Consulta nº
104.152/03
Assunto: Médico que atende pelo SUS e/ou convênio, indicar cirurgia como tratamento e realizá-la somente particular.
Relator: Conselheiro José Marques Filho.
A presente Consulta foi formulada a este Regional por médico atuante em nosso Estado solicitando parecer em relação a seguinte situação:
"vem mui respeitosamente solicitar uma atenção a um pequeno caso. O médico atende ambulatório pelo SUS (Sistema Único de Saúde), faz diagnóstico de varizes em MMII em um paciente, indica cirurgia eletiva como parte do tratamento, porém relata ao paciente que não realiza cirurgia pelo (SUS).
Ou ainda, médico atende em consultório, paciente com convênio, realiza o mesmo procedimento, mas não realiza cirurgia pelo convênio.
Pode este médico realizar este trabalho cirúrgico particular? Ou mesmo é obrigado a realizar a cirurgia pelo SUS ou convênio?
PARECER
O questionamento formulado pelo consulente poderia, de forma simples e pragmática, ser respondido que a conduta a ser seguida depende das normas e regras acordadas entre o médico e o seu contratante, sendo este o Estado (SUS) ou empresas de prestação de serviços na área da saúde.
Entretanto, entendo que as questões aqui discutidas merecem reflexão e maior aprofundamento teórico, à luz da ética e da visão holística da prática da arte e ciência médica.
Nenhuma novidade há no fato que a prática médica ter mudado radicalmente nas últimas décadas devido a uma multiplicidade de fatores. A relação médico-paciente, assim como outras relações humanas, tem sofrido o impacto, as vezes desastroso do enorme avanço tecnológico, da influência da mídia, da mercantilização progressiva das atividades profissionais, etc.
O médico, autêntico profissional liberal há algumas décadas, foi obrigado a se adaptar às circunstâncias e às mudanças da prática profissional. Provavelmente o fator que maior impacto teve na relação médico paciente foi a introdução nesta relação da figura do intermediário, sendo este o próprio estado ou empresas prestadoras de serviços na área de saúde.
O grande combate que temos travado nas últimas décadas é que tal situação não contamine a relação médico paciente. Tal tarefa, de hercúleas proporções, tem levado bioeticistas a investirem esforços e tempo, tentando demonstrar, que a ausência desta relação saudável, inviabiliza a prática médica de qualidade, desejo de todos nós.
Para Sir Willian Osler "A prática da medicina é uma arte não um consorcio; um chamamento, não um negocio; um chamado no qual nosso coração deve ser usado tanto quanto nossa cabeça."
Vale a pena neste ponto da discussão tentarmos imaginar como ficaria a relação médico paciente, sendo informando a este por aquele que há indicação de um procedimento cirúrgico, porém que este procedimento só seria realizado sob a forma de remuneração privada.
Há, nos parece, uma total inversão de valores éticos e morais nesta proposta.
Se o paciente concordar e houver qualquer imprevisto ou complicação no ato cirúrgico? Como ficaria a relação médico paciente?
Estes fatos aqui colocados não são meras elucubrações teóricas, são realidades do dia a dia da prática médica.
O acúmulo de situações como a acima referida tem levado a uma distorção por parte da sociedade do verdadeiro sentido da prática médica.
Finalmente, acreditamos que seja absolutamente legítima a busca por melhores condições de trabalho e de remuneração para uma prática profissional digna. Esta tem sido a luta de todos nós nas últimas décadas.
A prática médica, a rigor e de forma ideal, só deveria ocorrer nos locais que apresentassem condições mínimas para a prática integral, e não fragmentada, de determinada especialidade médica.
Este é o nosso parecer, s.m.j.
Conselheiro José Marques Filho
APROVADO NA 3.074ª REUNIÃO PLENÁRIA, REALIZADA EM 30.01.2004.
HOMOLOGADO NA 3.077ª REUNIÃO PLENÁRIA, REALIZADA EM 03.02.2004.
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