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PARECER Órgão: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo
Número: 152815 Data Emissão: 19-04-2016
Ementa: Frente ás peculiaridades envolvidas na situação analisada, não é conveniente permitir a quebra de sigilo relacionada à Reprodução Assistida (R.A.), tendo em vista que os riscos psicossociais a todos os envolvidos e a imprevisibilidade das reações humanas não suplanta os benefícios que poderão advir.

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Consulta nº 152.815/15

 

Assunto: Sobre a quebra de sigilo relacionada à Reprodução Assistida (R.A.)..

Relatores: Conselheiro Antonio Pereira Filho, Dr. José Marques Filho, Coordenador da Câmara Técnica Interdisciplinar de Bioética  e Dr. Marco Aurélio Guimarães, Membro da Câmara Técnica Interdisciplinar de Bioética.


Ementa: Frente ás peculiaridades envolvidas na situação analisada, não é conveniente permitir a quebra de sigilo relacionada à Reprodução Assistida (R.A.), tendo em vista que os riscos psicossociais a todos os envolvidos e a imprevisibilidade das reações humanas não suplanta os benefícios que poderão advir.

 

O Dr. V.O.A.M.F. de hospital da cidade de São Paulo encaminha consulta sobre a possibilidade de autorizar contato de paciente que utilizou técnica de reprodução assistida compartilhada, da qual resultou um filho próprio com seu marido e por doação de gametas (óvulos), tendo outros dois filhos gerados a partir de seus óvulos (e sêmen de doador anônimo) por paciente originária de outro país, que faleceu recentemente deixando as crianças órfãs, sem parentes interessados na guarda, residindo em lar transitório até adoção definitiva. Fato peculiar advém de que a doadora, que ignora os fatos descritos, procurou a mesma instituição para tentar nova gestação por reprodução assistida, sendo informada de que não é mais possível o procedimento devido à sua idade fora do padrão estabelecido na Resolução CFM no 1.957/2010. O Dr. V.O.A.M.F. recebeu o questionamento por instituição legal do país da mãe gestacional falecida sobre a possibilidade de estabelecer contato entre a doadora dos óvulos e as crianças, sem cobrança de tutela ou adoção, ou ainda de fornecer dados biológicos sobre esta doadora - sem revelação de identidade - que possam auxiliar no histórico das crianças para adoção.

PARECER

Trata-se de um caso peculiar que potencialmente envolve a quebra de sigilo de doadores de gametas para procedimentos de reprodução assistida (RA). Porém, mais do que isso, toca fundamentalmente na possibilidade da ruptura do sigilo médico profissional.

O Código de Ética Médica (2009) coloca, em seu Capítulo I - Princípios Fundamentais, item XI: "O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei", assim como no seu Capítulo IX - Sigilo Profissional - É vedado ao médico: Art. 73 - Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente".

Inicialmente, a possibilidade de que duas crianças, vivendo em outro país, cuja mãe gestacional faleceu, sejam destinadas à adoção pela ausência de familiares interessados em sua guarda, tendo a mãe genética (doadora dos óvulos) interessada em ter outro filho aqui no Brasil, sem poder viabilizar este desejo, causa uma reação emocional que poderia induzir à viabilização da quebra do sigilo - neste caso específico - sobre o anonimato da doação de gametas, permitindo o contato da doadora com os filhos biológicos.

Segre e Cohen, na obra "Bioética" de 1999 colocam que: "Eticidade está na percepção dos conflitos da vida psíquica (emoção X razão) e na condição que podemos adquirir, de nos posicionarmos, de forma coerente, face a esses conflitos". No caso em pauta, o apelo emocional da situação é claro. Contudo, há que se considerar uma análise racional dos fatores associados para se chegar à uma conclusão coerente.

Primeiramente, há que se alertar que o consulente coloca que a paciente que doou os óvulos que originaram as duas crianças gestadas por outra mulher deseja ter outro filho, mas que tem idade fora do padrão estabelecido pela Resolução CFM nº 1.957/2010. Esta resolução não se encontra mais em vigor, pois foi substituída pela Resolução CFM nº 2.013/2013, que ainda impunha critérios de restrição com relação à idade da mulher a gestar utilizando técnicas de (R.A.). Mais recente esta última resolução também foi substituída, agora pela Resolução CFM nº 2.121/2015, que tem como modificação notável em relação às anteriores o fato de nos seus Princípios Gerais, coloca nos itens 2 e 3 que a idade máxima das candidatas à gestação de (R.A.) é de 50 anos, mas que as exceções ao limite de 50 anos para participação do procedimento serão determinadas, com fundamentos técnicos e científicos, pelo médico responsável e após esclarecimento quanto aos riscos envolvidos.

Ou seja, a idade da paciente isoladamente não é fator impeditivo absoluto para gestação por (R.A.), cabendo uma análise de riscos X benefícios por parte do profissional médico responsável.

A Resolução CFM nº 2.121/2015 coloca também, de forma clara na sua - Parte IV - Doação de gametas e embriões, ítem 4, que: "Será mantido, obrigatoriamente, o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, informações sobre os doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do(a) doador(a)".  Assim, a única motivação para quebra do sigilo na (R.A.) seria a motivação médica, com trânsito de informações de caráter biológico, sem revelação de identidades.

O caso em análise, porém, não tem previsão na resolução CFM nº  2.121/2015 e coloca em jogo interesses de uma mãe biológica doadora de gametas cujos óvulos geraram duas crianças agora órfãs em outro país e com destino judicial incerto, sendo o mais provável a adoção por pessoas não-relacionadas. O interesse dessa doadora em ter outro filho e estar tecnicamente impedida parece acentuar a sensibilidade do fato.

A única menção na Resolução CFM nº 2.121/2015 que permitiria uma analogia, ainda que distante com o fato em discussão, também está na parte IV - Doação de gametas e embriões, item 9, que coloca "É permitida a doação voluntária de gametas masculinos, bem como a situação identificada como doação compartilhada de oócitos em RA, em que doadora e receptora, participando como portadoras de problemas de reprodução compartilham tanto do material biológico quanto dos custos financeiros que envolvem o procedimento de RA. A doadora tem preferência sobre o material biológico que será produzido".

Nessa linha de raciocínio, os doadores dos gametas que geraram as crianças teriam preferência em decidir seu futuro.

Contudo, a Resolução CFM nº 2.121/2015 coloca o termo "material biológico que será produzido". Assim, de uma forma reducionista-biologicista não aborda a condição humana dos seres gerados no procedimento. Não que esta fosse a função precípua da resolução ou dever de seus autores no momento em que foi criada, mas abre a possibilidade de se pensar em inserções bioéticas em resoluções futuras, mesmo que iminentemente técnicas. Ou seja, trata-se aqui de uma análise não de "material biológico", mas de seres humanos - especificamente crianças - com "VIDA" em um sentido muito mais amplo e complexo do que a do conceito de material biológico.

Mas outros pontos devem também ser pensados. Apesar de a doadora dos óvulos ser a mãe biológica das crianças - agora órfãs de sua mãe gestacional - existe o elemento masculino a ser considerado. Estas crianças foram geradas a partir de espermatozóides provenientes de um banco de sêmen, também de doador anônimo.

A paciente doadora dos óvulos tem o desejo manifesto de nova maternidade, mas segundo as informações do caso, seu primeiro filho foi gerado com espermatozóides de seu parceiro (marido). A revelação de que tem dois filhos biológicos, mas originados com espermatozóides de outro homem, pode introduzir um fator complicador no seu relacionamento com o seu parceiro atual (marido). Não há como garantir que o mesmo aceitará arcar com a paternidade social de duas crianças que biologicamente são filhos de sua parceira (esposa), mas não seus. Isso tem um potencial desagregador imprevisível no relacionamento do casal, inclusive com repercussões sociais.

Ainda que o parceiro (marido) aceite bem a situação, a simples revelação da existência das crianças à mãe biológica, ainda mais na situação de órfãs da mãe gestacional, pode inserir um drama psicológico à vida desta mulher que não foi nem sequer cogitado quando da doação dos gametas. Isto pode ter consequências imprevisíveis à sua vida afetiva, emocional e social. Arrependimento e sensação de impotência frente à irreversibilidade da doação realizada no passado são possíveis, mesmo que não necessariamente prováveis. Não há mesmo como antever se a mesma gostaria de saber sobre o destino dos seus gametas doados.

Mesmo na possibilidade otimista de que a doadora dos óvulos administre bem todas estas variáveis, as crianças em discussão, na infeliz situação de orfandade, também têm que ser pensadas como seres individuais participantes do processo. Neste caso não se trata de discutir o destino de material biológico, embriões ou recém-nascidos, mas de crianças que, ainda em tenra idade, são dotadas de individualidade e emoções. Vivem e são educadas em outro país, com língua, costumes, clima e tanto outros vínculos distintos do Brasil.

É difícil prever como reagiriam ao fato de,subitamente, além da perda da mulher que reconheciam como mãe, passassem por uma mudança sócio-cultural-afetiva tão grande. O processo tem consequências inevitáveis, positivas e negativas, mas que não podem ser mensuradas no presente para se ter um mínimo de segurança sobre quais preponderações.

Também não há como antever suas reações futuras ao saber que são produto de (R.A.), com sua mãe biológica tendo doado óvulos a uma mulher de outro país, com pai anônimo (doador de sêmen) e se administrariam isso sem consequências prejudiciais a longo prazo.

Mesmo cogitando que se optasse por manter estas informações em segredo com vistas à não-maleficência a estrutura emocional das crianças, deve-se pensar na adaptação da família (mãe biológica, seu marido e o filho do casal) à dois indivíduos que, mesmo em desenvolvimento, são estranhos sociais, culturais e morais.

Deve-se pensar também que, no caso de se autorizar a quebra do sigilo aqui no Brasil, mas o destino das crianças envolvidas já tenha sido definido legalmente no país em que residem (adoção por família não-relacionada), a revelação dos fatos poderia desencadear um processo judicial internacional, caso a doadora dos oócitos viesse a desejar a guarda definitiva daqueles que são, biologicamente seus filhos.

A abertura desse precedente ético de quebra de sigilo em (R.A.), cujo conteúdo ao se tornar público no momento de sua divulgação à classe médica, pode ocasionar que outros doadores de gametas, homens ou mulheres, venham a pleitear conhecer o destino tomado por seus gametas após sua utilização em (R.A.). Isto, na prática, relativizaria o sigilo em (R.A.).

Ainda que a instituição legal do país da mãe gestacional falecida tenha questionado o médico responsável pelo procedimento de (R.A.) sobre a possibilidade de estabelecer contato entre a doadora dos óvulos e as crianças, sem cobrança de tutela ou adoção, ou somente fornecer dados biológicos sobre esta doadora, sem revelação de identidade, com o intuito de auxiliar no histórico das crianças para adoção, estas solicitações não encontram respaldo na Resolução CFM no 2.121/2015. Destarte, não podem ser atendidas.

CONCLUSÃO

Frente às peculiaridades envolvidas na situação analisada, não é conveniente permitir a quebra do sigilo relacionado à (R.A.), tendo em vista que os riscos psicossociais a todos os envolvidos e a imprevisibilidade das reações humanas não suplanta os benefícios que poderão advir. A prudência neste dilema bioético deve prevalecer, principalmente em vista das consequências, tanto para os envolvidos no fato em si, como para toda a classe médica brasileira.


Os motivos para a solicitação de quebra de sigilo em (R.A.), por parte de instituição legal de outro país, não encontram respaldo no Código de Ética Médica, pois não se caracteriza como exceção prevista em lei, motivo justo ou dever legal, assim como não há motivos médicos para a solicitação conforme previsão da Resolução CFM no 2.121/2015.


Assim, é meu parecer que seja informado ao médico consulente sobre a impossibilidade de fornecer as informações solicitadas pela instituição legal estrangeira, com base no dever do sigilo profissional previsto pelo Código de Ética Médica e na Resolução CFM no 2.121/2015.

 

Este é o nosso parecer, s.m.j.

 

Conselheiro Antônio Pereira Filho.


APROVADO NA REUNIÃO DA CÂMARA TÉCNICA INTERDISCIPLINAR DE BIOÉTICA, REALIZADA EM 10/12/2015.
APROVADO NA REUNIÃO DA CÂMARA DE CONSULTAS, REALIZADA EM 15.04.2016.
HOMOLOGADO NA 4.719ª  REUNIÃO PLENÁRIA, REALIZADA EM 19.04.2016.

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