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10-11-2016 |
Filosofia |
Presidente do Cremesp ministra palestra em conferência internacional |
O presidente do Cremesp, Mauro Aranha, participou como palestrante da 18ª Conferência Internacional de Filosofia, Psiquiatria e Psicologia, organizada pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, em parceria com a Universidade Presbiteriana Mackenzie. Aranha, que é mestre em Psiquiatria pela FMUSP e, também, em Filosofia pela Faculdade de Filosofia do Mosteiro de São Bento de São Paulo, teve duas participações no evento, realizado nos dias 3, 4 e 5 de novembro. Em 3/11, o presidente do Cremesp apresentou palestra sobre o tema O logos e sentido das pulsões no Cogito ricoeuriano: ou a Ética como espiral ascendente da cultura. Para sua explanação, Aranha utilizou o conceito de logos (razão/linguagem), desenvolvendo-o a partir da análise do filósofo Paul Ricœur, até o século 20, do aforismo cogito, ergo sum (penso, logo existo) fundamentado pelo filósofo francês René Descartes, no século 17. Descartes colocou, a princípio, a dúvida ante a verdade como derivada dos sentidos: “duvido, logo penso, logo existo”. Aranha lembrou que o cogito, como fundamento da racionalidade cartesiana, teve grande influência sobre filósofos posteriores. Immanuel Kant, Edmund Husserl e o próprio Ricœur são alguns dos que desenvolveram teorias que prologam o alcance do pensamento de Descartes, sem atingir, no entanto, o acesso à “coisa em si”. “O cogito ricoeuriano não substitui os cogitos anteriores, mas os amplia e os enraíza no 'mundo da vida', para além de um rigor idealista e solipsista, e que não tematiza ou resolve a ambiguidade identitária que ele próprio, às vezes, acaba por fomentar: consciência/objeto, espírito/corpo, imanência/transcendência, repouso/ação”, afirmou. O presidente do Cremesp citou, também, o conceito de pulsão em Freud (de vida ou de morte), contextualizando-o, ainda, no título de sua palestra como força bruta, sublimada em objetos da cultura. “A Ética é o resultado da interação e ascensão dos produtos culturais”. De acordo com Aranha, para “Ricœur ‘o quem do ser aí’ (de Martin Heidegger, em Ser e Tempo) não é um dado, não é alguma coisa sobre a qual possamos nos apoiar, mas sobre o que é preciso inquirir, visto que ele está submetido à multiplicidade posta da existência em si”. Aranha, lembrou, também, que “os símbolos da Cultura são ambíguos e que, nesta ambiguidade, reside a fecundidade da interpretação de si.” Ele citou a asserção de Ricœur “os símbolos dão o que pensar”, para afirmar que nas metáforas a “tensão entre identidade e diferença”, promove novas pertinências de sentido, que vêm a propiciar o desvelamento de realidades ocultas, de maneira a possibilitar uma nova visão do mundo, dada por uma nova linguagem capaz de apreender os diversos sentidos da realidade”. O diálogo entre identidade e diferença permitiria, de acordo com Aranha, “uma forma de sublimação de tudo o quanto ainda não foi pensado dentro de nossa estrutura de pensamento”. Ele finalizou a palestra propondo um exercício de confluência “do logos e dos sentidos das pulsões, com os objetos da Cultura – as artes visuais, a literatura etc –, para que possamos evoluir numa espiral ascendente para o inesperado, o impensado, o sublime, cumprindo uma ética da diferença”. Desafios na Saúde Mental Na tarde de 4 de novembro, segundo dia da conferência, o presidente do Cremesp, em sessão especial, ministrou a palestra Os desafios contemporâneos das humanidades na Saúde Mental, na mesma mesa dos convidados Bill Fulford (Universidade de Oxford), Giovanni Stanghellini (International Network for Philosophy and Psychiatry - INPP), John Sadler (Universidade do Texas) e Leon Garcia (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas - Senad), além do mediador Guilherme Messas (Sociedade Brasileira de Psicopatologia Fenômeno Estrutural - SBPFE). Já no início de sua fala, Aranha lembrou que a psiquiatria oficial, nas últimas décadas, teve a pretensão de sugerir proposições e conceitos de alcance universal que, de alguma forma, organizassem os sintomas e sinais do campo mental para que pudessem ser dizíveis e reprodutíveis. "É exatamente este o conceito de Ciência, que busca universalizar o campo da mente que, em si, não é universalizável; embora finito, é infinito ante as nossas possibilidades de linguagem e cognição, que são e sempre serão limitadas", ressaltou. Ao citar o filósofo francês Paul Ricœur, que traz o conceito de “metáfora viva” e mostra uma tensão permanente entre a identidade e a diferença, entre o veículo e o conteúdo, o presidente do Cremesp enfatizou: "A palavra expressa uma situação, mas ela pode significar muitas outras circunstâncias e acepções e, portanto, revelar uma outra faceta ou particularidade dos seres que ela descreve". Parafraseando o referido pensador, que classifica a “impertinência semântica” como “veemência ontológica”, uma nova visão desse ser ou das novas facetas desse ser que se impõem com intensidade, Aranha afirmou que "a psiquiatria exercida mediante conceitos e categorias nosológicas rígidas funciona como uma moldura sem possibilidade de retratar a multiplicidade dos fenômenos da mente, que tendem a ultrapassar e transcender esta moldura rígida". Durante sua palestra, Aranha leu a poesia da escritora americana Sylvia Plath, escrita um mês antes de sua morte, indicando conceitos que conhecemos na Psiquiatria e na psicopatologia, como angústia, anomia e desesperança, mas situando aquela pessoa, Sylvia, dentro de sua realidade factual e mostrando qual o sentido ou significado que a vida representava para ela. "Este texto não só amplia nossas possibilidades semiológicas, mas, também, as nossas possibilidades terapêuticas aplicadas na clínica", refletiu o presidente do Conselho, "e talvez, assim, possamos auxiliar o paciente a compreender-se melhor e a inserir-se de forma mais equilibrada e criativa neste mundo." E completou: "O poema de Plath mostra desesperança e uma profunda solidão, caracterizando o indivíduo antes de seu suicídio, ou seja, em razão da perda total do sentido da vida”. Segundo Aranha, "a Medicina como um todo vai chegar a um determinado ponto de atuação onde as conquistas da autonomia dos indivíduos irão se fazer mais presentes, embora ainda tenhamos de conviver com muitos conflitos e sofrimentos daqueles que dependem de assistência e das políticas públicas de saúde neste País". E lembra: "Vejam como tudo é muito demorado no Brasil, a própria efetivação da Medicina Paliativa é um bom exemplo disso; entretanto, em alguns países já se discute amplamente o suicídio assistido, que deve, no entanto, ser regulamentado com bastante rigor e critério. Mas, por ora, não se pode regulamentar o que não se pode discutir”. Para o presidente do Cremesp, outros temas ainda não podem ser abordados em nosso País, como a questão do aborto. "No campo das drogas não é diferente, ainda estamos situados numa política proibicionista. Penso que é razoável propor-se o tratamento a partir da abstinência. Mas, não consigo compreender o fato de, em o paciente não aceitar a abstinência, deixar de ser tratado ou orientado, mediante a redução de anos, como ainda acontece em vários lugares do país", registrou Aranha com certa indignação. "Observo no mundo uma tendência muito próxima das proposições do sociólogo e filósofo francês Edgar Morin, de uma transdisciplinaridade que, no fundo, é um retorno à universalidade da ciência e da confluência de todas as disciplinas, incluindo obviamente as humanidades, embora aqui no Brasil isso ainda não aconteça. Acredito que podemos aproveitar os conceitos, as proposições, as discussões e os relatos deste congresso de humanidades na psicopatologia, para que possamos nos tornar pessoas mais responsáveis e solidárias frente às políticas públicas de saúde mental, disponíveis para os pacientes que necessitam urgentemente deste tipo de abertura e acolhimento", finalizou Mauro Aranha. Depois de abrir o encontro para perguntas dos congressistas aos palestrantes, a sessão foi encerrada com o lançamento da edição especial da revista científica Psicopatologia Fenomenológica Contemporânea. Frases |