Data: 05/11/2005 Relatório: Transplantes de Órgãos: Aspectos Clínicos e Bioéticos Presidente: Krikor Boyaciyan Coordenador: Renato Ferreira da Silva Relator: João Márcio Garcia 1) Tráfico Internacional de Órgãos Existe? Dra. Ilka Santana Ferreira Boin Destacou a Resolução nº 5.718 da OMS editada há 30 anos em Genebra. Referiu que o número de transplantes realizados hoje no mundo atendem apenas 5 a 7% da necessidade conhecida. Lamentou que as mortes encefálicas no Brasil não sejam comunicadas compulsoriamente e salientou a importância de existirem Comitês de Busca Ativa. Classificou os transplantes quanto aos doadores como cadavéricos e intervivos, sendo estes divididos entre relacionados e não-relacionados (LURD). Relatou a existência de comercialização de órgãos no mundo, citando alguns sites na Internet onde o receptor pode inscrever-se para obter um órgão comprado, particularmente na China, com cerca de 3.000 transplantes comercializados, Paquistão com cerca de 1.500 e Coréia, locais em que os doadores são em geral prisioneiros condenados à morte. Entretanto, lembrou que a regra é doador de paises em desenvolvimento-receptor do primeiro mundo e mencionou um site brasileiro com origem na cidade de Campina Grande, Pb, chamada Eliaquim e que oferece esta mesma possibilidade declinando preços. Referiu-se ao caso dos recifenses levados para a África do Sul para vender seus rins a receptores israelenses e informou que na Austrália, a exemplo do que ocorre no Brasil, existe um Projeto de Lei para que prisioneiros condenados à prisão perpétua possam candidatar-se a doadores para obter diminuição das penas. Referiu que a decisão de Bruxelas de 1985, motivada pelo crescente aumento de lucro com a comercialização de rins, foi referendada quase que imediatamente pelo Brasil. Colocou como principais pontos no caso de LURD, a necessidade do esclarecimento, acompanhamento e proteção do doador, inclusive quanto ao seu afastamento do trabalho, seus salários, etc., como a possibilidade de priorização de transplante para ele, caso venha a tornar-se receptor. Questionou a autorização judicial para doação de órgãos de doadores com incapacidade mental, pois o doador não pode escolher de fato. Informou que o sistema adotado no Irã para LURD é modelo mundial, porém com a imigração de afegãos para aquele país houve um descontrole do sistema. 2) Lista Única ou Critério de Gravidade Dr. Milton Glezer Ressaltou que os órgãos obtidos de cadáver pertencem à comunidade e controlados pela CNCDO. Destacou a importância de haver critérios transparentes, eqüitativos e de informação democratizada, com fácil acessibilidade aos dados (que podem ser acessados via Internet), proporcionando com isto credibilidade ao sistema, embora a interpretação destas informações, particularmente pela imprensa, possa representar alguns transtornos eventuais. Destacou as diretrizes e as câmaras técnicas do Ministério da Saúde e a necessidade de informar tanto receptor como doador, de modo completo, sobre as etapas dos pré, intra e pós-operatórios, dos riscos e grau de invasão do procedimento, e da obtenção de um consentimento pós-informado completamente honesto. Referiu a importância do registro e justificação analisada das ocorrências de alteração das filas e abordou o problema da transferência de pacientes de um centro para outro para ganhar posições nas filas. Para a pergunta: “Quem deve ser priorizado? O da vez na fila? O de melhor prognóstico? O de maior gravidade?”, respondeu que para pacientes acima de 12 anos existe o índice MELD, que avalia os níveis de creatinina, bilirrubina e INR, mais a chance de óbito nos primeiros 3 meses de transplante; e o PELD para os abaixo de 12 anos, que acrescenta os níveis de albumina sérica, retardo de crescimento e o lugar em que o paciente se encontra na fila para estabelecer a priorização. Porém, coloca o problema de como adotar este critério e mudar o status atual da espera, pois existem 3.800 pacientes na fila, que têm conhecimento de sua posição, com tempo de espera estimado em 2 anos: 61% com MELD menor que 15, 1% com MELD maior que 35, com um índice de 50% de óbito na fila e 30% de óbito no pós-operatório. O Dr. Renato Silva ponderou sobre a necessidade da viabilização das doações interestaduais, e do aumento das captações como um todo, referindo que seu posicionamento em relação ao MELD é de que deveríamos criar nossos próprios critérios ao invés de importá-los. Acrescentou que, embora o MELD tenha reduzido os óbitos na lista de espera americana a 4,5%, a maquiagem dos dados laboratoriais do paciente pelo transplantador pode ser facilmente obtida, lembrando que os transplantes intervivos no mundo estão num percentual de 6% dos transplantes realizados, enquanto no Brasil este número está em 30%. A platéia contribuiu com as discussões sobre o tema, trazendo algumas questões que versaram sobre a necessidade ou não de autorização judicial para o procedimento em intervivos. Foi esclarecido que sim para os não relacionados. Foi lembrada a possibilidade de ativação e desativação dos candidatos na lista de espera. Sobre as dúvidas das vantagens econômicas do transplante para o nosso sistema de saúde, foi informado que o custo de um transplante de fígado, embora represente um valor igual a 200 cesarianas, tem o mesmo valor da manutenção de metade dos custos de um hepatopata crônico ao ano pelo SUS. Sobre a questão da conscientização dos médicos para informar a ocorrência de morte cerebral de possíveis doadores, foi consensuado que deve haver - por parte de todas as entidades médicas e outras entidades da área da saúde - ações para a conscientização não apenas de médicos, mas de todos os segmentos profissionais atuantes na área da saúde. Foi lembrada, também, a necessidade de aumentar o trabalho de prevenção da HAS e diabetes como forma de prevenir a insuficiência renal, devendo ser analisado o crescimento do uso lucrativo da hemodiálise em detrimento da indicação de transplantes renais. Foi do entendimento dos presentes de que a abordagem da família dos receptores e doadores deve ser humanizada e os critérios para a indicação intervivos devem levar em conta o impacto sobre a perspectiva de vida e saúde do doador, embora a tese autonomista de Marco Segre proponha que o indivíduo deva ter liberdade de escolha em doar ou não. Foi referido, porém, estudo europeu que mostrou que 40% dos que já doaram não seriam doadores se pudessem voltar a escolher. A comparação entre a evolução natural da doença em relação ao óbito com o transplantado foi colocada como sendo vantajosa ao transplante, porém, é entendimento que a regulação é fundamental para os centros transplantadores. Nos EUA e Europa estes centros necessitam do credenciamento para a realização de ao menos 20 transplantes por ano e obtenção de sobrevida de 1 ano em 60%. Os dados no Brasil apontam este índice como sendo de 65% para os transplantados. Concluiu-se que o estímulo aos transplantes com doador falecido é, no Brasil, fundamental para minimizar a comercialização de órgãos e outras distorções desta área. Para isso é necessário que tenhamos um aumento do número de doadores falecidos, que pode ser conseguido através de várias ações educativas voltadas aos profissionais da saúde e à população. E adoção de critérios universais para o país que permitam uniformizar e possibilitar a supervisão das indicações, manejo das filas, priorizações, e informar, respeitar e humanizar o relacionamento entre equipes, doadores e receptores. |