Relação com indústria e tema de preocupação da comunidade médica
O impacto da repercussão na imprensa da relação promíscua entre médicos e a indústria de órtese, prótese e materiais especiais (OPMEs) levou a Associação Paulista de Medicina (APM) a adotar o tema como foco central do II Fórum sobre Cooperativismo Médico. O evento contou com abertura na noite de 27 de agosto e terá palestras ao longo deste dia 28. O Cremesp já havia realizado o seminário A relação entre os médicos e a indústria farmacêutica, no dia 14 de agosto, proporcionando ampla discussão sobre o tema.
Bráulio Luna Filho, presidente do Cremesp, presente ao evento, comentou dados de uma pesquisa, realizada há cinco anos, que mostrou que dos 600 médicos entrevistados, 28% deles afirmaram que têm relação promíscua com a indústria, 52% achavam que não há problemas nesse relacionamento e que sabem que há profissionais que atuam dessa forma, e 30% são taxativamente contra essa prática. “O Cremesp não conseguiu fazer um debate mais amplo por conta da reação dos médicos. Parte da elite acadêmica está envolvida com a indústria, como assessores, consultores ou speakers, contratados para replicar pesquisas favoráveis. É preciso deixar claro a atuação deles, conscientizando a classe médica”, disse. Ele citou que em países como Estados Unidos ou Dinamarca, a população sabe quais médicos estão envolvidos.
Além de Luna Filho, estiveram na abertura do evento Florisval Meinão, presidente da APM; José Martiniano Grillo Neto, presidente da Federação das Unimeds do Estado de São Paulo; Jorge Alberto Lopes Fernandes, coordenador geral de administração da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo (SES-SP); Maurício Mota de Avelar Alchorne, diretor cultural da Academia de Medicina de São Paulo; e Gerson Mazzucato, secretário de assuntos jurídicos do Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo.
Judicialização
“O impacto financeiro das OPMEs para a assistência à saúde, assim como os medicamentos, é alto e crescente. E quem paga a conta é a sociedade. Além disso, é crescente o número de processos na Justiça para obtenção das OPMEs, agravando ainda mais o problema”, comentou Meinão.
A obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos, assim como a arrecadação em declínio e a demanda maior e a exigência de referência e/ou marca (e não o princípio ativo) estão entre as preocupações de Fernandes, que proferiu palestra sobre o impacto das OPMEs e medicamentos de alto custo na saúde pública. Para ele, entre os principais desafios a ser superados estão a existência e uso de protocolos, a validação das indicações médicas, a modalidade de aquisição e a qualificação/validação dos fornecedores. O coordenador da SES-SP citou o case do Incor, no qual eliminou a aquisição convencional das OPMEs e passou a utilizar atas de registro de preço (pagando apenas em caso de real necessidade de utilização do produto), conquistando economia superior a 30%. A intenção é que essa experiência se estenda a outros hospitais da administração direta.
Como medidas para combater o mau uso das OPMEs, a SES-SP irá prosseguir com a proposta de criação de uma Câmara Técnica, destinando médicos para atuação exclusiva nos tribunais, assegurar a aderência das prescrições médicas na Secretaria aos programas definidos pelo SUS e estreitar o relacionamento com órgãos competentes, permitindo contribuir com dados que permitam melhorar a análise de fraudes no âmbito da judicialização da saúde.
Transparência
Os ministérios da Saúde, Justiça e Fazenda criaram um Grupo de Trabalho Interinstitucional sobre Órteses e Próteses (GTI OPME), em janeiro, para propor medidas para a reestruturação e ampliação da transparência dos processos envolvendo esses materiais. Em sua palestra sobre a regulação econômica do mercado em OPMEs, Ivo Bucaresky, diretor de coordenação e articulação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), divulgou o diagnóstico feito em relação ao tema. Ficou constatado que esse mercado é dominado por multinacionais — embora a maioria das empresas seja de pequeno e médio portes —, movimentou R$ 19,7 bilhões em 2014, e o setor deve crescer 15% ao ano por conta do envelhecimento da população.
Nessa análise, foram detectadas práticas irregulares para obtenção de vantagens com dispositivos médicos implantáveis (DMI), como comissão da distribuidora (inclusive com colocação de pessoal no centro cirúrgico),comissão do especialista (embora seja proibida pelo CFM), hospitais realizam compra e venda com margem de lucro de 10% a 30% do preço e cobrança de “taxa de rolha” por alguns hospitais. Com vários “intermediadores”, os produtos são vendidos por 8,7 vezes a mais que o custo inicial. Bucaresky informou que o governo conta com um plano de ação, que inclui regulações sanitárias, econômicas e de uso, além de ações de gestão do SUS e penalidades.
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