Consulta nº 114.073/06
Assunto: Qual o limite de interferência de uma auditoria médica na criação de regras, dentro da própria seguradora. 1) liberação de senha após a segunda opinião; 2) negativa de liberação de senha; 3) liberação de senhas incompletas.
Relator: Conselheiro Antonio Pereira Filho.
Ementa: O mecanismo da segunda opinião médica é usual em todo mundo e em si não é antiética. Havendo divergência entre a primeira e a segunda opinião, o ideal é recorrer a uma junta médica com a participação de um terceiro expert escolhido de comum acordo entre médicos que emitiram as opiniões divergentes. Se o auditor não concordar com uma indicação cirúrgica ou com uma codificação de cirurgia feita pelo médico assistente, não está ferindo a ética médica apenas por discordar. A colecistectomia por via videolaparoscópica e a herniorrafia umbelical são duas cirurgias distintas, não sendo a herniorrafia umbelical tempo da colecistectomia. Para não autorizar a herniorrafia umbelical, o auditor deve proceder à perícia, e em constatando a hérnia umbelical deve entrar em contato com o médico solicitante e com ele discutir os achados da perícia.
O consulente, Dr. N.S.L., pergunta ao CREMESP qual o limite de interferência de uma auditoria médica na criação de regras, dentro da própria seguradora.
Neste sentido, pergunta:
"Pergunta 1) Liberação de senha após a segunda opinião:
Sabemos que por força contratual, muitas empresas e seguros lançam este artifício para se protegerem de indicações cirúrgicas duvidosas e gastos exorbitantes com materiais.
Teremos perda de autonomia dos médicos no tratamento de seus clientes?
Dualidade de condutas entre médico titular e médico da seguradora com demora no tratamento a ser seguido e incredibilidade nos médicos da própria rede por eles formado?
Por que a seguradora não confia nos próprios médicos que ela mesma credenciou?
Será que o paciente não abalará a confiança necessária em seu médico quando for convocado para uma segunda opinião e isto não fará diferença num tratamento mais longo, com intercorrências clínicas como nas cirurgias oncológicas ou cardíacas? Isto não trará desgaste, mais pressão e fragilidade sobre o médico titular como estar sempre "pisando em ovos"?
A auditoria médica não é capaz de reconhecer fraudes e promover descredenciamento por justa causa? Isso não evitará que outros o façam
Em paciente ansioso que devem ser submetidos a tratamentos não o façam desistir, agravando o caso?
Quem se responsabiliza por erros de condutas? A seguradora ou o médico da segunda opinião?
Será que o médico da seguradora não pode ganhar tempo em indicar cirurgia de outro para depois operar este cliente futuramente? Isto é ético?
Será que o paciente não achará sempre um médico que falará aquilo que ele gostaria, como adiar uma cirurgia?
Será que a seguradora não forçará ou pagará bem a seus médicos da segunda opinião para fazer seu jogo em prejuízo de outros?
Não deveria existir este sistema apenas para casos com gastos excessivos com descartáveis e não para procedimentos simples como herniorrafias umbelicais?
Este sistema não poderia ser obrigatório se o paciente não quiser, apenas em casos que envolvam gastos altos?
Existem escolas com tratamentos diferentes para mesma doença. Alguns são mais conservadores e outros mais intervencionistas, mas não cabe ao médico se responsabilizar pelos seus atos, pela sua formação, literatura e constante estudos?
Será que os médicos auditores têm a mesma experiência de quem vive o dia-a-dia de consultórios e ambulatórios?
As fraudes em indicações para se realizar outros procedimentos como plásticas não podem ser autuadas por uma auditoria hospitalar?
Pergunta 2) Negativa de liberação de senha:
Quando pedido senha com antecedência não justifica atrasos propositais, deixando para a "última hora", desgastando pacientes e médicos.
Recusa de diálogo entre auditoria e o médico responsável, usando sempre terceiros que não são médicos.
Sem ver o paciente, baseando-se apenas nos exames e relatórios, que muitas vezes não são poucos, ocorrendo a negação, deixando o paciente e o médico sem saída. Um exemplo seria pacientes com DRGE (doença do refluxo gastro-esofágico alto), sem melhora com tratamento clínico; endoscopia sem esofagite importante ou hérnia de hiato, mas com laringe posterior; clínica forte de tosse ou falta de ar, sufoco noturno etc; ph metria muitas vezes duvidosas; manometria alteradas ou normais; EED normais ou não; tratado o mesmo por 6 meses ou mais com todas as recomendações seguidas com pouca melhora; afastadas outras causas e avaliada por otorrinos e pneumologistas e mesmo assim não são liberadas as senhas para a cirurgia.
Quem se responsabiliza pelo ato médico e por um procedimento negado? A segunda opinião funcionaria? Até onde estaremos quebrando o vínculo de confiança entre paciente e médico, e isto estaria causando dúvidas, e se um imprevisto cirúrgico ocorrer não gerará problema maiores?
Demora na liberação até forçar a ida do paciente para o hospital com melhor acordo ou mais barato.
Pergunta 3) Liberação de senhas incompletas:
Quando solicitado 2 procedimentos como colecistectomia e herniorrafia umbelical, eles liberam apenas a colecistectomia, pois afirmam que são a mesma via. Mas eles têm que pagar, pois foram realizados 2 atos médicos, apesar de termos descrito em prontuários e com envio de anatomopatológico. A alegação da seguradora é de que os médicos criam procedimentos para se ganhar mais. Não existe auditoria para verificar prontuários e exames pós-operatórios?
Por que não é mandado por escrito a orientação de que não será mais pago estes procedimentos conjugados?
PARECER
Após análise criteriosa dos presentes autos, por este parecerista, bem como pela Câmara Técnica de Auditoria deste Regional, temos a responder pontualmente as questões apresentadas pelo consulente:
Resposta 1) O mecanismo da segunda opinião médica é usual em todo mundo e em si não é antiética. Pode ser pedida pelo médico, pelo paciente ou pela fonte pagadora, seja ela qual for. O médico emissor da segunda opinião é responsável civil e eticamente por ela. Havendo divergência entre a primeira e a segunda opinião, o ideal é recorrer a uma junta médica com a participação de um terceiro expert escolhido de comum acordo entre médicos que emitiram as opiniões divergentes.
Resposta 2) Se o auditor não concordar com uma indicação cirúrgica ou com uma codificação de cirurgia feita pelo médico assistente, não está ferindo a ética médica apenas por discordar. Entretanto, deve entrar em contato com o médico que indicou a cirurgia e cordialmente com ele discutir tecnicamente o caso à luz da literatura médica que aborda o assunto em discussão.
No caso do refluxo gastro-esofágico citado pelo consulente, há diretriz publicada pela AMB/CFM e elaborada pela Federação Brasileira de Gastroenterologia. A diretriz está disponível no site www.cfm.org.br com o título: "Refluxo gastro-esofágico - Diagnóstico e Tratamento".
Resposta 3) Entendemos que a colecistectomia por via videolaparoscópica e a herniorrafia umbelical são duas cirurgias distintas, não sendo a herniorrafia umbelical tempo da colecistectomia. Para não autorizar a herniorrafia umbelical, o auditor deve proceder à perícia, e em constatando a hérnia umbelical deve entrar em contato com o médico solicitante e com ele discutir os achados da perícia.
Este é o nosso parecer, s.m.j.
Conselheiro Antonio Pereira Filho
APROVADO NA 4.218ª REUNIÃO PLENÁRIA, REALIZADA EM 14.06.2010.