até agora, falei em relação ao poder público, o maior contratador de médicos, mas há também o mercado privado. É fácil encontrarem-se plantões de fins-de-semana no mercado privado e até subplantões, quero dizer, sublocação de plantão. Também em termos privados, recentemente a Unimed abriu um concurso público para 300 vagas. Que, diga-se de passagem, achamos que deveria ser cooperativismo, uma coisa universal. De qualquer forma, está aumentando um pouco o mercado de trabalho.

Na minha opinião, nosso grande problema, realmente, é o grande número de faculdades de Medicina. Porque o mercado de trabalho está relacionado ao número de médicos, ainda mais com essa proporção de um para 250 na capital e um para 600, no interior. A tendência é piorar, como já foi mostrado. Minas Gerais está produzindo em série 1.200 médicos por ano, com 12 faculdades de medicina em funcionamento e com outras 11, em projeto de implantação. Quer se implantar escolas médicas em cidades de 150.000 habitantes, isto é, não há médicos nem para fazer parte do respectivo corpo docente. Parece que virou moda qualquer cidadezinha, que tem lá os seus 50 ou cem médicos, ter a sua faculdade de Medicina, por achar que tem pouco profissional lá.

Por exemplo, na Santa Casa de Misericórdia de Montes Claros, a solução inventada para combater o problema do SUS, que não paga o hospital, foi criar uma faculdade de Medicina para arranjar dinheiro. Imaginem! E nosso governador anterior falou que médico usa uniforme branco como o sal, porque é igual: tem à vontade. Então, pague-se pouco. Daí a pouco nosso uniforme branco vai ser confundido com o de pipoqueiro, de barbeiro e depois, talvez, até de motorista de táxi.

Wilde da Silva Neto, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Espírito Santo

Conforme vem sendo colocado, estou vendo que a nossa situação no mercado de trabalho é igual e a luta parece ser semelhante. Como somos neófitas em nosso conselho – com exceção do Dr. Celso Murá, nosso corregedor, vindo da área sindical – temos certa dificuldade com toda a parte associativa e, principalmente, com essa parte de mercado de trabalho.

Procuramos, então, estabelecer a união entre a Associação Médica e o Sindicato. O SIMES, Sindicato dos Médicos do Espírito Santo, inclusive, teve durante algum tempo como presidente nosso conselheiro federal Ricardo Batista. Essa parceria entre Sindicato e Associação nos trouxe algumas negociações razoáveis, porque começamos a entender que o médico tem que ter acesso aos políticos. Tudo o que foi colocado aqui, como a Lei de Honorários Médicos, portanto, ocorreu a partir desse entendimento que a classe médica Espírito Santo, unida, teve em busca de soluções para seus problemas.

No caso da Lei de Honorários Médicos, foi feita uma comissão com o Sindicato dos Médicos e a AMB. Fomos até os deputados e conseguimos aprovar por unanimidade, mesmo com o veto do governador. E esse veto aconteceu porque nós não conversamos com o governador, por não entendermos de lei e não sabermos da tramitação.

Nós não somos amigos do governador, nem amigos dos deputados, mas temos o acesso facilitado a eles e, também, ao poder judiciário. A partir desse entendimento, houve  melhor remuneração. E olha que nós já tivemos um governador médico – parece que, a exemplo do que acontece em todo o Brasil, os médicos não gostam de governador médico quando chega ao poder – que nos deixou sem 1% de aumento, mesmo depois de intensa negociação e presença maciça da FENAMA.

Agora, conseguimos 100% de aumento. O salário praticamente dobrou, com incorporação em 2003. Virou lei. E o pior de tudo é que justamente um deputado médico – tido pelos médicos como alguém que nada iria fazer, porque era dono de um plano managed care que foi à falência em Vitória – está ajudando a classe.

Sobre interdição ética: como não entendíamos nada, fomos até o Rio Grande do Sul aprender com o Dr. Becker e sua equipe de conselheiros a respeito de interdição. Depois, promovemos várias em nosso Estado, mas graças a Deus não foi preciso fechar ou interditar nenhum hospital tendo em vista que as demandas foram atendidas no prazo.

Viemos até São Paulo aprender com os conselheiros como agir nos casos de fiscalização. Contra a criação de escolas médicas, na lei de honorários, fizemos uma resolução apelidada como ‘resolução cachorrão’, pois veda o médico de dar aula em novas escolas médicas ou nas que tentem aumentar o número de vagas. Até hoje está dando certo.

Regina Ribeiro Parizi Carvalho, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.

Também vou fazer um resumo a respeito da visão do Cremesp sobre remuneração, mercado de trabalho e aquilo que entendemos ser o nosso papel. Estamos tentando trabalhar alguns pontos que consideramos fundamentais para regular essas questões, levando em consideração que São Paulo conta com 78.000 médicos e possui, hoje, uma relação de um médico para 470 habitantes. O que exige da liderança muito mais do que boa vontade.

Existe uma dificuldade concreta em se conseguir regular um mercado que tem tanto profissional disponível. Mas o Conselho buscou, principalmente, conhecer a realidade e criar instrumentos para as entidades médicas, inclusive da área associativa e sindical, elaborarem a proposição, na questão da negociação. Há aspectos fundamentais para você regular ou intervir nesse mercado e no problema da remuneração. Um deles, obviamente, são as escolas. Ainda mais em um Estado como o nosso, que já tem 23 escolas médicas, forma em torno de 3.000 profissionais ao ano, sendo que quase 30% desse total vêm de outras localidades, devido à forte atuação em capacitação e especialização.

Ainda na questão das escolas, duas intervenções realizadas no último ano foram muito importantes.  Numa dela, as entidades médicas junto aos deputados estaduais reformularam um projeto que Santa Catarina já tinha feito, adaptando-o à nossa realidade.  Esse projeto, aprovado pela Assembléia Legislativa por acordo de maioria, minimamente regula a abertura de escolas estaduais e mesmo federais, que devem reportar-se ao Conselho Estadual de Educação e Conselho Estadual de Saúde. Estas entidades avaliariam a abertura sob os pontos de vista da necessidade social e do projeto pedagógico da escola.  O projeto sofreu veto do governador – e aí a gente vê que não é uma questão geográfica, de partido ou profissão, porque nosso governador também é médico e presidente de Assembléia Legislativa – mas esse veto foi derrubado recentemente.

Tivemos atuação concreta na questão da UNIP, que queria a abertura de novas escolas em São Paulo: o Conselho Regional, juntamente com o Conselho Federal e com o AMB, entrou com uma representação no Ministério Público. Depois, fizemos um manifesto publicado em jornal de grande circulação – dessa vez, com todas as entidades médicas assinando. Há cerca de 20 dias, o Cremesp recebeu um edital encaminhado pelo próprio dono da UNIP, o Di Gênio, dizendo que estava suspendendo os vestibulares. Neste ano, óbvio. Não está, exatamente, abrindo mão dessas faculdades.

Papel de fiscalizar

Do ponto de vista do mercado, estamos atuando principalmente no sentido de conhecê-lo, pois entendemos que algumas negociações não são papel do Conselho. Nosso papel é fiscalizar. Dentro desse aspecto, fizemos uma pesquisa no Datafolha sobre o mercado privado, que mostra que está havendo diminuição de consultórios médicos, em função do congelamento dos honorários. As empresas não reajustam há cinco anos!

Mas no setor público, realmente, está havendo crescimento. Até diferente do que acontece no resto do Brasil, no Estado de São Paulo houve um aumento de empregos no setor público da ordem de 19%, a custa dos municípios. Uma das questões fundamentais, entretanto, se refere ao salário estadual: o governo, que é ainda o grande empregador, também mantém o salário sem reajuste.

Por fim só gostaria de falar sobre o Departamento de Fiscalização, que vem priorizando sua atuação na questão das condições de trabalho, o que gera as normas para melhorar essas condições.

Marco Antônio Becker, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul

A remuneração é um problema fundamental. O médico mal remunerado é um sério risco à saúde da população. Por quê? Porque a Medicina evolui, mas o médico mal remunerado não vai a congressos, não tem condição de comprar livros e publicações. Em conseqüência, torna-se obsoleto e quem sofre é a população. O médico despreparado é mais perigoso do que aquele atentado àquelas duas torres, porque age em cima de milhares de vidas.   

Está para sair a nova tabela da AMB e no, Rio Grande do Sul, preconizamos que não pode ser colocada de cima para baixo: realizaremos assembléias locais que decidirão quanto vai valer cada ponto – vai ser por pontuação, um tipo de CH. Porque, muitas vezes, a realidade de um Estado não é igual à de outro e a realidade de uma cidade não é idêntica à da vizinha. Uma vez que os médicos fixarem seus honorários em Assembléia, caberá ao conselho fixar o valor ao mínimo eticamente aceitável.

Não é mais possível que fiquemos seis anos com os valores dos honorários congelados. É inaceitável. Os custos aumentaram. Principalmente com relação aos médicos que trabalham sob forma de credenciamento, os custos de consultórios subiram 187% neste período. Os médicos nada receberam, mesmo se considerando que os convênios aplicaram aos usuários um aumento de 206%.

Considero que nós, dirigentes de entidades médicas, conselhos, sindicatos e associações, temos que, muitas vezes, parar de fazer retórica e agir em cima daquilo mais está aviltando hoje a classe médica, que é uma remuneração de tal forma que nos leva a  ser pisoteados e explorados pelos planos de saúde.

Edson de Oliveira Andrade, presidente do Conselho Federal de Medicina

Somos hoje cerca de 260.000 médicos registrados nos conselhos. Temos uma previsão de formação, hoje, de 8.000 a 10.000 médicos e, em questão de cinco anos, vamos estar produzindo, talvez, doze mil médicos. E ainda assim falta médico para prestar assistência à Saúde brasileira.

Temos 5.000 municípios, dos quais 1.000 não têm médico. Não é visitante, não têm médico mesmo! Mas também não têm advogado, engenheiro... Não têm prefeito ou vereador – pelo menos que preste – ou estrutura política, social e econômica capaz de justificar-lhe a existência.

Mas têm gente, e a existência dessas pessoas não só justifica, mas exige a prestação de assistência à saúde. Pois se não existissem essas pessoas que se dispusessem a morar em situações difíceis, este país não teria o tamanho que tem. Então, é preciso apoiar essa sociedade e dar-lhe uma resposta. Eu acho que os médicos, de alguma forma, se manifestam de maneira inequívoca. Para se dar uma idéia, no primeiro chamamento para um programa – que nada tem de perfeito, longe disso – gerado pelo Conselho Federal de Medicina, criado na busca de fazer frente a uma outra pressão, que é a importação de mão-de-obra barata cubana, compareceram quase dez vezes mais médicos do que o número de vagas.

Ainda assim, 41 municípios não conseguiram ficar com médico. Então parece que aquele comparecimento não era tão verdadeiro. Não é bem assim, se formos olhar os números de perto.

Em cinco municípios onde foram disponibilizados pelo Ministério dois médicos e um enfermeiro, os profissionais foram devolvidos pelo prefeito. E aí, não há planejamento ou proposta que possa sobreviver a um ‘samba do crioulo doido’ desses.  Porque a cidade não contava com ninguém, não tinha médico e o único gasto que o prefeito iria ter seria com a moradia desses trabalhadores.

Nesse contexto, não dá para se criar uma perspectiva de melhora. Nossa lei dos serviços públicos de Saúde prevê a municipalização. Com certeza, do ponto de vista da gestão, essa talvez seja a maneira mais correta de agir. Sob a ótica dos recursos humanos, com certeza não é. Estou convencido disso há muito tempo. Porque como uma prefeitura que não existe do ponto de vista real, concreto, é só uma ficção, vai poder atrair médicos? Jamais, não há possibilidades.

Falando-se de recursos humanos, portanto, é preciso repensar e modificar urgentemente tal modelo. Refiro-me ao sistema público de saúde, porque é o que interessa ao povo brasileiro. Aquele outro sistema em que todos nós estamos envolvidos, inclusive os médicos militantes, que é o suplementar, é importante para uma parcela de 30 milhões de pessoas, não para a maioria da população.

Tenho pela minha profissão imensa fé e esperança. Não existe profissão mais camaleônica. Com certeza, se pudéssemos ter vivido em outras épocas, não imaginaríamos estes momentos de dificuldades que nós passamos nos âmbitos de credibilidade, representação, inserção social. Mas a Medicina é uma profissão de sucesso e de progresso. Temos, não digo o que há de melhor na inteligência ou na juventude de um país. Mas boa parte do bom que há em uma sociedade.

Hoje, o imenso desafio está não só em saber diagnosticar e prescrever um tratamento, mas ser médico neste momento de transformação. São estas reflexões de alto padrão que vão, senão resolver os problemas, pelo menos começar a mostrar os caminhos que devemos trilhar para que esses problemas sejam solucionados. São muitos. Não existe receita, não existe um só tratamento. O que existe é uma imensa vontade de todos nós de modificar essa situação. Mais do que vontade, necessidade. Porque é questão de sobrevivência.

Perguntas da platéia

1) O lobby dos hospitais é o responsável pelo aumento dos custos da saúde e os honorários médicos são, com isso, prejudicados. Como conciliar essa equação?

Não acredito que seja só o lobby dos hospitais. Acho que hoje a responsável pelo aumento dos custos da saúde é a pressão da indústria farmacêutica e da indústria de equipamentos, além do progresso da Medicina, com muitos procedimentos novos, de acesso a todos os pacientes. Os hospitais são mais organizados e fortes para exercer pressão em cima dos planos de saúde.  Na verdade, o que precisamos é também pressionar bastante os planos de saúde, para que se possa resolver essa questão.

2) Qual a dificuldade de se implantar o credenciamento universal? Acreditamos que essa medida regularia o mercado e, naturalmente, ordenaria a relação com a Medicina de grupo.

(Dr. Becker) Dizem aqueles que fazem o cálculo atuarial que, quanto mais médicos trabalharem num convênio, mais gastos terão. Não sei se é verdade. Conceitualmente, responderei que achamos que o mais ético é o credenciamento universal. Só que as medicinas de grupo dizem ‘puxa, vocês têm uma cooperativa que não faz isso, por que nós iremos fazer? Está na hora de as cooperativas realmente colocarem os médicos inscritos em seus conselhos para trabalhar dentro daquilo chamamos de ‘nossa’, que é a nossa cooperativa. Se é nossa, não pode haver exclusão. Uma vez dentro da cooperativa, tenho certeza de que os outros planos também aderirão.

3) O médico contratado pela CLT e com carteira assinada tem que trabalhar 20 ou 24 horas semanais?

(Dr. Erivalder) A lei 1999 diz que o médico CLT do setor privado tem que trabalhar vinte horas semanais. Tudo o que exceder será considerado hora extra. Entretanto, o setor público tem a sua forma própria de contratação e de formular a legislação. Logo, o Estado e o Município podem, inclusive com legislação própria, fugir a essa regra.

4) Gratificação não é salário? O piso da prefeitura municipal de São Paulo é de R$ 720,00. Se o médico adoecer e sair de licença, ele perde. Se afastar-se para um congresso, terá a gratificação descontada...

Isso é verdade. Trata-se de uma modalidade que as prefeituras e os Estados de todo o país têm adotado, no sentido de fugir da sua responsabilidade. Por exemplo, o Estado de São Paulo paga como salário-base, hoje, R$ 220,00 e R$ 250,00 e o resto é gratificação. Se o médico sair e se aposentar, perderá tudo. A prefeitura do Município de São Paulo idem e outras prefeituras também fazem a mesma coisa. Reverter esse quadro deve ser uma luta incessante de todas as entidades médicas.

5) O plantão a distância é remunerado em apenas seis especialidades. Há outras, porém, que deixaram de dar plantão e não retornarão enquanto não houver remuneração. Isso é correto ou seriam esses médicos obrigados a manter uma escala de cobertura, enquanto correm as negociações?    

(Dr. Noronha) Nenhum médico pode trabalhar de graça, é a primeira coisa. Agora, se ele está trabalhando de graça e houver um problema nesse sentido no hospital em que ele atua, deve pedir demissão e aí não terá obrigação de atender. Na minha opinião, se não pede demissão tem que se organizar juntamente com a equipe de mesma especialidade e negociar a remuneração, mas não deixar de prestar o atendimento. Os pacientes não podem deixar de ser atendidos. Os atendimentos têm que ser feitos.

6) Como manter a qualidade de atendimento com o honorário defasado?

(Dra. Regina) Acho que não tem condição. Essa pergunta, no entanto, é muito aberta. A resposta se transformaria mais em discurso do que em algo concreto.  A luta pela atualização e reformulação da tabela – inclusive, a AMB vem fazendo uma nova proposição – talvez seja a resposta concreta. Tanto reformular a metodologia da tabela, quanto valorizá-la é um papel nosso como conjunto. 

(Dr. Florisval) Creio que é preciso discutir-se profundamente essa questão com a sociedade, nossa parceira com relação à regulamentação dos planos de saúde, por exemplo. Discutir as circunstâncias e as nossas dificuldades para o exercício profissional dentro da atual conjuntura política e social.

7) Tanto para o CRM, quanto para a APM. Deveriam ser feitas auditorias junto com a Agência Nacional de Saúde (ANS)?

(Dra. Regina) Eu, particularmente, não concordo. Sou da Câmara de Saúde Suplementar e acho que há tarefas que a gente não deve fazer para a Agência. Não é nosso papel. Considero até que o Conselho tem, inclusive, o papel de fiscalizar instituições como a Agência e as normatizações emitidas por ela. Tanto é que o Conselho se manifesta claramente contra ou a favor ou com alguns questionamentos, em relação às medidas que a Agência toma. A Agência é reguladora do mercado. Nós, do exercício profissional.

(Dr. Florisval) A Agência Nacional de Saúde não solucionou o problema principal, que é o conflito entre as operadoras de planos de saúde e usuários. Não conseguiu encontrar soluções. Ao contrário: suas resoluções têm privilegiado o interesse das operadoras e esse é um problema político concreto que se vive. Penso que o papel das entidades é fazer uma vigilância política junto às decisões da ANS denunciar isso para a sociedade. Essas circunstâncias só se modificam com a ação da sociedade como um todo e não, exclusivamente, da classe médica.

8) Qual é a dificuldade de se estabelecer, em nível nacional ou regional, o preço vil de trabalho médico, consulta, procedimento? Feito isso, por que não excluir do exercício profissional o colega que for pego deixando de obedecer a esse piso? Acreditamos que essas medidas, naturalmente, ajudariam a regular o mercado.

(Dr. Edson) Muito pelo contrário. Dentro da lógica de mercado isso é impossível. A grande dificuldade de se estabelecer preço vil, principalmente por parte dos Conselhos de Medicina, é porque eles têm sobre os seus membros um caráter coercitivo. Os associados da Associação Médica Brasileira, por exemplo, não devem obediência à Associação Médica Brasileira. Uma norma, uma resolução do Conselho não obedecida suscita a penalização ética. Quer dizer, até a cassação como está sugerida aqui.

Agora imaginem: o CADE, que é um órgão regulador, entende que a tabela da AMB – que ninguém consegue impor no Brasil da forma que nós gostaríamos – é um cartel. Imaginem se fizer uma resolução nesse sentido. Obviamente, o valor do trabalho médico é uma discussão que não se resolve com resolução e sim com luta, competência, capacidade organizativa e de fazer frente a essas pressões. E nunca será uma vitória completa, porque é um jogo de força.

9) Existe algum projeto no CFM para realizar o exame similar àquele realizado para a inscrição nas ordens de advogados?

(Dr. Edson) Isso não é novo. Aqui em São Paulo e em vários outros locais do Brasil, num determinado momento houve um forte apelo nesse sentido.

No CFM não existe a idéia de implantação, mas também não existe a falta de vontade de discutir. Consta da programação do próximo Encontro Nacional, realizado em Manaus, essa abordagem sobre o exame de ordem. Não com a idéia de implantá-lo, mas para ouvir as experiências de quem realiza. A maior, lógico, é a OAB, mas não é a única.

Só que nós iremos única e exclusivamente discutir o resultado do problema, e não a causa. A minha impressão é que se criássemos esse exame e, de repente, o resultado fosse um contingente imenso de médicos formados, mas não habilitados ao exercício profissional, iríamos ter médico explorado pelo médico. Muito mais do que nós temos hoje. Todas as periferias das capitais iriam ficar cheias de bagrinhos trabalhando para colegas inescrupulosos, que fariam o carimbo para dizer que realizaram o atendimento. Talvez não seja o caminho.

10) Como fica a situação do médico que faz parte de cooperativa médica em fase de liquidação e fechamento?

(Dr. Edson) É muito simples, ele é dono, vai ter que pagar. Retirando-se aqueles bens que não possam ser arrestados, como a casa própria, os outros vão entrar no bolo. Como o apartamento na praia ou serra. Não tem saída. Não é de graça: cooperativa médica precisa ser encarada pelos seus cooperados como sendo donos e responsáveis.

Depois, a gente vira as costas e fica cobrando responsabilidade dos outros. Não que aqueles que estejam dirigindo não tenham responsabilidade, mas dizer que nós cooperados, donos, não temos responsabilidade pela situação, também não é verdade. Seja em São Paulo, Amazonas, Acre... Quem deixa acumular dívidas sem ter a responsabilidade de tomar conta das contas, tem que pagar. Não tem esse negócio de dar calote.

Encerramento

Regina Parizi, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo

Gostaria de registrar a honra do Conselho Regional de Medicina de São Paulo em poder sediar este encontro das nossas entidades coirmãs da Região Sul/Sudeste. Que, diga-se de passagem, não ficou limitado a essas regiões. Tivemos, inclusive, a participação de quase todos os Conselhos do Brasil, contando também com uma presença importante de diretores clínicos e comissões de ética médica. O nosso desejo era mesmo fazer um encontro com essa dimensão, porque pela primeira vez é realizado aqui no Estado de São Paulo.

Agradeço os elogios e congratulações dos colegas presidentes de entidades, conselheiros e funcionários da casa. Gostaria também de deixar aqui o registro do meu agradecimento ao Dr. Edson (de Oliveira Andrade). Sei que o deslocamento não é fácil. Registro também o compromisso renovado com as entidades que, com todo o sacrifício, fizeram-se aqui representar.

Tenho a certeza de que conselheiros, delegados, funcionários e, principalmente, colegas diretores clínicos e de comissões de ética reconhecem o empenho e a participação que os Conselhos vêm tendo em nível nacional. Não só naquilo que lhes é atribuição particular – do registro, da norma, da fiscalização – mas na questão mais geral de uma política por melhores condições de trabalho e de atendimento à população. Espero que esse encontro, realmente, tenha preenchido a todas as expectativas.

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