O Brasil é mais ou menos como aqueles alunos ruinzinhos do ensino médio que só aprendem depois de uma reprovação – se é que aprendem. Fomos reprovados quanto às providências para limitar a epidemia de dengue.
Não conseguimos grandes progressos no controle do vetor e até na precaução bem mais simples de garantir atendimento médico razoável às vítimas da epidemia, porquanto ainda se morre de dengue no País. Uma parte das mortes é por manifestações mais exuberantes do vírus, como hepatite ou encefalite – felizmente muito raras – , mas a outra parte é simplesmente consideração demorada à vasculite tipicamente ligada à dengue, que pode ser resolvida com hidratação adequada. Não vamos nem falar em litígio contra o vetor para vergonha nossa, porque esse controle já foi conseguido no Brasil por Oswaldo Cruz, no início do século XX, sem os recursos que hoje dispomos.
Claro que a situação atual é mais complexa, pois temos maior números de favelas e locais congêneres onde nem a polícia pensa em por as pernas mas, ainda assim, parece evidente que a vitória sobre o inseto é viável desde que haja consciência de que ela precisa ser obtida. Por parte do governo com certeza e, também, com a cooperação da população, mesmo usando o que já é desembaraçado. O uso de mosquitos transgênicos deveria ser autorizado e menos encrencado nas agências regulatórias. Está explícito que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) diz que mosquito não é com ela. Para responder a uma objeção dos defensores da natureza, não esqueçamos que o Aedes aegypti não é da fauna brasileira e, sim, uma espécie invasora, particularmente mal vinda.
A chegada de mais duas arboviroses em nosso meio, a chikungunya e a zika, torna mais dramática a situação presente. A zika tem impacto devastador, que é a indução de lesões no sistema nervoso central durante a gravidez, levando nossos cientistas e sanitaristas a uma atitude rara nestes “Brasis”, formando redes colaborativas de pesquisadores para lidar com esta fase incômoda. A pesquisa brasileira tem a obrigação moral de preocupar-se com os problemas vigentes e levar ao povo os resultados de suas ações. Não é a primeira vez que fato semelhante ocorre: conhecemos alguns estudos em grupos muito bons quanto à leishmaniase mucocutânea e malária. O impacto da pesquisa em assuntos populacionais não pode ser ignorado.
Verificações muito antigas, provando que durante diarreias a absorção de água e eletrólitos está preservada, levaram à disseminação do uso do chamado soro caseiro, que nada mais é do que sal e açúcar diluídos na água, e o número de crianças salvas por algo tão simples é enorme. É possível, portanto, colher resultados de pesquisa que parecem basilar em condições clínicas.
Outro exemplo histórico de doença que levou a um imenso cabedal de conhecimentos em biologia humana foi capaz de incrementar, de maneira nunca vista antes, esclarecimentos da resposta imune humana.
Perto da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana as arboviroses parecem ser algo imensamente mais simples. Podem possibilizar imunização, já que concedem imunidade. Aliás, temos vacina pronta para usar no caso da dengue, recentemente licenciada, e contamos também com a possibilidade de tentar produzir vacina contra a zika. Enfim, esperamos que a mobilização dos cientistas biológicos brasileiros leve a resultados de aplicação rápida à nossa população sacrificada. Ciência não pode ser dirigida autocraticamente. Não estamos na Coreia do Norte, mas há, sim, uma obrigação para com o povo que paga nossas Universidades, onde está a imensa maioria dos investigadores brasileiros.
No momento, é indiscutível que a medida a adotar é sucesso no conflito com o mosquito, se realizada corretamente e com urgência. Isso é o denominador comum da atividade imperiosa. Ele não cede com facilidade – se bem que conhecemos a possibilidade de dominá-lo, visto que já foi verificada vulnerabilidade por parte dele, quando as ações convenientes, efetivas, merecem a atenção devida. O vetor do vírus, veiculador de quatro tipos de infectantes, permanece por aqui há vários anos, convivendo francamente conosco. São os agentes etiológicos da febre amarela, da dengue, da chikungunya e da zika; todavia, a primeira enfermidade citada não está em foco hoje entre nós.
O Aedes aproveita a excelente e ampliada moradia e os vírus, oportunistas, servem-se dessa gentileza, da qual um pedaço, lembramos, acolhe 60% do território nacional sem saneamento básico. Providências intervaladas não ajudam devidamente. Impõe-se, agora, trabalho árduo, sem falhas grosseiras, ligadas ao comodismo e à falta de recursos essenciais.
Se o zika vírus trouxe ensinamentos, devemos salientar tal circunstância. Eis alguns: programas de saúde pública bem elaborados e permanentes; eliminação de politicagem prejudicial; acesso à estrutura viável e nem sempre custosa; implantação de mais laboratórios específicos, sobretudo para a vigilância epidemiológica e avaliações rotineiras, estando neles colaboradores valorosos, dedicados e de fato prestativos; ajuda real de pesquisadores, reconhecendo pessoas que têm esse rótulo e existem passivamente; perceber que os mandamentos orientadores para gestores deixam brechas com falhas, aproveitadas pelo mosquito e, a propósito, citamos a promoção da saúde, a prevenção de doenças, diagnóstico, tratamento e atenção referente às sequelas.
A zika compareceu com forte vontade de obter destaque em vastas matérias. Paralelamente a manifestações clínicas desagradáveis, agregou maldades mais temíveis: a microcefalia, aguardando confirmação definitiva, e recrudescimento da síndrome de Guillain-Barré. Urge implantar com urgência providências recomendáveis, dependentes de sensatez, prioridades e interesse para ela não vencer. Com o intuito de maltratar suplementarmente, investe com transmissões sexuais ou por transfusão de sangue, alvos de revisões científicas suficientes e eventuais profilaxias.
Ensinamento, bom ou mau, vale como base para a adoção de atitudes. A ocorrência analisada com critério permite admitir que não existe obstáculo para o aprendizado de alguma coisa.
*Os autores são professores universitários com especialização em Clínica de Doenças Infecciosas e Parasitárias.
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