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Yvonne Capuano escreve sobre as primeiras médicas brasileiras


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Edição 187 - 03/2003

HOMENAGEM

Yvonne Capuano escreve sobre as primeiras médicas brasileiras


Maria Augusta Generoso Estrela e Rita Lobato Velho - As Primeiras Médicas do Brasil 

                                        Yvonne Capuano*

O Dia Internacional da Mulher, 8 de março, nos aproxima de heroínas, às vezes pioneiras desconhecidas, que merecem nossas homenagens. É o caso das primeiras médicas do Brasil.

As mulheres, proibidas de freqüentar as Faculdades de Medicina no Brasil até 1879, formavam-se em outros países. Maria Augusta Generoso Estrela não foi uma exceção. Ela nasceu em 10 de abril de 1860, no Rio de Janeiro, e teve formação esmerada.

Certa ocasião, chamara-lhe a atenção, num periódico, a foto e a biografia de uma jovem que estudava medicina em Nova Iorque. Maria Augusta, atraída pela notícia, mostrou-a ao pai, que lhe informou da impossibilidade do estudo no Brasil, pois as faculdades não permitiam o ingresso de mulheres.

Em 26 de março de 1875, a jovem partiu do porto do Rio de Janeiro, no navio South América, para Nova Iorque. Em 8 de setembro, Maria Augusta requereu prestar exames na New York Medical College and Hospital for Women.

Desde meados de 1876, a Companhia Bristol, representada por Albino Estrela, sofreu danos irreparáveis. A situação complicou-se no início do ano seguinte, e as verbas para manter Maria Augusta em Nova Iorque se esgotaram. A situação precária chegou ao conhecimento do Imperador D. Pedro II e ele ordenou, por decreto, em 1877, que se concedessem os subsídios para os estudos de Maria Augusta.

Maria Augusta terminou o curso em 1879, mas não tinha a idade exigida pelos estatutos da Faculdade para receber o diploma. Aguardou dois anos para completar a maioridade e formar-se.

O esforço da jovem levou D. Pedro II a meditar sobre a condição feminina do país, e ele colocou a carreira médica ao alcance da mulher, através da Reforma Leôncio de Carvalho.

Durante a espera do diploma, freqüentou cursos, estagiou em vários serviços médicos e produziu, com Josefa Águeda de Oliveira, colega de Faculdade, um periódico denominado A Mulher, cujo primeiro número, em janeiro de 1881, incentivava jovens a lutar pela emancipação.

Em 29 de março de 1881, realizou-se a formatura do New York Medical College and Hospital for Women, no Association Hall de Nova Iorque. Maria Augusta foi oradora da turma e agraciada com uma medalha de ouro, pelo melhor desempenho durante o curso.

Em 1884, dois anos após seu regresso, ela conheceu Antônio Costa Morais, laureado em Farmácia pela Universidade de Leipzig. Apaixonados, casaram-se no mesmo ano. Nessa época, Maria Augusta mantinha um pequeno consultório, em cuja fachada ostentava orgulhosamente a placa: “Dr.” Maria Augusta Estrella, e Antônio era proprietário da Farmácia Normal.

Em 15 de novembro de 1889, proclamada a República, os monarquistas foram perseguidos, e o casal, ferrenho defensor de D. Pedro II, teve a farmácia depredada. Mas continuaram o atendimento, sem receio. O casal teve cinco filhos. Tranqüila e realizada, Maria Augusta dividiu a existência entre eles e os pacientes, aos quais se dedicou com desvelo e carinho.

Em 18 de abril de 1946, aos 86 anos, conversava tranqüilamente com a família quando teve morte súbita. Deixava de existir Maria Augusta Estrela, a primeira médica do Brasil.

Rita Lobato
Ao abrirem-se as portas das Faculdades, no Sul, candidatou-se Rita Lobato Velho Lopes. Ela nasceu prematura, aos sete meses, na cidade gaúcha de São Pedro do Rio Grande.

A jovem encontrava-se em Porto Alegre, em 3 de junho de 1883, estudando para os exames preparatórios, quando recebeu a notícia da morte da mãe. Lembrou-se do que ela sempre lhe solicitara: Minha filha, se fores médica algum dia, pratica sempre a caridade. Essa perda fortaleceu a decisão de ser médica. A família decidiu mudar-se para o Rio de Janeiro e, pouco depois da chegada à cidade, Rita inscreveu-se no curso de Medicina.

Promulgada a Reforma Filipe Franco de Sá, em 25 de outubro de 1884, alterando os estatutos das Faculdades, muitos alunos rebelaram-se. Entre os alunos encontrava-se Antônio Lobato, um dos irmãos de Rita que estudava na mesma faculdade. Impetuoso, antagonizou-se com os professores. Acreditando que os filhos seriam vítimas de alguma represália na Faculdade, pela atitude de Antônio, o pai preferiu, por prudência, mudar-se com a família. Assim, em maio de 1885, chegaram em Salvador.

Primeira mulher a inscrever-se na Faculdade de Medicina da Bahia, Rita formou-se em 10 de dezembro de 1887. Ao voltar ao Rio Grande do Sul, dirigiu-se a Rio Pardo. Encontrou-se com Antônio Maria, primo e namorado desde a infância. Casaram-se e, em 26 de outubro de 1890, o casal comemorou o nascimento de Ísis, a única filha que tiveram.

Sentindo-se cansada, em 1925, depois de haver se dedicado ao atendimento da clínica domiciliar por 15 anos, encerrou suas atividades. Aos 67 anos Rita resolveu abraçar a política, filiando-se ao PL, Partido Libertador. Em 21 de agosto de 1934, obtendo o título de eleitora, candidatou-se e elegeu-se primeira vereadora de Rio Pardo. Mas, em 1937, o golpe do governo getulista transformou o regime do país numa ditadura e interrompeu o seu mandato.

Aos 80 anos, Rita moderou os hábitos e, em sua residência, passou a ouvir rádio, única distração, mantendo-se atenta aos acontecimentos e à política do país. A nobre gaúcha, que honrou o compromisso de ser médica, morreu em 6 de janeiro de 1954.

Maria Augusta Generoso Estrela, primeira brasileira formada em medicina, e Rita Lobato, primeira médica formada no Brasil, dignificaram a luta da mulher na conquista dos ideais e merecem, por isso mesmo, as nossas homenagens.

* Médica e autora da obra Matris anima curant: as pioneiras médicas Maria Augusta Estrela e Rita Lobato, publicada pela Línea Médica, que será lançada em abril de 2003.


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