

CAPA

EDITORIAL (pág. 2)
Mauro Aranha - Presidente do Cremesp

ENTREVISTA (pág. 3)
Jarbas Barbosa da Silva Júnior

INSTITUIÇÕES DE SAÚDE (Pág 4)
Atendimento humanizado

URGÊNCIA E EMERGÊNCIA (Pág. 5)
Atendimento pré-hospitalar

TRABALHO DO MÉDICO (Pág 6)
Saúde suplementar

MOVIMENTO MÉDICO (Pág 7)
FPMed

SAÚDE SUPLEMENTAR (Pág. 8 e 9)
Planos populares

EXAME DO CREMESP (Pág 10)
12ª Edição

AGENDA DA PRESIDÊNCIA (Pág 11)
Plenária especial

EU MÉDICO - (Pág. 12)
Arary Triba

MÉDICO JOVEM (Pág 13)
Saúde do residente

CONVOCAÇÕES (Pág 14)
Editais

BIOÉTICA (Pág 15)
Transgêneros

GALERIA DE FOTOS

BIOÉTICA (Pág 15)
Transgêneros
Crianças e adolescentes transexuais: quando
surge a identidade de gênero?
Diante de um menino ou menina já diagnosticado como transexual,
é preciso lançar mão de apoio e tratamentos para facilitar-lhe
a adequação à sua identidade de gênero
Sociedade e culturam influenciam o papel de gênero que é como
expressamos nossa masculinidade ou fiminilidade
Os norte-americanos Ben Barres, do departamento de Neurobiologia da Stanford University, e Marci L. Bowers, já considerada uma entre os “dez melhores médicos” de seu país, revelaram experiências semelhantes em entrevista publicada na revista Ser Médico (nº 65/2013). Eles relataram histórias recheadas por confusão na infância, sofrimento na adolescência e vida adulta e – finalmente – tranquilidade, depois do processo de redesignação sexual, por volta dos 40 anos de idade. Raciocínio simples para vivências complicadas: Ben nunca se sentiu “Barbara”; Marci achava “esquisito” ser Mark.
“Aos três anos, lembro-me de minha mãe chorando por causa do assassinato de Kennedy, quando parou e perguntou assustada: ‘menino, por que você está usando o vestido de chifon amarelo da sua irmã?’”, contou Marci, rindo e refletindo sobre a imutabilidade de uma situação capaz de gerar permanentes controvérsias. A partir de que idade o “o sexo psicológico” apresenta-se discordante do biológico? Identidade de gênero é fruto do biológico ou de influências sociais?
Tenra idade
Quem já ouviu várias histórias como essas é o psiquiatra Alexandre Saadeh, coordenador do Ambulatório Transdisciplinar de identidade de Gênero e Orientação Sexual (Amtigos), do Hospital das Clínicas de São Paulo – desde 2016, exclusivo para crianças e adolescentes transexuais. Como explica, consenso formado por estudos psicológicos e psiquiátricos aponta para a formação de identidade de gênero a partir dos dois ou três anos de idade, quando a consciência se estabelece e se estrutura o desenvolvimento neurológico. “Mais ou menos quando a criança assume a linguagem. A partir do momento em que temos as primeiras lembranças”, afirma.
Baseado em sua experiência com esse público, Saadeh discorda de teorias como a da filósofa americana Judith Butler (ver box), segundo a qual o ‘sexo psicológico’ se forma por meio de construções sociais. “Às vezes, chamam a minha concepção de “biologicista”. Mas se os contextos social e cultural, além das opiniões dos pais, influenciassem tanto, não existiriam transexuais”. A sociedade e a cultura influenciam o papel social, de gênero, que é como expressamos nossa masculinidade ou feminilidade.
Além disso, argumenta, sabe-se que o público feminino enfrenta muito mais discriminação do que o masculino na sociedade. “Então, por que há muito mais mulheres transexuais (homens que identificam seu gênero como feminino) do que homens trans, numa proporção de quatro para um?”, questiona Saadeh.
Multifatoriedade
Mauro Aranha, psiquiatra e presidente do Cremesp, admite a multifatoriedade no complexo campo da transexualidade. Porém, “não afastaria predisponentes ou intermediações biológicas. Há condições inatas, ou epigenéticas, psicossexuais, que não se referem à escolha autônoma. Como médico, diante de um menino ou menina já diagnosticado como transexual, não há porque remeter-se a causas: é preciso lançar mão de apoio e tratamentos para facilitar-lhe a adequação à sua identidade de gênero”.
Esse diagnóstico é bastante complexo: além de psiquiatra, pediatra e endocrinologista, vale contar com opiniões de equipe multidisciplinar. No ambulatório de Saadeh, confirmaram-se como portadores de disforia de gênero mais de 60 crianças e 100 adolescentes, o que não significa que serão, na vida adulta, transexuais.
Ao contrário do que se possa imaginar, não são os pais os que apresentam as grandes barreiras aos tratamentos: se eles buscaram ajuda, já perceberam algo de “diferente” no(a) filho(a). A identidade de gênero (que remete à forma como as pessoas se autodefinem, como mulheres ou como homens) não deve ser confundida com orientação sexual (voltada ao desejo e atração afetivo-sexual por alguém do mesmo sexo).
Entre os desafios nesse campo figura o de esboçar diagnóstico de crianças entre três e seis anos, ainda imersas num universo de fantasias; e lidar com as de seis a nove anos, que notam suas diferenças em relação aos coleguinhas (e vice e versa), cada vez mais acentuadas com o passar dos anos.
Pessoas em construção?
Judith Butler, filósofa norte-americana e autora do livro Problemas de Gênero, de 2010, defende a ideia “gênero como performatividade”, ou seja, corresponde a uma produção social, um ato intencional, construído ao longo de anos, “de fora para dentro e de dentro para fora”.
Divulgadora da queer theory sobre gênero – cuja base é atribuída à filósofa francesa Simone de Beauvoir, quando diz “ninguém nasce mulher, mas torna-se mulher” –, acredita não existirem papéis sexuais essencial ou biologicamente inscritos na natureza humana.
Tentativas de condutas
- Resolução, de 2009, do Cremesp estabelece, entre outros pontos, que o atendimento a “transexuais e pessoas que apresentam dificuldade de integração ou dificuldade de adequação psíquica e social em relação ao sexo biológico” deve basear-se no respeito ao ser humano; além de assegurado o direito de usar o nome social, independente do registro civil ou prontuários;
- O Ministério da Saúde publicou portaria, em julho de 2013, diminuindo o início da hormonioterapia a transexuais de 18 para 16 anos, e a idade cirúrgica de 21 para 18, revogada depois de quatro horas ;
- Resolução do CFM, de 2010, reconhece ser o “paciente transexual portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual”, permitindo a cirurgia após os 21 anos, com acompanhamento mínimo de equipe multidisciplinar por dois anos;
- Processo-Consulta do CFM, de 2013, traz como referência Peggy Cohen-Kettenis, especialista holandesa em desenvolvimento de gênero e psicopatologia, que defende supressão da puberdade com “análogos LHRH”, cujo efeito é reversível (não são o mesmo que hormônio sexual do sexo oposto). “Há um benefício real (...) e um melhor resultado físico e psíquico”.