Consulta nº 74.783/14
Assunto: Sobre a lavratura de boletim de ocorrência para todo paciente que tenta suicídio, mesmo em casos de intoxicação leve e benzodiazepínicos, por exemplo.
Relatora: Conselheira Kátia Burle dos Santos Guimarães.
Ementa: O segredo médico deve ser mantido em situações nas quais haja tentativa de suicídio. Abertura de boletim de ocorrência, na situação relatada, sem que haja induzimento, instigação ou auxílio, não é procedimento médico.
O consulente Dr. M.A.A. solicita parecer do CREMESP sobre hospital que orienta ao médico abrir um boletim de ocorrência para todo paciente que tenta suicídio, mesmo em casos de intoxicação leve, benzodiazepínicos, considerando a possibilidade de a família alegar “constrangimento” pela presença do policial in loco.
PARECER
Fundamentando-se nos pareceres exarados em 10 de fevereiro de 1980, da lavra do Dr. Antonio Carlos Mendes – Assessor Jurídico, cujo assunto é “Segredo Médico”, e em 27.08.1980, aprovado na 1.405ª Reunião Plenária, da lavra do Conselheiro Wilson Rubens Andreoni, cujo assunto é “Fundamentos do Segredo Médico”, emitiremos nosso parecer em relação a questão formulada pelo consulente.
Segundo o Código de Ética Médica, Resolução CFM nº 1.931/2012, é dever do médico assegurar o sigilo ao seu paciente, conforme consta do Capítulo IX, em especial o artigo 73, que rege:
CAPÍTULO IX
SIGILO PROFISSIONAL
É vedado ao médico:
Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.
Parágrafo único. Permanece essa proibição:
a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido;
b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento;
c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.
No caso de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, o médico está sujeito às regras do art. 66, II, da Lei de Contravenções Penais. Todavia, não basta que haja a consumação do suicídio para obrigar o médico a comunicar o crime de induzimento, instigação ou auxílio, porque, caso contrário, não se instaura o dever legal cuja omissão é punida pela Lei de Contravenções Penais. Observa-se, ainda, que o suicídio não é considerado crime pela nossa lei penal, mas sim o induzimento, a instigação ou o auxílio.
Desta maneira, incorrendo o induzimento, a instigação ou o auxílio, a constatação do suicídio não é razão bastante para instaurar o dever de comunicar crime de ação pública incondicionada pelo simples motivo de que o crime não existiu.
Outra solução deve ser dada ao fato do psiquiatra concluir que seu paciente está sendo induzido ao suicídio, encontrando-se esta indefesa em virtude de seu estado psicológico. Neste caso, a comunicação é um imperativo, porquanto configurar-se-á, a falta de comunicação, a omissão de que trata o art. 66, II, da Lei de Contravenções Penais. Evidentemente, a tutela da vida do paciente é um valor maior que impede a caracterização do crime de violação do segredo profissional, mesmo porque, como afirmou Nelson Hungria - “o dever de sigilo é devido ao paciente e não ao seu algoz”.
O médico que é coagido a divulgar o segredo profissional é ameaçado em sua liberdade, pois ainda que desobrigado pela parte interessada, somente poderá revelá-lo se quiser dar seu testemunho em processo parlamentar, administrativo ou judiciário. O eminente jurista Nelson Hungria, citado acima, em seu comentário ao Código Penal, afirma - “jamais a nossa legislação penal determinou ou autorizou que os médicos se fizessem delatores de crime”.
Diante do exposto não é ético que o médico seja obrigado a quebrar o sigilo médico, portanto não seria ele o responsável por abrir um boletim de ocorrência nem tampouco revelar segredo profissional a outrem. É sim seu dever, cuidar para que o paciente que tentou suicídio, por quaisquer que sejam os meios, tenha o melhor encaminhamento para que o tratamento psiquiátrico tenha continuidade.
Este é o nosso parecer, s.m.j.
Conselheira Kátia Burle dos Santos Guimarães
PARECER SUBSCRITO PELO CONSELHEIRO RENATO AZEVEDO JÚNIOR.
APROVADO NA REUNIÃO DA CÂMARA DE CONSULTAS, REALIZADA EM 28.11.2014.
HOMOLOGADO NA 4.635ª REUNIÃO PLENÁRIA, REALIZADA EM 02.12.2014.
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