Milan, Katia, Cordeiro, Mauro Aranha e Alexandrina durante os debates
com a plateia
Sobrecarga de trabalho, privação do sono, contato com dor, sofrimento e morte, cuidados a pacientes difíceis e medo de errar são fatores estressantes aos quais os médicos estão expostos em seu cotidiano. Com os agravantes dos turnos alternados e noturnos, remuneração insuficiente, nível de atenção exigido, constante tomada de decisão e políticas interna e externa das instituições onde atua, não é incomum o profissional ser acometido por transtornos psiquiátricos. Entre eles estão as doenças afetivas, dependência de álcool e drogas, conflitos de orientação sexual, distúrbios alimentares (anorexia e bulimia, principalmente entre as médicas), demências e/ou delirium (provocado por alcoolismo) e transtornos de personalidade. De acordo com estudo realizado pelo Cremesp e Unifesp, em 2012, também são frequentes doenças físicas, com distúrbios cardiocirculatórios (ligados ao uso excessivo de álcool, nicotina e drogas), neoplasias e doenças do aparelho respiratório. No entanto, os profissionais resistem – em média, sete anos e meio – a procurar ajuda médica antes que danos mais sérios se instalem de fato.
Os diferentes aspectos de saúde mental do médico ao longo de sua história profissional foram abordados no II Workshop de Economia em Saúde Mental, por Kátia Burle dos Santos Guimarães, conselheira do Cremesp e coordenadora do Grupo de Apoio Psiquiátrico do Núcleo de Atendimento Psicológico e Psiquiátrico do Corpo Discente da Faculdade de Medicina de Marília (Nuadi/Famema); Luiz Roberto Milan, psiquiatra do Grupo de Assistência Psicológica ao Aluno (Grapal) da FMUSP, e Alexandrina Maria Augusto da Silva Meleiro, coordenadora da Comissão de Assistência à Saúde Mental do Médico da Associação Brasileira de Psiquiatria, com moderação de Quirino Cordeiro, professor titular de Psiquiatria da Santa Casa e membro da Câmara Técnica de Psiquiatria do Cremesp. A palestra sobre a saúde do médico foi realizada no dia 17 de maio, na subsede do Cremesp na Vila Mariana.
Foi lembrado que os médicos não costumam identificar a condição estafante de trabalho como um problema e, ao contrário de outras categorias profissionais, não querem a limitação de horário ou carga de trabalho. “Temos que sensibilizar os médicos sobre seu presenteísmo (presença física, mas com produtividade baixa), que muitas vezes ocasiona atritos com pacientes por esgotamento. O profissional nessa situação tem reduzida a sua disponibilidade cognitiva e afetiva para acolher o paciente”, comentou Mauro Aranha, psiquiatra e vice-presidente do Cremesp e organizador do workshop, ao lado de Denise Razzouk, Centro de Economia em Saúde Mental da Unifesp. Ele lembrou que o Cremesp mantém um convênio com a Unifesp para o tratamento de médicos dependentes químicos e com transtornos mentais, além da disponibilização do serviço de assistência social ao médico com processos em curso no Cremesp.
Estresse do estudante
Durante sua apresentação, Kátia falou da importância de um espaço para o atendimento do estudante de Medicina, demonstrando que os índices de estresse são maiores nesse público que em alunos de outras áreas. Relatou o trabalho realizado por ela no Nuadi/Famema, em que há atendimentos psicológico e psiquiátrico e de emergência, encaminhamento para psicoterapia e orientação aos alunos, familiares e docentes. Pesquisa realizada pela Famema, em 2003, apontava que 60,10% das alunas tinham estresse, número que caia para 41,06% entre os estudantes do sexo masculino. Em 63,71% dos casos, havia predominância de sintomas psíquicos (mais intensos a partir do 5º ano) e em 24,05%, físicos. “A pesquisa foi feita localmente, mas a literatura aponta que este é um fenômeno global. Registramos também que em 90% dos casos, os alunos não haviam adoecido ainda, o que demonstra que temos que intervir antes para evitar danos maiores”, afirma Kátia.
Ansiedade nos residentes
Em sua palestra sobre saúde mental dos médicos residentes, Milan comentou que eles vivem um estresse profissional (atendimentos difíceis, atuar com enorme gama de conhecimentos, medo de errar), situacional (privação do sono, dramas familiares e amorosos) e pessoal (saúde e comportamento). As mulheres tendem a procurar ajuda com mais facilidade motivadas pela angústia da jornada como médica X vida pessoal e social, muitas vezes adiando a maternidade.
Ele informou também que embora haja tentativas, existem poucas mortes por suicídio entre residentes. Já as drogas estão presentes principalmente entre os que escolhem a especialidade de Psiquiatria (opiáceos e maconha) e nos serviços de emergência (cocaína e maconha). Quadros ansiosos são mais frequentes diante de situações de atendimento de urgência a paradas cardíacas, pacientes terminais, apresentação de caso na visita e pela competição entre residentes. Os transtornos de humor acometem mais gravemente as jovens médicas. Enquanto a procura por ajuda é mais comum entre os primeiranistas, esse índice tende a cair ao longo da Residência.
Profissão acima de tudo
Por sua vez, os médicos formados tendem a colocar a profissão acima de tudo, priorizando o trabalho em detrimento da família, num ritmo quase sobre-humano. Como o objetivo é a carreira, postergam planos pessoais e não se preocupam com o futuro, muitas vezes mantendo casamentos insatifatórios, mas estáveis. “Os médicos são ambiciosos, ativos, competitivos, exigentes e, por isso, tendem a se frustrar, gerando hipocondria, ansiedade, depressão, somatização e, em casos extremos, cometem suicídio. Nossa classe deve ser mais sensível às dificuldades de reconhecer o próprio pedido de ajuda ou de seu colega, sem deixar de zelar pelos interesses do público”, disse Alexandrina.
Texto e foto: Nara Damante
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