CAPA
EDITORIAL (JC pág. 2)
Temos a certeza do dever cumprido e o sentimento de honra de ter servido a esta Casa, aos médicos do Estado e a sua população - Henrique Carlos Gonçalves
ENTREVISTA (JC pág. 3)
Pedro Gabriel Delgado, coordenador de Saúde Mental no Estado, é o entrevistado desta edição
ATIVIDADES 1 (JC pág. 4)
PEC do Cremesp, realizado na capital, discute distúrbios do sono e exames de medicina interna
ATIVIDADES 2 (JC pág. 5)
CAPES - Médicos paulistas, inscritos no Cremesp e ativos, já podem acessar periódicos internacionais de renome
GERAL 1 (JC pág. 6)
Confira os principais pontos debatidos no Fórum Ética e Pesquisa/Revisão da Declaração de Helsinki, realizado em agosto
GERAL 2 (JC pág. 7)
Justiça Federal concede ganho de causa ao Conselho, com arquivamento de processo impetrado com má-fé por chapa da oposição
ATIVIDADES 3 (JC pág. 8)
Direção do Iamspe conversa com Cremesp a respeito de problemas identificados no Hospital do Servidor Público Estadual
GERAL 3 (JC pág. 9)
O médico cirurgião Elias Farah conta sua história de vida e dedicação à Medicina na cidade de Viradouro, interior paulista
ESPECIAL (JC pág. 10/11)
Exame do Cremesp: mais de 700 formandos realizaram a prova objetiva, na capital e no interior do Estado
INDÚSTRIA (JC pág. 12)
Max Grinberg e Tarso Accorsi: quais fronteiras delimitam a relação entre médico e propagandista da indústria farmacêutica?
CONJUNTURA (JC pág. 13)
Infecções por micobactérias: Anvisa conta com os médicos para conter número de casos
GERAL 4 (JC pág. 14)
Acompanhe a participação da presidência do Cremesp em eventos relevantes para a classe
ALERTA ÉTICO (JC pág.15)
Dúvidas sobre algumas questões que envolvem a prática médica e a livre-docência em Medicina?
EDITAL (JC págs. 16 à 19)
Empresas inativas 2008: confira a relação daquelas que devem providenciar regularização
HISTÓRIA (JC pág. 20)
Hospital Amigo da Criança: título concedido pela OMS e Unicef ao Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros
GALERIA DE FOTOS
INDÚSTRIA (JC pág. 12)
Max Grinberg e Tarso Accorsi: quais fronteiras delimitam a relação entre médico e propagandista da indústria farmacêutica?
As fronteiras entre a lógica comercial
e a ética médica
Max Grinberg e Tarso Augusto Duenhas Accorsi*
Ética pressupõe ajustes entre os vários personagens de um encontro. A lógica comercial inclui modelos e recursos humanos e financeiros.
Medicina e indústria farmacêutica têm objetivos que atingem o paciente, idealmente abrangendo o desenvolvimento de pesquisa, a inovação com nova tecnologia e a beneficência/não-maleficência para as demandas do paciente.
A exigência da responsabilidade na relação entre médico e interlocutor da indústria farmacêutica encontra ressonância na fundamentação da flexibilidade de condutas.
Há médicos funcionários da indústria farmacêutica e, a cada um, dentro de sua área de atuação, admite-se que se conciliem suas obrigações trabalhistas com o juramento das boas práticas médicas. Inclusive aqueles que participam como “corpo editorial” para varredura da literatura científica, seleção, hierarquização e composição das falas e escritas a serem apresentadas nas jornadas “científico-comerciais” diárias em consultórios e hospitais.
A indústria farmacêutica valoriza o impacto desta literatura da beira da mesa do médico e a medição do mesmo, qual um índice h, que representa o número de vezes com que o produto é “citado” na receita que chega às farmácias.
Por sua vez, o propagandista é o vis-à-vis da indústria farmacêutica para o médico de uma movimentação comercial global na ordem de 12 dígitos de dólares/ano. Em sua versão nacional com tipicidades, o propagandista é importante partícipe nas estratégias do laboratório ao consultório, dentro de um mercado que está em expansão, emprega cerca de 50 mil pessoas e mobiliza algo em torno de 10 dígitos de dólares/ano. É o setor industrial que implica grandes gastos, proporcionalmente ao lucro das vendas, em pesquisa e desenvolvimento.
Sabe-se que 92% de todas as drogas que vão ao mercado são oriundas da indústria privada. Ressalte-se que, em geral, o tempo de desenvolvimento de um medicamento beira os 15 anos, cerca de 1 em 5.000 remédios pesquisados chega aos pacientes. Os custos por medicamento desenvolvido chegam a 500 milhões de dólares, e 70% dos fármacos vendidos não cobrem as despesas do seu desenvolvimento, segundo dados da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica.
Atualmente, a diminuição do tempo de exclusividade e os medicamentos genéricos acirram ainda mais a competitividade entre as marcas. O marketing tornou-se estratégia fundamental dos laboratórios para proliferar os produtos que vingam e tentar mantê-los vivos a todo custo. Não surpreende que, no mundo dos negócios, algumas estratégias de vendas possam ser alvos de críticas éticas. Como característica comum a todos os laboratórios – para produtos que produzem renda substancial – os médicos são seus principais distribuidores. Para conquistar o médico é necessária a propaganda, cujo corpo-a-corpo é feito pelo propagandista (representante) do laboratório.
A relação médico–representante de laboratório nada tem de casual e pode representar conflito de interesses. A grande maioria dos médicos tem algum tipo de contato com a indústria farmacêutica. A abordagem usada para conquistar o médico e motivá-lo a prescrever determinado produto é variada e passível de profunda discussão. De um lado, há um profissional, representando um comércio competitivo, que precisa explorar a capacidade do médico em utilizar seu produto e que pode trazer benefícios pessoais e institu¬cionais, independentemente de benefícios para pacientes. De outro lado, há o médico que nem sempre consegue o ritmo de estudo que pretende e mostra-se sensível a “atualizações” em uso de fármacos sem maior aprofundamento pessoal.
Divulga-se, nos EUA, que brindes são recebidos por cerca de 84% dos médicos que encontram propagandistas. Neste país, em geral, um médico residente recebe seis deles ao ano.
Se é verdadeiro que “de pequenino é que se torce o pepino”, também temos que concordar que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Por isso, convites para passeios, sem nenhuma atividade didática envolvida, inserem-se numa lógica de amparo ao médico para que ele saia da rotina estressante do dia-a-dia e entre num programa de cunho simpatizante com marcas.
Amostras grátis – tão preferidas pelos próprios médicos para consumo pessoal ou familiar – podem ser formas de apresentar o produto e a bula ao médico, mas também são, desde os primórdios da política da indústria, instrumentos de potenciais vieses de prescrição. Amostras grátis, ademais, podem potencializar o uso exagerado de certas medicações, indicações fora do rigor, com evidentes preocupações para a boa relação custo-risco-benefício. A distribuição de cupons específicos para descontos de medicações pode tornar-se outro mecanismo de vieses de prescrição.
Com o decorrer dos anos, entretanto, houve uma modificação na abordagem empregada pelos representantes, procurando ampliar as fronteiras da lógica comercial com a ética médica. É a justificação dos produtos com forte fundamentação nas evidências científicas, citação de diretrizes e o glamour do último artigo publicado, uma carona “elegante” para caminhar junto aos médicos. Assim, os propagandistas citam séries de estudos com resultados positivos para o emprego de determinado produto, entregam traduções de artigos recentes, opiniões de especialistas, distribuem resumos de congressos.
Enfim, o médico pode ser convencido pelo propagandista a prescrever determinado medicamento por várias qualificações de abordagens. Quais os possíveis efeitos colaterais dessa relação médico - propagandista? De um lado, a satisfação pelo aumento das vendas, de outro a perda da crítica para tomar determinadas atitudes médicas. Os efeitos colaterais são predominantemente sobre os pacientes, em relação a aspectos de morbi-mortalidade e financeiros.
Obviamente, a indústria farmacêutica é fundamental para o desenvolvimento de substâncias que melhorem a qualidade de vida e diminuam mortalidade de diversas doenças. Também é óbvio que o médico deve estar atualizado e se esforçar para proporcionar aos pacientes o que há de melhor. O relacionamento médico – indústria é fundamental para o melhor cuidado do paciente e avanço técnico/científico. Mas é preciso muita cautela para que os compromissos do médico sejam preservados no contato com o ideal da óptica da indústria. Uma forma de equilibrar esta relação entre ética médica e lógica comercial é refletir segundo os quatro princípios da bioética: autonomia do médico para prescrever e do propagandista para convencer, segundo critérios moralmente aceitos; beneficência (pelo compartilhamento do entendimento de dimensão do efeito e estimativa de precisão); não maleficência (pelos ajustes individualizados); e justiça (com atenção à responsabilidade social de cada profissional).
*Médicos cardiologistas do Instituto do Coração do HC-Fmusp